"O Israel de Deus"

“O Israel de Deus”

A Epistola Aos Galatas

William Carey Taylor

-- 1954 --

ESTUDOS SUPLEMENTARES

“O Israel de Deus”

Há palavras ou frases que encerram em si uma vasta teologia: “regeneração” (Mat. 19:28), por exemplo; “filho do Homem”; “Abba”; “resgate” (Mat. 20:28); “cordeiro de Deus” (João 1:29) e uma com qu Paulo associa sua Bênção no fim desta epístola – “o Israel de Deus”.

“Pois nem a circuncisão é coisa alguma nem a incircuncisão, mas o ser uma nova criação. Quantos andarem por esta norma, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus,” (6:16).

A palavra “Israel” se acha umas duas mil e quinhetas vezes na Bíblia, principalmente com respeito ao patriarca Jacó e à nação que procedeu de seus lombos. No Novo Testamento é usado umas setenta vezes, e no mesmo sentido, até chegarmos às epístolas da controvérsia judaizante. Nestas principia um novo sentido do vocábulo, distinguindo do Israel incrédulo um Israel crente e avançado para incluir neste Israel de Deus, sem distinção de raça, todos que estejam unidos com o Messias de Israel mediante a fé em Jesus Cristo. Ainda progride esta doutrina nas epístolas de Paulo quando preso, e há a mesma idéia em outras Escrituras cristãs. Paulo não explica ou desenvolve a frase: supõe que é compreendida. Compreendamo-la, pois, em tudo quanto sugere e em tudo com que se associa no ensino apostólico.

1. As raízes da doutrina voltamà idéia profética de um “resto,” em Israel antigo. “Israel exclama a respeito de Israel: ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, é somente o resto que será salvo,” Rom. 9:27. É deste resto que Israel fala, em 6:13: “Se ainda ficar nela a décima parte, essa tornará a ser exterminada. Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derrotados, ainda fica o tronco, assim a santa semente é o seu tronco.” Já vi postes de cerca que se arraigaram e deram galhos e folhas. Isaías conhecia árvore desta espécia e profetizou que do cativeiro seria preserada uma semente, um tronco vivo para florescer, dando crentes como Simão, Ana, Zacarias, Elizabete, Maria e João Batista, os apóstolos e as primitivas ogrejas dos judeus.

2. Havia, pois, um Israel espiritual dentro do Israel carnal. “Pois nem todos os que são de Israel são israelitas,, nem por serem descendência de Abraão são todos filhos,” Rom. 9:6, 7.

3. Paulo escreve estas epístolas da contravérsia judaizante uns dez ou doze anos antes de sua morte. A incredulidade de Israel, em peso, já é manifesta. Daí a pouco, vai aparecer no horizonte a destruição da teocracia, do tempo, do sistema sacrificial e da própria nação como entidade organizada. Já enche o horizonte na Epístola aos Hebreus. Israel desaparece como um reino. Paulo, porém, tranfere para o reino espiritual de Cristo as promessas dadas por Deus mediante os profetas concernentes a um reino universal do Messias com seu povo, e francamente identifica este reino com os crentes, sem distinção de raça.

(I) Crentes gentios são chamados categoricamente judeus: “Se o incircunciso guardar as ordenaças da lei, não será a sua incircuncisao reputada como circuncisão? E o que é por natureza incircunciso, cumprindo a lei, julgará a ti que, com a letra e com a circuncisão, és trangressor da lei. Não é judeu aquele que o é exteriormente, nem é circuncisão o que o é esteriormente na carne; mas é judeu aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração, no espírito e não na letra. O louvor do tal judeu não vem dos homens, mas de Deus,” Rom. 2:26-29. Este judeu não é mero prosélito, convertido a Cristo. É gentio, e, até ao fim, fica incircunciso. Mas por sua fé se torna descendente espiritual de Abraão, membro do Israel de Deus. Concordam as palavras da nossa epístola. A Jerusalém palestiniana e seu povo são repudiados categoricamente: “está em escravidão com seus filhos,” Gál. 3:25. Os crentes gentios são “como Isaque, “filhos da promessa,” v.28. Israel segundo a carne passa a ser “lançado fora,” não será “herdeiro” das promessas proféticas, v. 30, antes identifica-se com a escrava Agar e o bastardo Ismael; mas o filho, o herdeiro, o Isaque, o Israel real, o povo de Deus, a Jerusalém celestial e seus filhos, são os crentes gentios, encorporados com Jesus e Paulo e os outros apóstolos no trono indestruitível da árvore de Abraão e da aliança da graça.

(II) Ainda sob a figura de uma árvore, Paulo unifica, numa vida orgânica espiritual, os judeus crentes e os centes gentios. É o extenso passo sobre a oliveira, o corte de seus galhos naturais e o enxerto de galhos do zambujeiro.

Notai os elementos da linguagem figurada: o “Israel” de Abraão é a oliveira original. Os judeus incrédulos são os galhos cortados. Os gentios crentes são enxertados no trono de Abraão, tirados do zambujeiro e incorporados à vida espiritual do Israel de Deus. Se a incredulidade prevalecer em sua descendência, serão também cortados por falta de ligação vital. Comparaí o corte das varas secas da videira, que é Jesus Cristo, João 16. Novamente os judeus poderão voltar a ser incorporados ao verdadeiro Israel, mas sómente quando crerem. Isto é importante: “Eles também, se não permanecerem na sua incredulidade, serão enxertados,” Rom. 11:23. Não há promessa para nenhum judeu incrédulo. Ele pode voltar a pertencer ao Israel de Deus, ao lado dos gentios crentes, se crer e, Jesus Cristo como seu Messias. Mas é pela fé que os galhos cortados pela incredulidade voltarão a ligar-se vitalmente com a oliveira do Israel espiritual. Como nos dias de Elias, o profeta e sete mil fiéis eram “o tronco” “o resto”, “a santa semente”, “a eleição da graça”, Rom. 11, assim agora Paulo, os Doze, os judeus crentes e os milhares de gentios crentes, constituem “o Israel de Deus”, o herdeiro da promessa e da aliança da graça, revelada a Abraão para sua descendência espiritual – os crentes com Cristo, sem distinção de raça. E em Romanos, o apóstolo também repudia, neste Israel espiritual, qualquer confusão entre graça e obras, como base desta vida espiritual, como seiva vital do tronco de Israel segundo o Espírito: “Do mesmo modo, pois, ainda no tempo presente, há um resto segundo a eleição da graça; mas se é pela graça, já não é pelas obras, doutra maneira, a graça já não é graça”, Rom. 11:6 – eco sereno da luta renhida na Galácia. Ninguém é israelita genuíno, com futuro profético, serão o crente Jesus Cristo, seja qual for sua raça, língua, tribo e povo. Teodoro Zahn assim fala deste novo Israel do Espírito, em sua “Introdução ao Novo Testamento,” tradução inglesa, Vol. I, p.76: “não tem pátria terrestre, nem capital sobre a terra, mas sempre por onde peregrina, vive num mundo estranho como a dispensão judaica vivia na mesopotâmia ou no Egito.”

4. Em toda a Escritura há fases desta doutrina.

(I) João Batista representa o machado como posto à raiz de Israel, um novo reino no horizonte de história humana, no qual Deus poderia suscitar das pedras filhos, embora os judeus rejeitassem o reino e o Rei. Mat. 1:2, 9, 10, 12.

(II) Jesus profetizou a rejeição de Israel e a incorporação dos crentes gentios ao povo de Deus.

“Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente, e hão de sentar-se com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus, mas os filhos do reino serão lançados fora nas trevas exteriores,” Mat. 8:11, 12.

Assim, na parábola das bodas, os convidados foram exterminados e buscaram-se convivas nas encruzilhadas da terra. O banquete e o palácio são os mesmos para os convidados antigos e os convivas improvisados de última hora. Os gentios consentiram em ser convivas nas bodas oferecidas primeiramente aos judeus.

Luc. 13:28 também descreve gentios no reino com os patriarcas e profetas. Mas os judeus seriam “excluídos.” Olhando com choro e raiva aos crentes gentios em seus lugares. Assim também Luc. 14:21.

Jesus prometeu “trazer” e pastorear “outras ovelhas” escolhidas, não do aprisco hierosolimitano, há “um rebanho e um Pastor”, não um aprisco eclesiástico e um Papa. Missões aos judeus que conservem seus conversos isolados das igrejas de Deus não seguem o espírito de Jesus, ou a norma de Paulo. Erguem de novo o muro de separação que Cristo derrubou, Efés. 2:14. Na cruz, Jesus é o imã para atrair universalmente, não apenas nos limites de uma raça, João 12.32. vede Mat. 15:13, e Mat. 21:43, passagem na qual Jesus disse aos judeus: “o reino de Deus vos será tirado e oferecido (?) (o grego diz dado) a uma nação que dará os frutos dele.” Esta nação não é o império britânico ( segundo a insensata teoria anglo-israelita, do nacionalismo de alguns ingleses e outros anglo-saxões). É o povo de Cristo, a palavra graga no singular, cujo plural é vertidos “gentios”. Não é um povo político mais um povo regenerado, uma coletividade espiritual.

(III) Paulo afirmará mais tarde: “Pois os circuncidados somos nós (ele e a primeira igreja fentia na Europa) que rendemos culto pelo Espírito de Deus, e glorificamo-nos em Cristo Jesus e não pomos confiança na carne.” Fil. 3:3. São os marcos do verdadeiro Israel do Espírito.

Este Israel tem uma pátria, embora esteja peregrinando em terra estranha: “Pois a nossa pátria está nos céus,” Fil 3:20. A nova Jerusalém é sua capital, a mãe do crente; todavia não foi esta identificada por Paulo com sistema, uma igreja ou uma hierarquia, mas sim com a aliança da graça. Gál. 4:24, 26.

(IV) Das idéias semelhantes, na Epístola aos Hebreus e no Apocalipse, citaremos apenas uma passagem: “Tendes chegado ao monte Sião e à cidade de Deus vivo, Jerusalém celestial, às hostes inumeráveis de anjosm a assembléia geral e igreja dos primogênitos, que são registados nos céus, e a Deus, juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, Mediador de uma nova aliança, e ao sangue de aspersão que fala melhor do que o de Abel”, Heb. 12:22-24. O contraste é entre Moisés e Sinai versus Jesus e a nova aliança, da qual a nova Jerusalém figura como símbolo, na alegoria de Gál. 4.

(V) Pedro também afirma que sobre o crente estão todos os atributos de Israel: “Vós sois a geração (raça, nação) eleita, o sacerdócio real, a nação (a palavra de Jesus em Mat. 21:43) santa, o povo (o termo peculiar e querido para indicar Israel) todo seu.” Pedro tira de Israel todo o seu vocabulário de honra e aplica-o aos que foram edificadores mas “para Deus eleita e preciosa”.

(VI) João se associa aos crentes da Ásia, gentios em sua grande maioria, e declara: “nos fez reino, sacerdotes para Deus e seu Pai”. A profecia, o sacerdócio e o reino, todos passam de Israel para o povo crente.

5. O fato de que Cristo e os apóstolos tranferiam do Israel político para “o Israel de Deus,” crentes sem distinção de raça, toda a linguagem sagrada – raça, nação, povo, sacerdócio, reino –, não deixa de ser uma interpretação do Velho Testamento pelo Novo. Muitas profecias sobre Israel que para os judeus tinham uma significação política e nacional, devem ter para nós uma significação missionária e universal, completamente acima de considerações racistas ou nacionalistas. Está transferência de termos e sua aplicação destrói absolutamente toda a possibilidade de literalismo para interpretar as profecias sobre Israel. O “Israel de Deus” era “mistério”, até que fosse revelado no Novo Testamento. Quando foi revelado, tudo mudou, em nosso entendimento da profecia. O esforço para dar uma aplicação minuciosa, realizada na história política, à linguagem de fervorosa exaltação poética dos profetas do Israel antigo é a mais completa cegueira que se posso imaginar em interpretar a Bíblia. A simples frase de Paulo, “o Israel de Deus”, aplica para a atualidade missionária as promessas de expansão e vitória do reino, que no Velho Testamento se indentificava com uma teocracia hierarquico-política, mas agora se conhece como reino espiritual, a comunhão de corações regenerados.

