A SALVAÇÃO DO CRENTE É ETERNA

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Se o crente em Jesus Cristo é possuidor de salvação alguma, esta salvação é eterna. A única qualidade de salvação mencionada na Escritura é “eterna salvação”, Hb. 5.9. Se alguém não recebeu salvação eterna quando entrou no reino de Deus mediante a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, então não recebeu salvação alguma, pois única salvação que Deus dá é eterna. Eterna é também a redenção que Cristo operou na cruz pelo seu sacerdócio e no La outorga quando cremos, Hb. 9.12. Eterna é ainda a vida espiritual que o crente recebe pelo novo nascimento quando crê, Jo. 3.12, 16; 4.14; 5.24, 39; 6.40, 47, 52 e inúmeras outras passagens em que se afirma categoricamente ou pressupõe como verdade elementar, por todos reconhecida: “Quem crê tem a vida eterna”. “O dom de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor”, Rom.6.23, Se qualquer pessoa professa ser cristã, mas diz que sua vida espiritual não é eterna, é claro que não possui o dom de Deus, nem está em Cristo Jesus. A única vida espiritual que é dom de Deus ao crente é a vida eterna. A vida que Deus dá todos os homens pelo primeiro nascimento é imortal. E a vida espiritual que ele outorga pelas riquezas da graça de Jesus Cristo é eterna. Uma salvação de pouca duração, uma vida cristã apenas de meses e anos, uma redenção fugaz, uma justificação efêmera que precisa de ser renovada ou repetida muitas vezes, não é “o dom de Deus em nosso Senhor Jesus Cristo”. Tal salvação duvidosa, incerta, vacilante e passageira é fingida, herética, espúria, falaz e absolutamente desconhecida na Palavra de Deus.

Neste assunto, o único testemunho digno de ser ouvido, é o de nosso Deus. É razoável que ele declare a natureza do seu dom sobrenatural ao pecador convertido. Ele é que propôs, executou, anunciou e opera em nós a salvação. Tudo é seu plano. O único conhecimento que temos de mesmo é pela Palavra de seu Evangelho. Os sofismas da lógica que é incrédula diante das promessas de Deus, nada valem. E’ insolência a criatura responder ao Criador que não crê nas suas revelações claras, muitas vezes repetidas e formalmente apregoadas na sua Palavra e por seus profetas e apóstolos. Quem levantará sua voz rebelde contra a Palavra de Deus, opondo o seu: “Mas me parece?!” Só um presunçoso cuja opinião irreverente não tem mais êxito do que os laboriosos raciocínios da soberba humana nos discursos incrédulos no livro de Jó – “Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento?” Com qualquer um que porventura entenda argumentar contra a Palavra de Deus, nós não temos uma palavra de controvérsia. Semelhante atitude cega os olhos, sela os ouvidos e insensibiliza o coração á revelação divina. Pergunto aos leitores sinceramente. “Se Deus revela que a salvação, que é o dom de Deus em Jesus Cristo ao crente genuíno, é eterna e se Deus afirma isto na sua Palavra, dareis credito á Palavra de Deus?” Se não derdes credito a Deus, certamente não dareis a mim; portanto, peço que não leias mais uma palavra. Mas se vosso espírito está livre de preconceitos e desejoso de saber o que Deus vos revelou na Escritura, sigamos reverentemente no exame desta Palavra infalível.

QUEM É AQUELE QUE TEM A VIDA ETERNA?

Convém saber de que se trata. Há tanta arcabuzada contra ursos de palha quando se examinam assuntos religiosos! Não gastemos tiros contra idéias que ninguém advoga. Separemos, pois, e deixemos fora de consideração as idéias que não devem confundir o investigador da verdade.

Não se nega na Palavra de Deus a possibilidade do crente cair no pecado.

Abraão, David, Jonas e o apostolo Pedro cometeram pecados graves, mesmo sendo crentes sinceros e de longa experiência. A tais tentações, todos estão sujeitos, e não capazes de ceder, num momento de fraqueza da carne ou propósito errado ou interesseiro do espírito. A todo crente, a Palavra de previne: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia”, I Cor. 10.12. O que a doutrina cristã ensina sobre o crente genuíno é: (A). Ele não viverá continuamente numa vida em que o pecado seja a nota dominante de sua vida. Não é escravo do pecado, Rom.6.17-20; I João 3.3, 6.

(B). Antes a marca do discípulo genuíno é a sua perseverança na vida orientada pela Palavra de Cristo, João 8.32.

(C). Quando o santo cai, não é para a perdição. “Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor, e deleita-se no caminho. Ainda que caia, não ficará prostrado; pois Senhor o sustém com a sua mão”. Salmos 37.23-24.

2. O dom de Deus é a vida eterna ao crente verdadeiro, não a qualquer criatura que tome nos seus lábios o nome de Cristo. E’ uma distinção que a Palavra de Deus fez desde Abel e