Muitos gentios crentes se têm tornado judaizantes mais fanáticos do que os judeus, na sua atitude para com os judeus na profecia. É uma verdadeira mania de alguns, examinarem microscópicamente os telegramas sobre a sorte política da Palestina, de Jerusalém, do sionismom e tais aspectos políticos da história contemporânea de Israel segundo a carne. O ponto de vista é carnal. A espiritualidade está em reconhecer o “Israel de Deus”, não o dos Rothchilds e Einsteins, o reino espiritual que herdou as promessas de Davi, Isaías e Jeremias. Em missões mundiais, não em imaginações políticas, está o futuro abençoado dos judeus e dos demais povos. Evangelizemos, pois, com urgência, e não fiquemos curiosos sobre o destino dos judeus, nem sobre “os tempos e as épocas que o Pai fixou pela sua própria autoridade”.

6. Há, no horizonte de Paulo, ainda um futuro para Israel segundo a carne? Parece que sim. Mas sómente quando este Israel incrédulo se tiver tornado, em grande parte, crente e regenerado. Na incredulidade, o judaísmo e seus adeptos não têm futuro diferente do que tem tido por estes vinte séculos desde que crucificaram seu Messias. Não sejamos nem odiadores nem aduladores do povo hebraico. Merecem liberdade universal e justiça. Mas a entrada deles no Evangelho é pelo mesmo caminho aberto aos demais pecadores, e, entrando, serão como os demais crentes. E mesmo que osrael não queira incorporar-se ao verdadeiro Israel de Deus, este glorioso Israel não deixará, por isso, de existir, evangelizar e expandir sem aspecto racista ou nacionalista.

O dr. Carroll assim esboçou a profecia de Paulo sobre a conversão dos judeus em grande escala que o apóstolo previu:

“Uma passagem de Pedro mostra a relação entre a conversão dos judeus e o advento final de nosso Senhor é uma declaração de nosso Senhor revela o tempo de salvação geral de judeus. Diz Pedro: Arrependei-vos, pois e convertei-vos, para serem apagados os vossos pecados, de sorte que da presença do Senhor venham tempos de refrigério, e que envie aquele que já vos foi indicado, Jesus o Cristo, ao qual é necessário que o céu receba até os tempos de restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas de outrora.” Atos 3:19-21. Nosso Senhor diz: “Muitos cairão ao fio de espada e serão levados cativos para todas as nações, e Jerusalém será pisada pelos gentios, até se completarem os tempos deles.” Lucas 21:24. Então, de acordo com Isaias, Ezequiel e Zacarias, os meios e os métodos desta grande salvação dos judeus são os seguintes:

(1) Será precedida de um ajuntamento de Israel provindo dentre todas as nações.

(2) Cristo, a quem eles traspassaram, será exaltado pela pregação dos gentios.

(3) O Espírito Santo, poder para convencer e converter, ser-lhes-á ministrado abundantemente pelo que hão de prantear e oar e verão a Jesus como seu Salvador.

(4) A nação nascerá de Deus num dia. O apóstolo baseia esta maravilhosa obra de Deus no princípio que “se as primícias são santas, também a massa o é; e se a raiz é santa também os ramos o são… Esta e a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados… porque dos dons e da sua vocação Deus não se arrepende”. Rom. 11:16, 27, 29. Segue então sua ilustração sobre a oliveira cuja explicação é como se segue:

(1) Cristo é a raiz.

(2) A raça sana é o Israel espiritual eleito.

(3) Os ramos quebrados são os judeus incrédulos.

(4) Os ramos enxertados são os gentios convertidos.

(5) O princípio é a união vital e espiritual com Cristo através da fé, sem respeito a judeus ou gentios.

(6) Os filhos de Abraão, descrentes, são quais ramos, atados à árvore, porém externamente; nenhuma comunicação há entre a seiva exuberante e os vasos dos ramos assim atados.

(7) Assim, um gentio, se for ramo atado externamente, será quebrado. Carroll, “comentário sobre a Epístola aos Romanos,” p. 211-212.

E Hodge assim se expressa sobre o mesmo assunto: Assim todo o Israel será salvo, como está escrito.

“Israel, aqui, visto o contexto, deve significar povo judeu, e todo o Israel, a nação inteira. Os judeus, como um povo, estão agora rejeitaos; como povo hão de ser restaurados. A sua rejeição, embora nacional, não implicou a rejeiçãode cada judeu individualmente; e assim sua restauração sendo igualmente nacional, não importa em incluir a salvação individual de cada judeu. “Todo o Israel” não deve ser, portanto, aqui entendido como referido-se a todo o verdadeiro povo de Deus, como Agostinho, Calvino e muitos outros explicam; nem todos os judeus eleitos, i. e., toda aquela parte da nação que constitui ‘o restante de acordo com a eleição da graça,’ mas toda a nação, como nação.” Hodge “Commentary on Romans”, p. 589. Outrossim, o mesmo autor escreve:.

“DOUTRINA”

Haverá uma conversão geral dos judeus, concernente à qual o apóstolo ensina-nos: 1. Que será de algum modo conseqüente da conversão dos gentios, vc. 11-31. 2. Que será acompanhada com importantes e mui desejáveis resultados para o resto do mundo, vs. 12, 15. 3. Que essa conversão terá lugar quando houver entrado a plenitude dos gentios, isto é, depois da conversão de multidões de gentios ( quantos, quem pode dizer?) ver. 25. Nada diz-se de que esta restauração seja repentina, ou efetuada por milagre, ou em conseqüência do segundo advento, ou ainda pela restauração dos judeus à sua própria terra. Tais particularidades têm sido acrescentadas por alguns comentadores, por sua imaginação ou de seus conceitos de outras porções das Escrituras. Não são ensinadas pelo apóstolo. Pelo contrário, é pela graça revelada aos gentios, de acordo com Paulo, que os judeus deverão entrar, o que implica em que aqueles deverão ser instrumentos na restauração destes. E ele ensina sempre que dentro da igreja a diferença entre judeus e gentios cessa. Em Cristo não há judeu, bárbaro, cita, escravo ou livre. Col. 3:11; todas as classes estão amalgamadas em uma, como no caso sob a direção dos apóstolos nos primeiros dias da igreja.” Hodge “Commentary on Romans”, p. 598-9.

7. Na passagem citada da epístola aos Hebreus, vimos que um dos gloriosos privilégios do Israel espiritual é ter “chegado” à “igreja dos primogênitos”. Que significa “ter chegado” a anjos, justos aperfeiçoados, sangue melhor que o de Abel, a nova Jerusalém e ao santo gozo que está no mundo celeste, outra vida além do véu? Diz o Expositor’s Greek Testament, in loco: “A condição e posição do crente agora são descritas em contraste com as do hebreu. Vós fostes introduzidos na intimidade com realidades eternas. “Tendes chegado” significa “vós vos aproximastes”, isto é, já entrastes na vossa relação eterna com o invisível.”

Um dos elementos da superioridade de novo regime ao velho é o contraste entre a assembléia, ou congregação, de Israel e a igreja geral dos redimidos. Há intérpretes que identificam com os “miríades dos anjos” uma das frases, “assembléia geral” e “igreja dos primogênitos”, ou ambas. Justificam esta exegese numa remota associação deste texto com o livro de Jô que, segundo se opina, chama aos anjos de “filhos de Deus”. Nesta própria epístola, porém, os pois estão deliberadamente classificados como servos dos crentes, os quais são herdeiros (1:14) e “filhos”, (2:13). Quase com desdém perguntase retóricamente: “Pois, à qual dos amjos disse jamais: Tu és meu filho?”, (1:5). Segundo a interpretação citada, porém, Deus disse a miríades de anjos, não apenas “Tu és meu filho”, mas “Tu és meu primogentio”. Por que fugir deste enfático contexto da própria epístola, na branca luz da apologia por excelência do cristianismo, para buscarmos, numa passagem obscura, uma analogia duvidosa entre “filhos de deus” e “primogênitos”? O primogênito teve dupla herança; o anjo não tem nenhuma (1:14). É servo, na providencia divina atual e na casa de muitas moradas. Rejeitamos, pois, a interpretação tendenciosa que procura fugir da doutrina da igreja geral, neste passo, por atribuir aos anjos a nomenclatura e a comunhão dos filhos de Deus.

Pondo de lado a referência figurada a uma “assembléia festiva” (panegírica), pois é só aqui que se usa esta palavra e no há base comparação, estudemos esta idéia da assembléia (igreja) dos primogênitos, idéia que é comum a vários livros do Novo Testamento e se relaciona profundamente com a idéia do “Israel de Deus,” da Epístola aos Gálatas.

Todo o crente obediente faz parte de duas igrejas: “a igreja geral” ou universal, “a igreja dos promogenitos”, e uma igreja “local”, a organização em que a vida cristã obediente normalmente se desenvolve, coopera e ativa-se na extensão do reino. Nem todos que pertencem a uma das duas igrejas fazem parte de ambas. Judas faiza parte da companhia e organização que anadava com Jesus, a qual chegou a localizar-se em Jerusalém depois da ressurreição, em obediência ao Salvador. O traidor, porém, nunca pertenceu à “irgeja dos promogenitos”. “Demônios” não entram jamais naquela santa grei. O malfeitor convertido, os santos do Velho Testamento, Zacarias, Elisabete, João Batista, Ana, Simeão e inúmeros crentes, mal orientados a respeito, mesmo na era cristã, nunca fizeram parte de uma organização local, uma igreja do Novo Testamento. A igreja geral ou universal – a Bíblia não usa adjetivos com a palavra igreja, e conservar o sentido apostólico desta é mil vezes mais importante do que inventar ou furtar um lindo adjetivo para lhe acrescentar – a igreja geral, digo, não é organização. Não é organização “católica” nem “sociedade” eclesiástica nacional ou internacional. Somente em figura aplica-se a palavra igreja à comunhão espiritual de todos os salvos.

Mas a igreja local é organização e sua natureza congregacional é da essência da significação da própria palavra graga que traduzimos igreja; é organização, tem ministério, oficiais, disciplina, missão, obrigações particulares e deveres gerais pela cooperação com outras igrejas congêneres.

Ora, muitos interpretes se apegam a esta frase, “o Israel de Deus”, para identificar ou confundir a nova e a velha aliança, Israel carnal e Israel espiritual, o Velho e o Novo Testamento, lei e Evangelho, graça e obras, e voltam ao judaísmo para incorporar seus caducos elementos, oficiais, cerminias, e, mormente, sua assembléia nacional que lhes serve de justificativa e norma para as igrejas nacionais hodiernas, ligadas ilícitamente a tantos estados civis na Europa e nas suas colônias. O literalismo traz este prejuízo à espiritualidade.

A assembléia de Israel nunca foi igreja nem teve a mínima relação com as igrejas apostólicas ou com a igreja geral, espiritual. A assembléia de Israel era composta dos cidadãos votantes e guerreros do povo, numa base puramente fisiológica e carnal. Não se limitava de forma alguma ao Israel espiritual dentro do Israel político-teocrático. O “Israel de Deus”, no pensamento de Paulo, é a continuação, e expansão para abranger os crentes gentios, da “semente”, do “resto,” do “tronco”, dos “sete mil que não dobraram os joelhos a Baal”, da “eleição da graça”. Absolutamente nada tinha de herdeiro ou sucessor dos ritos, oficiais, união teocrática do religioso e do civil, dos seus altares, sacrifícios e sacerdocio paramentado, dias santos, etc., etc. É nesta propositada confusão entre a “Igreja” (?) de Israel” e “o Israel de Deus” que o romanismo e o protestantismo, em tantas fases de sua vida, apostataram do Evangelho para um judaísmo disfarçado. O “Israel de Deus”, no sentido paulino da frase, é agora “A Congregaçao de Israel”. Antigamente era o núcleo espiritual e regenerado entre os da circuncisão; agora é a comunhao de todos os salvos, em Cristo Jesus.

As duas idéias legitimas da palavra “igreja” principiam em Mateus e atravessam o Novo Testamento até o Apocalipse, sem se confundirem.

Jesus assistia às reuniões da “Congregaçao do Senhor” em Jerusalém, declarou o nome de Deus a seus irmãos e, “no meio da congregação,” louvou a Deus com Salmos, Heb. 2:12. Estas congregações de todos os homens de Israel se reunia, três vezes por ano (Êx. 23:14-17). Foi com facilidade, pois a Palestina era menor que alguns municípios brasileiros; o hábito de peregrinar era antigo e universal, e jerusalem distava poucas léguas da maior parte da população. Aquela “congregação do Senhor”, porém, rejeitou e crucificou o mesmo Senhor. Jesus, prevendo isto, disse: “Edificarei a minha Congregaçao” (???????) que sugeriu: “o meu Israel”, sob a figura das amadas congregações do povo de Jeová no templo. Israel já não era “Congregaçao do Senhor” porque rejeitaram o mesmo Senhor. Jesus ia edificar outra congregação, através dos séculos – a morte (portas do Hades que abrem para receber os mortais no além-tumulo) não teria força para fazer desaparecer esta congregação do Senhor, nem mesmo pela morte do proprio Senhor no Calvário. Nem em Israel nem em Mat. 16:18, a palavra igreja perdeus seu sentido congregacional. Nesta passagem, porém, a quase totalidade de intérpretes, inclusive os de convicções sinceramente congregacionalistas, opinam que a congregação da qual partiu a referência da linguagem de Jesus é aquela que era até então o povo do Senhor, e se congregava frequentemente no templo para culto. Jesus foi repudiado e repudiou aquele povo, aquela congregação. Disse: “Vou edificando um novo Israel, uma congregação geral, uma igreja de todos os crentes que também me confessam como o Filho de Deus, minha igreja, uma comunhão baseada na fé, não na raça ou no nacionalismo, mas uma comunhão de todos aqueles que hão de congregar-se no céu.”

Broadus diz: “No Novo Testamento o Israel espiritual, se bem que jamais congreado de fato, às vezes é concebido como uma congregação ou assembléia ideal, e esta é denotada pela palavra ekklesia. Assim em Efés. 1:22 e frequentemente nesta epístola; em Col. 1:18, 24; Heb. 12:23, etc. Parece que é o sentido aqui.” (Comentário sobre Mateus, in loco).

Lado a lado com esta referência à igreja geral, uma figura do povo de Deus, paralela, mas não idêntica, com outras fiquras domesmo povo – reino, templo, corpo, noiva, casa, Israel, pão, etc. – temos uma vez nos lábios de Cristo durante seu ministério terrestre o significado real da palavra, em seu sentido normal da organização congregacional pela qual o cristianismo fiel e os cristãos obedientes funcionam em seu trablho cooperativo. “Dize-o à igreja” é uso genérico do sentido local do termo. Antes dos dias do rádio, ninguém poderia dizer coisa alguma mesmo à igreja geral. Só uma congergaçao local pode ouvir a voz. Só congregações locais devem chamar-se igrejas de Deus. O uso do termo a respeito de outros tipos de organização eclesiática é um abuso que engana os incautos.

Depois de Mat. 18, não temos palavra “igreja” por mais de 235 páginas no Novo Testamento de Rohden. A igreja, como o batismo, (I Cor. 1:17) não faz parte do Evangelho, portanto em três e meio dos quatro Evangelhos a palavra nem se menciona. Em Atos e Romanos só temos o sentido local (às vezes, genérico). É característico dasepístolas da prisão do apóstolo dar forte ênfase ao sentido geral (Efésios e Colossenses), porém o sentido local nem se perde, nem se absorve, nem se confunde.

A própria Epístola aos Efésios é uma carta circular. Um católico, ou um protestante, que fosse adepto de uma igreja nacional, teria escrito uma porção de cópias todas para “A Igreja da Ásia”. Mas Paulo deixou em branco e enderêço para cada igreja local, e enviou um exemplar a cada uma, como a uma entidade autônoma, soberana e completa em si. Em Efés. 1, 2 e 3 temos o uso geral e o uso local genérico. A igreja é “o seu corpo, o complemento daquele que enche tudo”. Mas neste Israel de Deus, os evangelizados, judeus e gentios, são “um só corpo”, “um homem novo”, “um edifício”. Mas há igrejas locais que são edifício também, e Paulo escreve: “no qual (Cristo Jesus) cada edifício cresce para ser um templo santo.” Cada igreja local é descrita pelas mesmas fiquras: corpo, templo, noiva, pão, casa, etc. A sublime Epístola aos Efésios é endereçada a cada igreja local na Ásia e visa cada edifício espiritual, e, sem confusão, nos ensima também nossa mais profunda e elevada lição sobre a igreja geral.

A Epístola aos Hebreus conserva os dois sentidos em mira. “Não abandonando a nossa congregação”, 10:25. A ênfase é sobre nossa. Zahn e Moffatt pensam que os recipientes da Epístola eram uma igreja suburbana no bairro judaico de Roma, cujos membros, com medo de seus intolerantes patrícios, assistem cultos nas outras igrejas, nos bairros gentios da cidade, pois a Bíblia não fala da “Igreja de Roma” uma vez sequer, mostra, porém, que havia uma igreja na casa da Áquila e Priscila em Roma, e provavelmente várias outras, na grande metrópole. Estes leitores que deviam lealdade, a todo custo, à sua própria congregação e cultos locais, eram os mesmo que “tinham chegado” à sublime realidade da “igreja dos primogênitos”, a congregação ainda a congregar-se na glória, a igreja geral dos primogênitos. Uns estão na glória, outros na terra, mas todos estão arrolados no céu; e a Jerusalém nova (a nova aliança da graça) é sua mãe e a capital de sua esperança. Lealdade às duas igrejas, custe o que custar, é a norma cristã!

O apocalipse recusa dizer uma só vez: “A Igreja da Ásia”; Paulo escreveu uma carta à igreja de Êfeso; Jesus, com João por amanuense, escreve uma carta à igreja de Êfeso, mas nem Jesus nem João nem Paulo querem saber da idéia de “A Igreja da Ásia”. Semelhante linguagem é erro, heresia, desvirtuamento de uma santa palavra do vocabulário cristão.

Ouvimos o côro católico e neo-católico, do unionismo protestante, a clamar cada instante de sua propaganda que há uma só igreja. É uma dessas meias-verdades, as quais são sempre a forma da mentira mais sedutora. Há uma só igreja universal. Deveras. Como há um só universo. Há, porém, milhares de milhares de igrejas autônomas, cooperadoras e responsáveis diretamente a Jesus, e que não mancharam suas vestes em prostituição com César. Fundir estas igrejas livres, compostas de crentes, em um eclesiasticismo ambicioso é fazer voltar os ponteiros dos relógios à Idade das Trevas a buscar novas perseguições, nova Inquisição, novas fogueiras e bastilhas. É repudiar todo o progresso. É perder o cristianismo puro. É divergir de Jesus. Na última página da Bíblia, o Senhor revelado e revelador declara: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor de igrejas – não a favor da Igreja Católica da seita “romana” ou da seita “ortodoxa” ou das demais seitas “católicas” (?), nem da “Igreja de Cristo na China”, etc. AS IGREJAS NÃO CONSTITUEM A IGREJA. É a heresia-mor. E quem a advoga, toma para si a culpa de “acrescentar” a idéia à revelação de Deus, pois desde Mateus ao Apocalipse há uma igreja geral que abrange todos os salvos, mas não é organização. Não tem cerimônia, sacramentos, clero, credos ou ligação com o mundo, com o estado, com a ‘proteção’ carnal. É o complemento de Cristo e é santa porque é unanimemente salva e santificada. E graças a Deus há igrejas inumeráveis, cada dia mais numerosas, iguais em amor, doutrina, natureza, disciplina e missão com as igrejas com as igrejas do Apocalipse, tendo a mesma natureza, as mesmas faltas, e as mesmas virtudes. É nosso último relance à vontade do Senhor Jesus glorificado. Quem muda esta norma apostólica pratica uma obra nefanda.

Alguns têm querido ver na Epístola aos Gálatas as duas idéias da igreja, insistindo em que Paulo perseguia “a igreja universal”, Gál. 1:13. Mas não há razão de assim pensar, Lucas diz categoricamente qual a igreja que Paulo perseguia: “Naqueles dias levantou-se uma grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém”, não contra “a igreja universal”. Antes deste tempo a igreja geral incluía crentes em toda a face do mundo civilizado. Durante o ministério de João Batista e Jesus e no dia de Pentecostes e na pregação de Estevão multidões de toda a face da terra foram convertidas e faziam parte da igreja geral. Paulo não perseguiu a vigésima parte dessa gente. Não perseguiu a Apolo, na África, que tinha sido batizado por João, nem os milhares de crentes na Galiléia nem os Cirene que mais tarde evangelizaram Antioquia, nem os de Roma que foram batizados no dia de Pentecostes nem membros inúmeros da igreja universal. Ele perseguiu a igreja de Jerusalém, e os grupos desta logo se arraigaram e lemos, no v. 22, das “igrejas” da Judéia. Em lugar de uma, logo houve muitas; e estas nunca viram a Paulo. Sua perseguição obrigou os membros da Igreja de Jerusalém a fugir, mas escaparam e fundaram outras igrejas. O plano de Deus foi fazer uma igreja, a de Jerusalém, multiplicar-se em muitas igrejas. Querer o contrário, converter muitas igrejas em uma só organização, é querer o oposto à vontade revelada de Deus. E Deus é quem prevalecera. O Israel de Deus é a igreja geral, espiritual – na Epístola aos Gálatas. As igrejas da Galáxia ou de Jerusalém ou da Judéia são organizações e não se confundem com o Israel de Deus.

A linguagem figurada nasce de fatos concretos. Primeiramente, houve a congregação de Israel, mais tarde a igreja de Jerusalém, então as igrejas da Judéia, da Ásia, da Galáxia, da Macedônia, da Acaia, etc. Depois, generalizo-se o uso do termo, em sentido figurado, a respeito de todo o povo de Deus como congregação ideal, o Israel do Senhor. Primeiramente, batizaram-se milhares. Depois se falou em ‘batismo em sofrimentos’ ou no poder do Espírito. Primeiramente, houve ceias e banquetes concretos, tangíveis, então o Evangelho se compara com bodas, e Cristo com o pão da vida. Primeiramente, há uma ordenança em que se usa o cálice, então Cristo pode dizer: “Este cálice é o Novo Testamento em meu sangue”, porque, também, primeiramente os homens conheciam seus pactos e testamentos comerciais e podiam entender o uso figurado da prazer comercial como símbolo de verdades sublimes. Primeiramente, houve um vulto histórico, Jacó, também chamado Israel; depois um povo político nasceu de sua semente. Agora, as frases “Israel de Deus”, “igrejas dos primogênitos”, “corpo de Cristo”, “templo do Espírito Santo”, “noiva do Cordeiro”, passam para o terreno da linguagem retórica. Não sejamos como aquele primogênito primitivo que vendeu sua primogenitura por um prato de lentilhas numa hora de tédio e canseira. Ah, se ele soubesse ser firme, poderíamos ter orgulho em nos chamar “o Esaú de Deus”, em lugar de “o Israel de Deus.” Conservemos a concepção “Israel de Deus” ou “igreja dos primogênitos”, como linguagem espiritual e figurada, não literatismo eclesiástico.

8. Talvez seja exigida uma prova cabal que indique ter Paulo pensado tanto de gentios como de judeus quando falou do “Israel de Deus”. Perguntará alguém: “Não é possível que o apóstolo apenas pronunciasse esta bênção sobre o Israel nacional, ou mesmo sobre o elemento evangelizado, ou sobre os judeus crentes que faziam parte das igrejas da Galáxia?” é razoável a pergunta e, naturalmente, é possível uma resposta afirmativa. Prova cabal raras vezes é possível em exegese. Temos de nos contentar com a exposição das palavras a serem interpretadas e esta não pode ser autoritária. Aqueles cuja teoria fixa os obrigue a ensinar que Israel é sempre e unicamente o Israel segundo a carne darão este valor à frase aqui. Mas, em assim fazer, ficam réus de uma interpretação tendenciosa, fechando os olhos à palavra de Paulo e impondo sobre a linguagem do apóstolo as idéias deles.

As seguintes são razões por que acreditamos que a referência aqui é a um Israel espiritual, composto de crentes gentios e judeus:

(I) O contexto esclarece o texto. A bênção principia com esta aplicação limitada de sua linguagem: “Quantas andarem por esta norma…” A norma é: “Nem a circuncisão é coisa alguma nem a incercuncisão.” Portanto, comentar esta sentença como uma frase que tivesse a idéia de que “a circuncisão” seja o velho Israel nacional e o torne digno de uma bênção especial, incondicional e ilimitada, seria a zênite de incoerência no apóstolo, com um movimento da pena ele classifica “a circuncisão” como “nada”. Logo depois a elevará para as alturas de uma bênção? O contexto da própria sentença imediatamente anterior é claramente contrário.

(II) O contexto do parágrafo menciona, com forte desdém, o pendor de Israel carnal para gloriar-se na carne, no proselitismo, como Jesus disse em Mat. 23:15. Paulo acaba de condenar fortemente a vanglória do nascimento judaico. Agora, no mesmo parágrafo, estará ele unindo sua voz à adulação do Israel carnal, classidicando-o como “o Israel de Deus”?

(III) O contexto geral da epístola é ainda mais desfavorável. O apóstolo nem fala muito favoravelmente de Pedro e Barnabé, no capítulo 2. Para os judaizantes ele só tem anátemas. Como seria possível rematar uma epistolo tão forte contra os judeus incrédulos e os judaizantes crentes, dando-lhes uma bênção permanente na base racista? Seria uma bênção da Agar espiritual, bênção da escrava e seus filhos que jaziam na escravidão, bênçãos para os que ele mandou “lançar fora”, 4:30. É moralmente impossível.

Alguém perguntará: “O Israel de Deus, porém, não poderia ser o elemento judeu nas igrejas?” Não parece ser muito considerável este elemento. As igrejas eram quase solidamente gentias. Se estamos certo em pensar que as igrejas da Galáxia são aquelas cuja evangelização é narrada em Atos 14, então em Icônio vemos os judeus de um lado e os apóstolos de outro, v. 4. Em Listra é o povo licaônico que segue ao apóstolo, os judeus o apedrejam, v. 11, 19. Não diz os judeus incitaram o povo gentio a apedrejá-lo mais “alguns judeus… apedrejaram a Paulo”. A massa dos judeus tornara a mesma atitude hostil, em Antioquia (13:45). Paulo virou-se para os gentios e estes se regozijaram na sua decisão. Em Derbe nem se mencionam os judeus, 14:20. Parece não haver muitos judeus nestas igrejas. E mesmo que houvesse, a bênção não é para “o Israel de Deus entre vós”, mas uma oração geral a favor de todo o reino de Cristo em toda parte. A frase é majestosa e não se podia aplicar a um punhado de judeus anônimos nas igrejas da Galáxia, para a exclusão da quase totalidade das mesmas igrejas que era de gentios convertidos.

O Israel de Deus incluiria os poucos judeus crentes, mas não exclusivamente. É equivalente a toda a “nova criação”, os regenerados. Como disse Lighfoot: “O Israel de Deus está em contraste implícito ao ‘Israel segundo a carne’ (I Cor. 10:18): Comp. Rom. 9:6, nem todos os que são de Israel são Israelitas”; Gál. 3:29, Fil. 3:3. Não se refere aqui apenas aos fies convertidos da circuncisão, geralmente, porém, ao Israel espiritual, todos os crentes, quer judeus ou gentios.” (Lightfoot, no seu Comentary on Galatians, p. 324, 25).

A passagem em Rom. 9:6 é difícil no original e dificílimo de traduzir, embora a idéia seja clara. As palavras de Paulo são: “Não, pois, todos os de Israel, estes Israel.” Não há verbo no original. É uma infelicidade abandonar o coletivo “Israel” e dar a tradução individualista israelitas, como fazem todas as seis versões no vernáculo que tenho à mão, tradutores católicos e protestantes seguindo indiscriminadamente o erro da Vulgata. O ponto está na conservação da palavra “Israel”, ambas às vezes. Weymouth procura dar a idéia, assim: “Nem todos que são de ‘Israel’ contam como Israel.” E Moffatt verte assim: “A palavra ‘Israel’.” Dá ele a entender que crentes gentios pertencem ao ‘Israel’ embora estejam excluídos do ‘Israel’ soberbo dos racistas. E Sanday e Headlam, em seu comentário clássico, assim traduzem, livremente: “E nunca foi designado que todos os descendentes de Jacó fossem incluídos no Israel de privilégio.” Claramente, temos em Romanos a expansão da frase isolada, “O Israel de Deus”, em três grandes capítulos. Ali como aqui, o ponto é não limitar a palavra Israel nem aos judeus, sob ponto de vista racista, nem ao núcleo de judeus crentes nas igrejas.

9. Estes vários termos, usados figuradamente, não se tornam sinônimos por serem empregados a respeito da coletividade cristã.

Suponhamos que uma família de crentes, um casal e dois filhos adultos, reside num lugar onde o Evangelho é novo. Constituem uma família. Estabelecem uma firma comercial na qual todos trabalham. Organizam uma igreja de quatro membros. São a família Fulano, a firma comercial de Fulano e Cia., e a igreja no lugar. Mas nem por isto família, firma comercial, e igreja se tornam sinônimos, embora sirvam para descrever o mesmo grupo, em aspectos diferentes da sua vida.

Do mesmo modo os crentes em Cristo são a família de Deus, a igreja geral, o reino de Deus, a casa de Deus, a noiva do Cordeiro, o sacerdócio real, o corpo de Cristo, a nação escolhida, o santuário do Espírito Santo e o Israel de Deus. Mas nem por isso tornam-se sinônimos a palavra monárquica “reino”, a palavra congregacional e democrática “igreja”, a palavra doméstica família”, a palavra política “nação”, a palavra hierárquica “sacerdócio”, a palavra arquitetural “santuário”, e a palavra racista, “Israel”. Seu uso figurado, por acaso, se aplica ao número total dos redimidos mas seu uso literal fica o que fora. A família de Deus, o reino de Deus, a igreja geral, o sacerdócio real, a casa de Deus, o corpo de Cristo são o mesmo povo da fé, porém considerando sob um aspecto diferente em casa um destes nomes e também em seu nome: “O Israel de Deus”.

É glorioso haver esta doutrina do “Israel de Deus”. Produziu ela, inúmeras vezes, a mais cublime união de espíritos que estavam, outrora, divorciados pelos ódios da raça. Não sómente é um lar hospitaleiro para o espírito, onde judeu e gentio se tornam um novo homem, mas o é também par o crente católico ou protestante ou batista ou ortodoxo ou de qualquer outro nome. Estes são membros, individualmente, do Israel de Deus, não por ser católico ou acatólico, mas a despeito de seus erros de doutrina e prática. É a realização, no íntimo, da comunhão cristã e da súplica de Jesus na véspera de sua paixão: “a fim de que todos sejam um”, numa unidade comparável à da Trindade, João 17:21. A Trindade não é uma em virtude de um sacramento praticado por Pai, Filho e Espírito, nem por um credo, que os três rezam, nem por uma hierarquia, nem por um sistema eclesiástico, nem pela autoridade exterior de um super-estado. O Pai e o Filho são um, em sua natureza essencial, e na santa comunhão e gôzo. Assim são um, em uma unidade eterna, real e sublime, todos os redimidos. Todos têm a vida eterna pela fé, foram feitos participantes da natureza divina, II Ped. 1:4. São o Israel de Deus, a igreja dos primogênitos e um dia se congregarão na Nova Jerusalém no gôzo da herança celeste.

As versões e os problemas de tradução

(Principalmente para exegetas e futuros tradutores)

A religião cristã está na aurora de uma atividade literária no Brasil. Apareceram as traduções do Novo Testamento pelos Franciscanos e dr. José Basílio Pereira em 1912, na Banhia, a de D. Fr. Joaquim de Nossa Senhoria de Nazaré em 1935, em São Paulo, e a do dr. Humberto Rohden em 1936, sendo esta a primeira de autoria católica que visa reproduzir em português o sentido do texto grego. As Bíblias de Figueiredo e as Novo Testamento, de autoria católica, até 1936, tinham a fraqueza de ser traduções de uma tradução, versões da Vulgata.

A exaltação do espírito do Apóstolo torna sua linguagem abrupta, enérgica e, às vezes, lacunar. Traduzi-la é quase um feito de alpinista que passa por saltos de um a outro penhasco.

Em Gál. 2:6-10, por exemplo, há uma só sentença, na Versão Brasileira, que aliás segue a pontuação (?) começou declarações sem terminá-la e introduziu parênteses complicados.

Nas versões no vernáculo até agora dadas ao lume notamos as seguintes infelicidades ou inexatidões principais:

A VERSAO ROHDEN

(I) Principiamos com a mais nova, a tradução do texto grego pelo ex-padre dr. Humberto Rohden. O leitor só pode aproveitar bem, lendo o comentário com o Novo Testamento Rohden na mão.

O primeiro tradutor católico de Novo Testamento Grego sente grande liberdade em verter o original. Acrescenta e omite palavras e idéias do original. Faremos um estudo detalhado de sua versão. “Paulo, constituído apóstolo”, v. 1. O acréscimo “constituído”, limita à fase inicial da carreira apostólica o divino apoio que Paulo quis associar a tudo quanto se relacionasse com a sua experiência e ministério apostólico. “Em companhia de todos os irmãos” esconde a limitação da linguagem aos colegas de Paulo e muda a relação da frase à sentença. É acréscimo “Vos sejam dadas”, v. 3, e “se imolou”, v. 4, é uma tradução ousada do verbo deu. A preposição grega ajuda a idéia de expiação mas não permite substituir o verbo imolar em lugar de dar.

É inexata a tradução chamou à graça. A graça envolvia os gálatas na chamada, não foi um alvo adiante deles. Chamou na graça. “Quando não há outro”, de Rohden, substitui “o que não é outro” (igual), de Paulo, e perde o valor do contraste propositado entre as duas palavras gregas “outro”. “Pregasse”, v. 8, não representa a qualidade da sentença condicional de Paulo, que é futura ou geral – “Se nós ou um anjo pregar”. Também no v. 9, erra o verbo, que é: “se alguém vos está pregando outro evangelho”, ou “costuma pregar”, não “se alguém vos anunciar”. A referência é aos fatos, à realidade na Galáxia, não a uma hipótese vaga. “Asseguro-vos”, 1:11, deve ser “Declaro-vos”, ou “vos faço conhecer”. “O Evangelho não é obra de homens”, 1:11. Homem é singular e obra não é tradução de substantivo algum no original. É um esforço para verter uma preposição com a palavra obra. No v. 12 o eu enfático é omitido; e a conjunção, parte da força do negativo e a voz e a significação do verbo são mudadas para coisa parecida, e uma frase é mudado completamente em sentença, sem violar seriamente o sentido. No v. 13 vemos a omissão da conjunção, a mudança do tempo passado para o presente e do verbo ouvistes” para “conheceis”, e o substantivo conversação ou conduta para “a vida que eu levava”. Seria difícil tomar mais liberdade com um versículo.

O v. 14 nos da, na linguagem do ex-padre Rohden: “de idade do”. Esta monotonia é desnecessária, porque o grego tem “no”, não “do”, e dá sentido melhor dizendo “mesma idade”. O v. 15 muda a declaração “mas quando aprouve” para “aprouve então”, assim corta em duas uma longa sentença grega.

“Carne e sangue”, trocando a conjunção e acrescentando os artigos definidos.

O v. 17 inocentemente acrescenta ter com. O v. 19, Tiago, em grego é “o (bem conhecido) irmão do Senhor”. Não veja vantagem em diluir isto para “Tiago, irmão do Senhor”. O v. 20 omite e muda, sem alterar seriamente o sentido. O v. 22 acrescenta outro caso do emprego da palavra cristão ao seu limitadíssimo uso no N. T., e sem razão, pois Paulo expressa muito mais pela frase “as igrejas da Judéia que estavam em Cristo” do que o dr. Rohden expressa com a pálida paráfrase: “as igrejas cristãs”. Perde-se algo de linda doutrina e introduz e magnífica uma palavra que a Bíblia não salienta.

Capítulo 2 verso 1 omite a palavra que liga esta sentença com a outra. Estas referências foram amadas pela mente lógica de Paulo e são um elemento de estilo. Não sei por que o novo tradutor insiste em omiti-las tantas vezes. Que diminuísse o número, quando há várias na mesma sentença grega e difíceis de tradução exata, ao bem do estilo em português, vá lá. Mas a omissão de elos do pensamento é incompreensível.

O V. 2. O espírito tendencioso aparece pela primeira vez na versão quando se traduz “mormente aos que gozavam de autoridade”. O título dado pelo tradutor ao parágrafo é: “Aprovação do evangelho paulino pelos apóstolos”. Nem diz: pelos outros apóstolos. Sem dúvida o ilustre tradutor sabe que Paulo nem disse isto nem o teria dito neste contexto por consideração alguma. Aqui se faz grave injustiça a Paulo. Ele não foi “mormente”, mas “particularmente”, “à parte aos que pareciam”, que pode ser traduzido “aos que eram de nomeada”, mas dificilmente pode ser torcido a significar “mormente aos que gozavam de autoridade”. Para conseguir ler isto numa epístola tão contrária às pretensões papalinas, o ilustre romanista introduziu-o na tradução sem que existisse no texto original. O v. 2. A representação de que o apóstolo temia haver “andado à toa” é um tanto frívola e não é fiel ao grego.

O v. 4 muda completamente a construção para dar com facilidade a idéia, plano viável em passos complicados, usado, porém, demais pelo padre Rohden.

O v. 5 muda a construção, traduz hora por momento e “a verdade do Evangelho” fica “a pureza do Evangelho”. Não haverá propósito nesse plano? O interprete católico vai insistir em que não havia ponto de doutrina na questão sobre uma fase da qual Paulo chegou mais tarde a repreender a Pedro. Logo, omitamos bem no princípio a palavra “verdade” e introduzamos “pureza”, para justificar a asserção que se irá fazer, de que o erro de Pedro estava no terreno de disciplina e não de doutrina, de “pureza” do Evangelho e não da verdade fundamental. Qual a razão para não seguir ao grego, como, aliás, o próprio padre o verteu fielmente, dizendo para o seu louvor, em outro trecho adiante?

De novo vemos introduzida a idéia de “autoridade” dos três sobre Paulo, precisamente o que a epístola nega, e o que motivou sua produção. E onde Paulo diz que os três não lhe acrescentavam nada, o advogado zeloso de Roma acrescenta de soslaio uma palavra traiçoeira contra Paulo. Sua versão é: “Os que tinham autoridade a nada mais me obrigaram”, como se já o tivessem obrigado a alguma coisa mas não acrescentaram outra imposição autoritária. A frase é dúbia quando deve se clara, pois trata-se da essência da epístola. É má obra traduzir tendenciosamente, com sentido ambíguo, possível de contradizer a evidente idéia do autor inspirado. O v. 7 tem o mesmo descuido, a mesma prontidão de dar uma idéia qualquer parecida com a do original. O verbo confiava está num tempo errado e o que é declarado ser confiado é o evangelho, não “a evangelização”, e o mesmo evangelho confiado a Paulo por ser herança da incircuncisão, o mudo gentio, e a Pedro como possesão do mundo judaico. É inteiro descuido traduzir “a Pedro tocavam os circuncisos”.

No v. 9 o grego é mais forte que “deram-nos as mãos fraternalmente”. Foi a mão direita, em solene pacto de sociedade numa tarefa comum. De novo vemos o tradutor, pelo título do parágrafo, impor idéia radicalmente contrária ao que o apóstolo escreveu. Que audácia foi dar o título: “Autorização por parte de Pedro”, a um passo cujas primeiras palavras são: “Tendo Cefas chegado a Antioquia, repreendi-o publicamente porque era culpado!” Bela autorização! Ser culpado e repreendido é dar autorização a quem o repreendeu, hein? Isto é escravidão eclesiástica, diante das arbitrariedades da Comissão Bíblica do Vaticano que obriga o tradutor católico a dizer diametralmente o contrário do que significa a linguagem empregada na epístola. O que lemos é, na realidade, a desautorização formal e pública de Pedro por Paulo, no tocante à sua incoerência, de pendor anti-evangélico, em Antioquia.

Verso 12. É tolice falar de Pedro “comer com os pagãos”. Isto não foi a questão. Os crentes gentios, batizados e dentro da igreja, certamente não eram pagãos!

“Os da circuncidados”, no original, significa mais do que “os da circuncidados” na tradução, pois indica serem partidários da posição judaizante, do judaísmo fabricante de prosélitos.

Verso 13. O tradutor verte com inteira independência do original. Oxalá mostrasse tanta independência dos eclesiásticos quanto demonstra em relação à Palavra de Deus! Como pode o autor ler as palavras de Paulo: “Se procurasse agradar aos homens, não seria servo de Cristo”, sem as faces lhe arderem? A verdade é menos pungente, tratando-se de agradar a uns clérigos do vaticano em plena deslealdade contra a Palavra de Deus?

No v. 14 o tradutor substitui Pedro onde devia escrever Cefas. Qual a razão? Verso 15. O tradutor abandona as aspas do discurso proferido a Pedro e faz Paulo dizer a uma porção de leitores gentios: “Nós somos judeus…” Pode haver uma coisa mais improvável? Ele faz isto para salvar os ouvidos de Pedro – ou dos católicos na sua indevida exaltação de Pedro – de escutar palavras duras, porém necessárias, rompe a continuação natural da cita e abre novo parágrafo para matar a impressão deixada pela linguagem veraz do apóstolo aos gentios. Vejam-se as notas. No verso 16 ele despreza o significado do artigo grego. Ninguém é justificado por obras de espécie alguma, obras de nenhuma lei, seja qual for – lei levítica, lei canônica, lei cerimonial, tradições dos homens quer do sinédrio judaico, quer dos concílios eclesiásticos da Igreja Católica. Todo o regime de lei é afastado do caminho de salvação. O grego indica isto, mas o padre não é fiel ao que devia traduzir. No verso 17 a pergunta retórica de Paulo toma forma errada na tradução, pois a partícula grega impõe, na própria pergunta, uma forma de linguagem que indique, antes de declarar a resposta, que esta havia de ser negativa. Questão de estilo, mas o estilo de Paulo revela imediatamente seu horror ao pensamento considerado, e o estilo do tradutor o esconde. No verso 18 Paulo é bem definido, usando um pronome demonstrativo, na sentença que o dr. Rohden verte como adágio. E “prevaricador” é fraco. Transgressor é o que Paulo disse, e é que Pedro se tornou. No verso 19 se despreza uma conjunção, a ausência do artigo grego e o tempo grego do último verbo.

No verso 19 não é exato dizer: “Com Cristo estou cravado na cruz.” Cristo não está cravado em nenhuma cruz. Paulo disse: “Tenho sido crucificado com Cristo.” Não é nenhum ascetismo perpétuo. Foi um ato histórico, no passado, com que Paulo se identificou, e os efeitos permanecem na atualidade. Este é o sentido do perfeito, e não se expressa por um simples presente, senão em raros casos de frases idiomáticas. Verso 21. Por que o tradutor não usou aqui imolou? Não se acha no original, é verdade, nem se deve usar na tradução, mas o verbo aqui é mais forte do que aquele de 1:4 que ele traduziu: imolou. Verso 21. “Não falo em desabono da graça”, é fraco. A falta indiretamente a Pedro foi a de anular, frustrar, encostar, rejeitar, em efeito, a graça de Deus na hipocrisia praticada em Antioquia. A tradução do padre Rohden dilui a ofensa e a afasta de Pedro, escondendo a idéia que Paulo tornou claríssima e enfática. Também, pelo uso indevido do artigo, torna definida e limitada a lei de Moisés a referência apostólica, quando não tem artigo a palavra “lei” e a doutrina se aplica a todo o legalismo, seja qual for a lei. Capítulo 3:1. É inexato traduzir por “quando” um pronome relativo que significa “aos quais”. Os gálatas não ficaram fascinados pelo erro quando Cristo foi “pintado aos olhos” crucificado, mas sim muito mais tarde quando o movimento judaizante ia entrando nas igrejas. No verso 2 é introduzido o romanismo pela tradução: “Recebeste o Espírito… pela submissão à fé?” A idéia romanista é que a fé consiste em opiniões – idéias doutrinárias que estejam em submissão cega aos dogmas proclamados pelos concílios eclesiásticos. O padre tradutor aqui reduz a atitude salvadora à submissão à fé, frase ambígua que, para seus fiéis, se presta para apoiar o sistema romanista de salvação pelas obras, sacramentos, penitência, etc. ora, é precisamente esta idéia que Paulo quis repudiar, e a tradução tendenciosa impõe sobre sua própria linguagem um conceito que lhe era abominável. Paulo Poe em contraste obras (quaisquer) de lei, (seja qual for), - como meio de obter o Espírito da graça –, e um ouvir de fé. O Espírito foi recebido pelos gálatas ao ouvirem o Evangelho e ao crerem no Salvador Jesus. Assim foi quando foi salvo Cornélio, o primeiro converso gentio. “Enquanto Pedro falava, veio o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra.” E o Espírito sempre vem assim, no momento de ser aceita a palavra sobre Cristo, em atitude de fé salvadora. Certamente, ouvir pode significar obedecer, em certos contextos. Mas é para combater a idéia de justificação pela obediência que foram escritas a Epístola aos Gálatas e as demais desta controvérsia, especialmente a aos Romanos. É traiçoeiro, pois, introduzir na tradução precisamente a idéia que Paulo combatia no original.

Paulo não está inventando uma lei canônica, ou de credos fortificados com anátemas, decálogo de dogmas eclesiásticos, uma submissão cega a um crença imposta pelo clero. Esta afastando precisamente tudo isto. É no momento de atenção ao Evangelho de Cristo, quando nasce a fé, unindo-se com o ouvir, Heb. 4:2; que então o Espírito divino é dado ao homem crente, na regeneração, na justificação, e na santificação, João 1:12, 13; Rom. 3:28; Atos 26:18. O preclaro vigário de Petrópolis conseguiu obscurecer tudo isto na sua versão através deste parágrafo inteiro. É erro de soberba humana escrever “espírito” com minúsculo. A salvação não começa pela iniciativa do espírito humano mas sim pelo Espírito de Deus. Discutimos isto adiante onde a mesma afensa é freqüente.

A declaração: “Justamente como Abraão creu a Deus e foi-lhe imputado por justiça”, v. 6, é adicionado, no mesmo parágrafo, no original, a fim estabelecer uma analogia entre nós, que recebemos o Espírito pelo ouvir da fé, e Abraão, que recebeu a justiça pelo ouvir da fé. Deus falou, Abraão ouvir e creu e isto lhe foi imputado por justiça. Mas a palavra de analogia: justamente como”, o padre traduz: “É o caso de Abraão.” Então ele tira a sentença do seu parágrafo onde está o zênite da argumentação e a transfere para o parágrafo seguinte. Um tradutor tem assim muitos recursos para impor sua idéia, ou matar a idéia bíblica, por uma tradução tendenciosa e um arranjo de pontuação e parágrafos que resulte na confusão daquilo no original é bem claro.

No verso 10 os dois verbos do original são verbo grego ser, mas a tradução Rohden os verte se guiam e estão sujeitos. Não é ruim, mas toma sempre liberdade, e estas liberdades presunçosas, às vezes, se tornam ruins. A citação é engenhosamente encurtada, também. No verso 11 vemos um esforço de dar ao tempo futuro o valor de um aoristo incoativo: “O justo alcança a vida pela fé.” Mas a Escritura considera a vida inteira do justo, não apenas alcançada pela fé, mas vivida pela fé desde o princípio ao fim, como toda a história do cap. 11 da Epístola aos Hebreus mostra – alcançaram pela fé sua vida e pela fé operaram suas proezas que os tornaram eminentes entre o povo de Deus e pela fé morreram. Se o padre soubesse usar este aoristo incoativo em outros verbos onde cabe, seria bom; não, porém, neste verbo de um tempo futuro linear. O ponto aqui é precisamente sobre a coerência de começar pela fé e continuar pela fé, não mudar da fé inicial para um regime de obras a fim de gozar o Espírito. A mesma falta volta na tradução: “Quem observar estes preceitos alcançará por eles a vida”. Verso 12. Não é só começo mais sim a continuação, pela vida inteira, que depende de observar mandamentos, num regime legalista. O v. 13 omite “todo” e enfraquece o verbo remiu, para “livrou”. Não é grande coisa, mas o acúmulo destas pequenas faltas é como uma fenda numa represa. Acaba num desastre. O verso 14 remove a idéia de propósito em nossa maldição assumida por Cristo. Foi “para que recebêssemos pela fé o Espírito prometido”. A cláusula final desaparece na tradução, e em sue lugar lemos, em outro parágrafo a seguir: “Assim é que”. E há outras modificações arbitrárias na estrutura da sentença. Esta vez é claro que o Espírito é recebido pela fé. Por que não remover a confusão no parágrafo anterior? O verso 15 introduz uma concepção perturbadora: “Ninguém declara nula nem acrescenta clausula ao testamento duma pessoa exarado na forma de lei.” Não há palavra que possa sugerir lei. O Evangelho não é outra lei, e digamos a verdade enfaticamente. A referência é à aliança da graça. E esta não é testamento, pois Deus não morreu; logo é um contrato entre o Deus vivo e a semente de Abraão. É um contrato cuja natureza é a de uma promessa, unilateral; e seria a perda de todo o sentido deixá-la degenerar em outra “lei”. Aí mesmo é o caminho da degenerescência do romanismo. Mesmo que a palavra “lei” entre casualmente na tradução, como cremos, é uma infelicidade aqui. O verso 22 diz: “Para que a promessa fosse dada aos crentes, proveniente de sua fé em Jesus Cristo”, mas a sentença ficou arbitrariamente invertida, na tradução: “para que os crentes participassem da promessa mediante a fé em Jesus Cristo”. Há esta mania de mudar, em toda a versão que estamos examinando. O verso 23 reza: “estávamos obrigados a guardar a lei porque a fé ainda estava por ser revelada”. Devia ser: “estávamos conservados debaixo da guarda da lei; encerrados para fé vindoura, prestes a ser revelada.” A figura é da lei como escravo, guardando o menor, para seu destino maduro, a fé sendo a próxima maioridade. A época histórica da lei, concebida como pedagogo, guardando e levando os judeus para o Evangelho, é uma idéia bem diferente da tradução: “estávamos obrigados a guardar a lei.” A lei é a guarda, no velho regime, o escravo-tutor. Passou esta fase de revelação parentética, “vindo a fé”, isto é, o regime de fé, a era de revelação parentética, “vindo a fé”, isto é, o regime de fé, a era de revelação cuja nota saliente é a fé – o cristianismo puro.

Não se há esconderijo propositado na tradução do verso 26. “Graças à fé em Jesus Cristo, todos vós sois filhos de Deus. Sim, todos os que fostes batizados em Cristo vos revestistes do Cristo.” O que o padre entende por isto é claro, pois na mesma página, numa de suas notas, diz: “é o batismo que nos faz todos iguais, filhos de mesmo Deus.” Isto é paganismo sacramentário, puro paganismo batizado (?). O que Paulo declara categoricamente é: “Todos vós sois filhos de Deus mediante a fé”. “A inversão das partes da sentença principiando com graças à fé”. Como dizem tantos e tão frivolamente, “graças a Deus…”, desorienta o leitor. Não se pode esconder a idéia da preposição usada pelo apostolo. Significa que a fé, não o batismo, é o meio da regeneração. A criança somente se reveste depois de nascer: o batismo vem depois da regeneração, quando o batizando confessa a Cristo e professa a sua fé, sempre a condição imprescindível de ser batizado. A versão do padre engenhosamente escondeu o meio da regeneração, que, nas notas, seria pagamento atribuída ao ato físico de um batismo infantil inconsciente. Subterfúgio indigno, visando esconder a verdade evangélica pela superstição sacramentalista do batismo infantil.

O último versículo do capítulo omite, na tradução, o enfático vocábulo VÓS. Vós, (os crentes gentios da Galáxia), se sois de Cristo, então de Abraão sois somente, herdeiros segundo a norma da promessa, e não: “E, se sois de Cristo, como descendentes de Abraão, também sois herdeiros segundo a promessa”, linguagem que confunde totalmente a idéia da sentença, pois poderia referir-se aos judeus. Mas o vós enfático indica os gentios gálatas.

Capítulo 4. Os verbos no verso 9 passam a tempos e modos que não representam o original.

O tradutor faz do v. 10 uma pergunta: “que ligueis importância a dias, meses, festividades e anos?” Nenhum bom texto grego adota esta pontuação. Foi feito para enfraquecer o claro pensamento de Paulo de que é perda de tempo um cristianismo ritualista?

Verso 12. O ponto da exortação apostólica é o tempo do verbo, presente linear. “Continuai a estar como eu,” ou “Sempre me imitai (nas coisas fundamentais), pois eu sempre estou como vós”, ou “sempre vos acompanho (nas coisas secundárias): suplico-vos”. A versão Rohden não satisfaz – “Rogo-vos, meus irmãos, que vos torneis iguais a mim; pois que eu também me torno igual a vós.”

O v. 13 erra em omitir a conjunção, no arranjo frouxo da sentença e ao traduzir a frase grega, a primeira vez: “da primeira vez” e ao terminar a sentença com estas palavras: “e que grande provação vos exigiu o meu estado físico”. No original não existem as palavras “que”, “grande”, “exigiu” – uma paráfrase inepta, não uma tradução. Ora, o v. 14, no grego, principia com esta frase “a tentação” (provação), objeto direto dos verbos do mesmo versículo. O dr. Rohden isolou o objeto e inventou um verbo e rematou a sentença. Então, em lugar do objeto real, inventa dois objetos diretos dos verbos da sentença arbitrariamente introduzida. É inépcia, ou foi sono que se apoderou do tradutor e de seus revisores, todos, nesta altura? O v. 14 também traduz a palavra anjo: “mensageiro”. Às vezes significa “mensageiro”, mas não aqui. O v. 15 inverte a relação do verbo principal e o particípio, dando contudo a idéia louvávelmente. O v. 16 tem um tempo perfeito grego, difícil de traduzir idiomaticamente. O padre não teve êxito. O v. 17 na primeira parte tem um acréscimo, como que tirando do ar a referência ou o sujeito escondido do verbo, de modo a dar a idéia e esclarecer a quem ela se aplicava. Tais surtos de gênio se revelam frequentemente neste tradutor, sendo viva e correta a impressão deixada, se bem que não seja tradução em sentido algum.

O v. 19 rudemente quebra em duas uma sentença que o grego tem doce harmonia e unidade. O v. 21 acrescenta, por hábito, um verbo supérfluo. No v. 23 o verbo no tempo perfeito dá a idéia de que a distinção entre o nascimento de Ismael e o de Isaque se fez e permanece até agora. É o ponto da alegoria. Mas é dificílimo transmiti-lo sem uma paráfrase e o gênio do dr. Rohden não logrou êxito simplesmente com “nascera”. Também a promessa é concebida como meio da geração sobrenatural, idéia igualmente essencial à alegoria, mas ausente da versão Rohden.

No v. 24, não há razão para dizer: “os dois testamentos”. São “duas alianças”, e visto que há diversas alianças na história bíblica, é inexato, e contrário ao grego (que está sem artigo), verter “os dois”. Inverteu-se a construção da sentença. Conservando-se a palavra “aliança”, é feminina, como Agar, e naturalmente se traduzira; “dá a luz filhos”. Mas o padre-mestre tradutor verte “testamento” o usa o verbo “gera”, como de um pai. As alianças evangélicas e legalista são “mães” de seus adeptos, idéias desagradável ao clero, que ambiciona constituir seu eclesiasticismo como a mãe – “a santa madre igreja”! É uma das invencionices de Roma.

No v. 27 o contraste dos tempos é propositadamente forte, mas se perde na tradução. O artigo é omitido sem razão antes de “marido”. A aliança espiritual, a Jerusalém celeste, tem “o mando”, com quem a Jerusalém carnal se considerava casada e a única esposa. No v. 28, o dr. Rohden tem “nós”, onde o texto Nestlé (mas não o de Westcott e Hort) tem vós. Este é mais claro, pois se aplica exclusivamente aos gálatas crentes, enquanto “nós” poderia ser ambígua referência a Paulo e os judeus. Preposição usada com Isaque ergue uma norma ou padrão. E é segundo a norma de Isaque, a norma de um nascimento sobrenatural por meio da promessa, que somos os filhos da promessa. “promessa” é enfática, no original, mas não há nenhum esforço para mostrar estas coisas, na tradução.

O v. 29 é bem defeituoso ao falar de “nascer do espírito”. O texto Nestlé tem até maiúscula no grego – nascemos “do Espírito.” O v. 31 tem o artigo definido a respeito da aliança que é a nossa mãe, mas omite o artigo no contraste. Não é de mulher escrava – de aliança legalista alguma – que nós somos filhos. O padre Rohden verteu o substantivo sem o artigo da mesma maneira que o definido.

CAPÍTULO 5. Em 5:1, “levou” é fraco e inexato, e “para liberdade” é bem enfática no grego, mas desaparece na tradução que estudamos. O v. 3 transtorna a estrutura da sentença, que é mais clara no original do que na tradução. “A lei inteira”, diz o original.

O v. 4 é uma declaração geral sobre a classe judaizante e suas vítimas. “aqueles entre vós que estão no processo de se justificar no terreno de lei”, ou “Quantos de vós estão vos justificando na esfera de lei”, “ficaram desligados de Cristo, decaíram da graça.” A versão Rohden transforma a sentença em condição, acrescenta artigo à palavra lei, acrescenta a idéia incoativa ao presente linear, verte um tempo passado como presente, e deu significado perder ao verbo decair. Haverá propósito dogmático nesta tradução? A versão de D. Fr. Joaquim é muito melhor: “Estais já separados de Cristo, os que vos justificais pela lei: decaístes da graça.”

O v. 5 é apenas uma declaração do tradutor, não traduz a sentença de Paulo. O apóstolo afirmou: “Porque nós (enfático) pelo Espírito estamos avidamente aguardando uma esperança de justiça procedendo de fé”, ou “a justiça anelada”. Esta declaração tão viva, superlativa, calorosa fica traduzida friamente: “pois é pelo espírito e em virtude da fé que aguardamos a desejada justificação”. Por esta manobra, o advogado de dogmas romanistas (1) adia a justificação para o futuro – depois das chamas do purgatório, talvez –; (2) perde de vista o Espírito e deixa a luta se travar no impotente espírito humano; (3) ignora o contraste forte do “nós” enfático – nós, Paulo e os verdadeiros crentes, versus os “falsos irmãos” que estão na senda de justificação por obras legalistas, (4) dizendo “a fé” talvez pense em dogmas, (5) outrossim, esconde o real propósito de Paulo que é a justiça de Deus em todos os seus aspectos judiciais e práticos. Jesus disse: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.” Paulo manifesta esta fome e sede aqui, não da experiência passada de justificação mas da realização do alvo justo na vida. Pelo Espírito, e procedendo da fonte de fé, é que o crente realiza a promessa de Jesus e se torna progressivamente justo. Meu Dicionário grego define esta palavra: “retidão, justiça, integridade, ‘vida correta em pensar, sentir e agir’ (Thayer)”. O crente foi justificado quando creu, e como cavalo cujo pescoço fica estendido na carreira em direção à meta, “Nós (evangélicos) àvidamente aguardamos o fruto do Espírito, o rio caudaloso que mana da nascente de fé, no sentido de uma vida justa.” O romanismo impossibilita o tradutor de ver isto ou de querer transmitir a idéia apostólica aos leitores. É mania do autor rebaixar para a esfera do espírito humano o que Paulo atribui ao Espírito de Deus. Não há desculpa. O próprio texto Nestlé usa maiúscula no grego.

O v. 6 fala de “a fé que opera pela caridade”. O primeiro fruto do Espírito é muito mais do que a pálida virtude de caridade, tão degenerada no pensamento católico-espírita hoje em dia.

O v. 10 perde o forte “eu”, na tradução. A despeito da tendência do fermento para alastra-se, EU, Paulo, me oponho a essa tendência e serenamente deposito e confirmo minha confiança com referência a vós, em união com Cristo, que não tereis como hábito de pensamento ‘nada outro’, nada diferente – “nada além”. Quão inadequada a mera declaração: “Confio que nunca mais mudeis de sentimento.” Mas quem é que não muda? Haviam de se petrificar? Não é certo traduzir: “aquele que vos perturbou será castigado”; mas sim “aquele que vos está perturbando (pres. Linear), carregará com sua condenação” ou “seu juízo”. O v. 11 muda a idéia da sentença condicional, perde o eu enfático, e pergunta: “ainda me veria perseguido?” quando o que Paulo realmente perguntou é: “por que ainda estou sendo perseguido?” Tradução e original bem diferentes. O v. 12 “Oxalá se exterminassem de vez” é inexato. Vede o Texto.

O v. 13 acrescenta “meus” e omite o “vós” enfático de Paulo. “Não considereis a liberdade como carta branca para os prazeres carnais” é um dos surtos de gênio do padre Rohden que tornam sua tradução um deleite em certos trechos, a despeito de seus graves erros, em outros. Todavia, não são “prazeres carnais” que se contemplam aqui, mas uma religião carnal, o cerimonialismo, o partidarismo, a superstição, como se vê nas obras da carne mencionadas a seguir. A carnal idade impera em muitos terrenos além de prazeres.

O v. 14 perde a força do tempo, também. “Servi continuamente uns aos outros por meio do amor” – não “caridade (espiritual)”. O v. 14. “A lei inteira” diz o grego, “conserva-se realizada, na sentença: Amarás…” Se o clero consente traduzir o mandamento: “amarás” por que não traduz também o que se mandou: amor?Mandando amar, Deus não exigiu o amor? Para que esconder sua vontade? Não podemos ceder à catnalidade a palavra que encerra a essência da moral. Toda a lei não se conserva realizada numa fraca e pálida caridade católica ou espírita – Deis exige nosso amor, em toda a sua intensidade para si, para nosso próximo, para sua vontade, e é traição à revelação divina assumir uma atitude de falsa modéstia, fictício pudor clerical, e repudiar a maior palavra ética do vocabulário bíblico. Se existe na palavra amor qualquer sugestão carnal, é devido ao clero celibatário e suas vítimas, indevidamente orientadas para reservar seu amor para a carne e dar a Deus apenas uma fria “caridade”. É indispensável redimir nossa geração e suas Bíblias desse nervosismo clerical que nas suas versões manda amar, sem admitir o amor a Deus e ao próximo.

O v. 15 tem no original forte contraste de tempos: “Continuando a morder e devorar – eis que de vez fostes mutuamente aniquilados!”

O v. 16 de novo recua do poder do Espírito divino para a impotência do espírito humano. A palavra espírito se encontra nesta epístola 18 vezes, e a referência é ao Espírito de Cristo 16 vezes. Mas o padre Rohden é de um sistema legalista que enaltece o espírito humano como capaz de boas obras e até de mérito superior. Logo ele desonra a terceira pessoa da Trindade, a cada passo tirando-lhe seus atributos e os doando ao espírito humano. No testo grego Nestlé, que ele declara traduzir, há maiúsculas em todas estas passagens. A mudança para letra minúscula é tendenciosa, dogmática, sectária, mas se verifica na versão Rohden em 3:3; 4:29; 5:5, 16, 17, 18, 22 25; 6:8. Será a mão negra italiana de tal Comissão Bíblica? É um prejuízo à moral, à verdade e à espiritualidade eliminar assim nove vezes o Espírito de Deus de sua devida graça, soberania e operosidade na vida cristã, entronizando o espírito humano no lugar usurpado. Paulo, com forte ênfase, disse: “Eu, porém, (em contraste com essa “carta branca” dada à carne) afirmo: No Espírito é que deveis perpetuamente dirigir a vossa vida (pres. linear) e absolutamente não (fortíssimo negativo) consumareis o ardente desejo da carne.” Grande promessa e sublime segredo de poder moral, obscurecido pela incredulidade de tradutores céticos clericais! No v. 17 – “A carne (os restos de nossa natureza não regenerada e santificada) luta contra o Espírito” – não contra o espírito, padre enganado! O espírito humano em suas fraquezas faz parte da “carne”, no sentido paulino do vocábulo, pois lemos da “mente da carne”, Rom. 8:7. Col. 2:18; e da “vontade da carne”, João 1:13. Logo “a carne”, nesta figura apostólica, não é mera matéria. Tendo “vontade”, “mente”, e “intenso desejo”, tem os atributos do espírito humano, indevidamente depravados por nosso estado decaído. A carne é “o jovem Melancthon que era fraco demais” para enfrentar, sem o Espírito, “o que era fraco demais” para enfrentar, sem o Espírito, “o velho Adão”. O v. 17 adiciona, na versão Rohden, “tudo” ao texto. Paulo disse que esta luta interna tinha da parte dos combatentes o propósito para que “não possais praticar continuamente (pres. linear) estas coisas que viveis anelando (pres. linear)”. Aniquilam-se mutuamente na vida dividida entre os impulsos da carne e do Espírito. Ficou isso friamente reduzido à admissão hesitante: “De maneira que não podeis fazer tudo quanto quereríeis”. O v. 18 diz na Versão Rohden: “Se vos guiardes pelo espírito, já não estais sujeitos à lei.” Mas por que não? Uma lei – seja qual for – só fala à parte material, física, de nossa personalidade? Não fala diretamente ao espírito humano? O que Paulo afirmou foi que a direção eficaz do Espírito veio substituir e rematar caducos regimes de lei como diretora da vida humana. A palavra deve ser Espírito, não espírito, e lei não deve ter artigo.

O v. 19 omite no texto principal uma das obras da carne e cita no texto alternativo da Vulgata mais uma do que Paulo menciona. O apóstolo enumera quinze. O padre Rohden dá quatorze ou dezesseis (Duas em parênteses). A tradução poderia ser melhor. No v. 21 Paulo não diz apenas “repito”, aliás não diz isto de forma alguma. Sua declaração foi: “Digo de antemão o que já vos preveni.” É essencial à idéia paulina o sentido linear do tempo presente do verbo: “Os que continuamente cometem, vivem cometendo, tais coisas, não herdarão o reino de Deus.”

No v. 22 Paulo enumera nove frutos do Espírito; o padre, porém, menciona doze (nos parênteses que revelam o texto da Vulgata) e traduz “caridade” em lugar de “amor”, alegria em lugar de gozo, paciência em lugar de longanimidade, fé em lugar de fidelidade, e continência em lugar da mais ampla graça de temperança ou domínio próprio.

Verso 23. “Contra as tais coisas”, não “contra estas”, não há lei. Ou talvez seja “contra os tais”, os que têm este fruto na vida.

No verso 24, em lugar de “Os que são de Cristo crucificaram a sua carne com as paixões e concupiscências” seria mais exato e claro traduzir: “os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões, etc.”

O V. 25 de novo deposita no “espírito” toda a confiança que Paulo vota ao Espírito. Cegueira que pasma! Também, não é que “recebemos a vida”, mas “vivemos” (linearmente) – todo o curso da vida cristã é no espírito.

No v. 26 Paulo diz: “Não nos tornemos (continuamente) vangloriosos, (constantemente) provocando e invejando uns aos outros.” Ficou apenas: “não cobicemos a glória vã”, seguido por verbos independentes.

CAPÍTOLO 6:1. “Meus irmãos”. Não é uma sentença. Omite-se o advérbio significativo: “mesmo se um homem for surpreendido num delito”. Corta a sentença no meio, enfraquecendo a idéia, por respeitar o tempo presente linear do verbo “atendendo” ou “considerando.” “Suportai as fraquezas uns dos outros” é uma fraqueza! Paulo mandou muito mais, no v. 2: Perdeu-se na tradução quase tudo da exortação apostólica. O v. 3 não tem forma de cláusula relativa. V. 4. Obra, no original, é singular e convém ficar no singular. É a complexa obra da vida, não minúcias da prática, que deve ser meditada aqui – a tradução do resto de ordem o pessimismo mostrado no v. 5: “cada um tem fardo bastante com as suas próprias misérias.” Não há vislumbre desta idéia no grego.

Paulo não manda “repartir de todos os seus bens” – boa cobiça clerical para aumentar o patrimônio da santa madre igreja, v. 6. Mandou que o ensinado constantemente faça sócio, co-participante consigo, o seu pastor e mestre, em todas as coisas boas. V. 8. De novo, o espírito expulsa o Espírito de seu devido lugar na vida cristã. Ninguém colhe a vida eterna, de seu próprio espírito Heresia fundamental e fatal aí, padre-mestre!

O v. 9 despreza os verbos do original.

O v. 10 tem 17 palavras no original e apenas 10 na tradução. O eminente vigário-literato cansou tão perto do fim da jornada? Omitiu quase a metade da sentença, mas achou ensejo de acrescentar ao original mutilado a palavra “irmãos”, em lugar de “domésticos” da fé.

O v. 11, outra vez, mostra o padre em seu estilo melhor. No v. 14 o dr. Rohden traduz: “por quem o mundo está crucificado para mim, etc.” Pode ser. As versões católicas em todas as línguas seguem a Vulgata e traduzem assim. Os evangélicos variam entre “por quem” e “pela qual”. Vede as notas.

Verso 15. “Nada vale o incircunciso”, é sentimento alheio ao pensamento de Paulo. Vale muito, embora sua negativa incircuncisão e partidária oposição ao rito são tão fúteis para alcançar mérito, quanto é o próprio rito combatido.

O v. 16, “Israel”, por favor, não “israelitas”.

Em resumo, a versão do dr. Rohden dá esta impressão: que o autor estudou a epístola no grego, assimilou a idéia geral da sentença a ser vertida, então traduziu a idéia na sua mente, sem cuidadosa fidelidade ao original, caindo naturalmente sua versão, muitas vezes, na linguagem familiar da Vulgata, e, às vezes, sendo desnaturalmente forçada nos limites estreitos e dogmáticos das exigências da Comissão Bíblica da Cúria Romana. Ele não tem liberdade de corrigir tais erros coletivos, impostos que autoridade do grupo oficial de sua grei. Muitos dos descuidos manifestados, porém, poderiam desaparecer em futuras edições e esperamos que assim seja, pois é motivo de grande alegria ver o clero brasileiro virando-se com seriedade e cultura para a Palavra de Deus.

O Novo Testamento de D. Fr. Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, revisto pelos padres da Pia Sociedade de S. Paulo e publicado em São Paulo, apenas tem 49 dos 161 erros apontados acima na Versão Rohden. Destes esmos 161 erros enumerados, a Versão Figueiredo tem 45; a Versão Franciscana 53; a Versão Almeida 42; e a Versão Brasileira, 22.

A Versão Figueiredo, que circula entre os evangélicos, porém, já não é genuína. Numa comparação entre a Bíblia Figueiredo, com publicada pelas Sociedades Bíblicas e a Versão Católica da mesma tradução, publicada em 1864 com aprovação do Arcebispo da Bahia, noto diferenças fundamentais e que acho repreensíveis. Nós temos versões evangélicas e não temos, absolutamente, direito de ir lentamente modificando a versão católica do Padre Figueiredo, usando-a depois para iludir aos católicos, sob o pretexto de que lhes estamos oferecendo uma Bíblia católica. Este processo não é ético, subtrair o que não nos agrada numa obra clássica católica, e afirmar que é Bíblia católica autêntica. É para seguir este hábito pouco sincero que muitas pessoas ainda se prejudicam, usando a péssima versão do Padre Figueiredo, uma versão que trouxe inúmeros males sobre os evangélicos no Brasil e da qual é tempo de libertar-nos. Já nos trouxe o prejuízo de tornar nosso primeiro dicionário bíblico uma monstruosidade ortográfica. O uso de semelhantes versões é deslealdade à Palavra de Deus e sua distribuição em forma truncada e mutilada; é bem perto da mesma hipocrisia que Pedro praticou em Antioquia – dissimulação para agradar os preconceitos da maioria. Somente na pequenina Epístola aos Gálatas, 6 das 1248 páginas da obra, contei as seguintes mudanças: 21 mudanças de palavras, omissão de duas palavras e de todas as análises de capítulos, o acréscimo de uma palavra, e 161 mudanças de ortografia e pontuação. O ponto mais notável, de séria mudança de idéia, é que o Padre Figueiredo em Gál. 3:3; 4:29; 5:5, 16, 17 (duas vezes), 18, 22, 25 (duas vezes) e 6:8 (duas vezes) atribuiu ao “espírito” do homem o que os seus editores evangélicos mudam arbitrariamente e atribuem ao Espírito de Deus. Evangelizam assim, fundamentalmente, a teologia do notável sacerdote de Roma. Se o padre Figueiredo ainda estivesse vivo e pudéssemos persuadi-lo a repudiar essa demasiada confiança no ‘espírito’ humano e transferir tamanha fé, do homem para o Espírito de Deus, seria louvável. Mas representar um padre como crendo o que não acreditava é uma trica abominável. Circular uma versão mutilada a fim de enganar a população católica é supor que o fim justifica os meios. Mil explicações deste estratagema de proselitismo manhoso jamais explicarão como um evangélico sequer seja capaz de aprovar semelhante processo, insincero ou ignorante. Se queremos usar Bíblias católicas com os católicos, estas existem no mercado, e é lícito comprá-las e usá-las. Mas fiquemos no terreno da elementar moral. Se há tantas modificações como notei em 6 páginas, quantas não haverá nas outras 1242 páginas da mesma Bíblia!

Não deixa de ser instrutiva a psicologia dos tradutores católico-romanos. O Novo Testamento do dr. Humberto Rohden sendo que é vertido do grego, parece que seria o mais exato e livre dos erros do romanismo. É, todavia, o mais eivado destes erros. O padre sabia que sua obra seria suspeita pelos seus colegas e superiores. Portanto, não somente obedeceu servilmente à “Comissão Pontifica DE RE BIBLICA” mas incorporou no seu esboço e nas suas notas as mais ousadas e fantásticas idéias em defesa do romanismo. Ele já era criticado em sua grei; e seu nervosismo psicológico diante do tipo tradicional de clero é compreensível e nos inspira compaixão.

Ora, os outros três tradutores católicos, embora estejam traduzindo a Vulgata, estão alerta contra criticismo, mas criticismo vindo de outra fonte. Esperavam que suas versões seriam criticadas pelas fraquezas inerentes numa versão Vulgata, tradução de uma tradução de outra tradução, pelo menos em partes do Velho Testamento desta Bíblia oficial do romanismo. Esperando estas críticas, os tradutores clericais já se preveniram contra elas, dando da Vulgata uma versão tão isenta de divergência do Novo Testamento grego quanto lhes fosse possível. Logo nem sonharam em tomar as liberdades com o linguagem de Paulo que o dr. Rohden toma, a cada passo e inconscientemente. Isto resulta numa fidelidade estudada e severa das versões franciscana e do D. Fr. Joaquim de N. S. de Nazaré, no sentido de harmonia nas versões em português com o grego, visto através da Vulgata. E os franciscanos, nas notas, informam aos seus leitores o que diz o grego, mesmo quando a Vulgata diz outra coisa no texto traduzido.

Duas atitudes psicológicas bem diferentes! Avalie o padre Rohden também que sua versão será criticada exaustivamente do ponto de vista de sua inépcia ou descuido em relação ao texto grego, se bem que somos gratos admiradores de seu gênio de tradutor, em inúmeras passagens. Assim entre a cruz da Comissão “DE RE BÍBLICA” e o caldeirão de competente criticismo de sua erudição grega, ele agirá com mais prudência e maior êxito no futuro.

Não pretendo chamar atenção aos erros de todas estas versões, tarefa ingrata e volumosa. O que já foi dito, a tradução e as notas mostrarão as principais faltas nas demais traduções no vernáculo. Quero apenas chamar atenção aos erros da Versão brasileira, nossa versão das Escrituras incomparavelmente melhor, do ponto de vista de fidelidade ao original. Sua lealdade ao mais antigo texto grego, e sua isenção da influência maligna da Vulgata, fazem que seus erros sejam faltas de interpretação, obrigadas em verter o original de acordo com a teoria adotada, ou timidez em dar a verdadeira idéia de certos tempos do verbo grego, ou do artigo ou falta de artigo no original. Onde há uma destas faltas na Brasileira, há dez do mesmo gênero nas versões inferiores.

A Versão Brasileira erra, como as demais versões, em seu descuido do artigo grego. Tora definidos substantivos que Paulo determinou deixar indefinidos em 1:1 (homens), (mortos); 1:10 (homens) bis; 1:11 (homem); 1:12 (revelação); 2:8 (apostolado); 2:9, destras; 2:16 (homens) e (lei) (obras) (lei); 2:17 (obras, lei); 2:19 (lei) bis; 2:21 (lei, justiça); 3:2 e 5 (obras, lei, mensagem, fé); 3:7, 8, 9 (fé); 3:10 (obras, lei, maldição); 3:11 (lei, fé); 3:12 (fé); 3:13 (madeiro); 3:15 (aliança); 3:18 (lei, promessa, bis); 3:19 (mão); 3:21 (lei); 3:22 (pecado); 3:23 (lei); 3:24 (fé); 3:29 (promessa); 4:4 (lei); 4:5 (lei); 4:21 (lei); 4:24 (escravidão); 4:25 (monte); 4:27 (marido); 4:28 (promessa); 4:31 (escrava); 5:4 (lei); 5:5 (fé); 5:6 (circuncisão, incircuncisão, fé); 5:18 (lei), outros (5:21) homem (6:7); circuncisão, incircuncisão (6:15). A gramática grega reconhece como definidos substantivos sem o artigo em dadas circunstâncias, e sentimentos abstratos e outros idiomas exigem o artigo em português inde não é idiomático expressá-lo em grego. Concedendo liberdade em tais casos, ainda restam muitos em que perdemos a idéia de Paulo quando adicionamos um artigo inoportuno.

Esta versão, deixa, porém indefinidos substantivos que na mente de Paulo foram bem definidos e devidamente expressos com o artigo: 1:4 (pecados); 1:5 (glória); 1:7 (Cristo); 1:19 (irmão); 2:5 (sujeição); lei (3:21); amor (5:13); Cristo (6:2); NOSSO Senhor (6:14). Reconheço, cordialmente, que o artigo tem funções bem diferentes nos dois idiomas, grego o português. Numa versão para uso popular e público, eu me conformaria com o idioma português onde a idéia genérica ou abstrata em português usa o artigo, e em grego o omite. Acho bem, todavia, indicar, ao bem dos estudantes, o grego mui fielmente, neste respeito, e julgarão onde o português expressa com o artigo a mesma idéia que o grego expressa com sua ausência. Somente em tais casos, porém, acho lícito à introdução do artigo nas passagens enumeradas acima. Temos a obrigação de transmitir a Palavra de Deus, na meramente de imaginar uma frase agradável aos ouvidos de um estilismo ou literatice exagerado e sem respeito à Palavra de Deus.

Sua tradução errada, insuficiente ou demasiada de vocábulos, ao meu ver, inclui mundo (1:4), servo (1:10), fui (1:17), nenhum (1:19), entre (2:5), eles (2:10), me (2:18), do (2:20), se e por (2:20), subministra (3:5), acaso (3:5), fiel (3:9), estas (3:12), por (3:13), como (3:15), deu (3:18), que é pois (3:19), porventura (3:21), todas as coisas (3:22); homem… mulher (3:28), enquanto, (4:1), cumprimento (4:4), adoção de filhos, (4:5), enviou (4:6); mais (4:7), por (4:7) guardais (4:10), temo-me (4:11), rogo (4:12); mas vós (4:13); uma alegoria (4:24), na verdade (4:24), fossem além (5:12), toda resume (5:14), pelo (5:16), cobiça – satisfareis (5:16); luta (5:17); caridade (5:22), andamos (5:25); e… olha (6:1); sejas tentado (6:1); sua (6:5); a seu tempo (6:9).

Faz falta ao sentido não se haver traduzido o pronome demonstrativo e o pronome reflexivo (2:18), a conjunção (3:4 17; 4:6, 28; 5:3, 12 13; 6:1, 16).

Ao traduzir verbos, esta versão erra nos seguintes passos: “pregasse” (1:8), “pregar” (1:9), “ouviram” (1:23), “sido confiado” (2:7), “era condenado” (2:11), “Torno a edificar” (2:18), tivesse sido… teria sido (3:21), se tornou… para conduzir (3:24), estávamos guardados (4:3), conhecendo… sendo conhecidos (4:8), torneis… me tenho tornado (4:12), disse (4:16), serdes (?) (4:18), são… alegoria (4:24), os verbos de 4:27 em vivo contraste entre aoristo e presente linear; sujeiteis (5:1), se circuncida (5:3), guardar (5:3), estais separados (5:4), vos justificais (5:4), impedia (5.7), chama (5:8), confio (5:10), está desfeito (5:11), fossem além (5:12), consumais (5:15); andai (5:16); tornemos (5:26); restaurai (6:1); prove (6:4).

Os seguintes perfeitos do verbo grego expressam tanto mais que a tradução protocolar! Não me posso conformar que conteúdo tão precioso da Escritura fique sepultado em nossa inépcia de tradutores ou mesmo na incapacidade do idioma para reproduzir o que Paulo tão lindamente disse sem paráfrase: 2:19; 3:1, 10, 13, 17, 18, 24, 4: 16, 22, 23, 27; 5:10, 11, 14; 6:14.

Há prováveis erros ou infelicidades de construção de sentenças em 1:11, 12, todo o versículo 20, 2:6; 2:18; 2:20; 3:31; 4:11; 4:12; 4:18; 5:16.

O estudante interessado da epístola pode facilmente comparar esta crítica das traduções estudadas, com a versão deste comentário, e as notas que a acompanham, e assim verificar o lado positivo da crítica feita. Seria demasiadamente enfadonho entrar aqui na discussão detalhada das razões de aceitar ou rejeitar tantas maneiras de verter tantas palavras, pois seria equivalente a conservar os andaimes de nossa obra e reconstruir os de outrem, para comparação.

Como as Sociedades Bíblicas, orientadas por aqueles que prezam um texto e uma tradução que são inferiores, mudaram a linguagem e a idéia de Figueiredo, assim fizeram igualmente com Almeida. Tenho uma velha Bíblia do “padre João Ferreira A. D’ Almeida, ministro pregador do santo evangelho em Batávia”, publicada em Nova York em 1857. Comparando-a com uma Bíblia “pelo padre João Ferreira D’ Almeida, edição revista e corrigida”, de 1920, noto 56 mudanças no Capitulo 1 da Epístola aos Gálatas. Parece que ainda há outras mudanças nas impressões mais recentes. Mudaram Igreja e idade para Igreja e idade, Evangelho para evangelho, etc.

Em quatro passos onde a Versão Almeida estava certa em 1856, os que tomaram para si a autoridade destas mudanças arbitrárias, modificaram a linguagem exata e adotaram um tradução errada, no primeiro capitulo desta epístola. Por estes dados podemos julgar a extensão da arbitrariedade revelada em toda a obra. Limito-me a perguntar: se era lícito mudar para pior a Versão Almeida em tantos passos, não será lícito remover de vez milhares de seus erros? Concordo, de boa vontade, que na quase totalidade destes erros não se mudam doutrinas fundamentais. Queremos nossas Bíblias, todavia, bem exatas e o ministério evangélico no Brasil já é capaz de dar-nos uma Bíblia acurada e leal ao texto e sentido grego e ao espírito do vernáculo.

Alguém talvez encontre na minha versão desta epístola algum erro apontado em outras versões. Não o nego, pois luto, às vezes desesperadamente, para transmitir no vernáculo toda a idéia do texto inspirado. Mas é precisamente para que outros lutem maior êxito com o mesmo problema que os seminários teológicos evangélicos do Brasil estão preparando exegetas capazes e dotados da cultura em sua própria língua, de modo a doarem ao Brasil uma versão ao mesmo tempo antiga, quanto ao texto seguido, e moderna e correta, quanto à linguagem com que traduz e adorna este texto no vernáculo.

Suponho que a Versão Brasileira jamais alcançará no Brasil a posição que merece pela sua fidelidade ao original. Missionários pioneiros, acostumados às frases baseadas no texto inferior usado pelos tradutores ingleses de 1611, gostaram dos erros parecidos de Almeida e os gravaram na memória desta geração de pastores. As Casas Publicadoras e professores das escolas dominicais exigem uniformidade em a juventude em decorar a mesma versão em nossos dias. Meus filhos foram obrigados, na escola dominical, a decorar passagens segundo Almeida, erradas em alguns pontos, que já haviam aprendido certas segundo a Versão Brasileira. Tudo conspira para conservar a predileção pela Versão Almeida, de geração em geração. Certamente, porém, os estudantes sérios da Bíblia devem ter um auxílio relativamente perfeito, na Versão Brasileira corrigida, ou em uma nova versão a ser feita. Mas podemos aproximar-nos da meta e é um dever do ministério culto do Brasil produzir ainda uma versão geralmente aceitável. E se os preconceitos não permitirem tanto, então a despeito da inércia ou tolerância popular, haja traduções que orientem estudantes e investigadores, enriquecendo a exegese brasileira como Moffatt, Weymouth, a Sra. Helena Montgomery, Goodspeed e outros enriqueceram sobremaneira, com as suas novas traduções, a interpretação da Bíblia em linguagem da atualidade no mundo anglo-saxão.

Autor: Dr William Carey Taylor

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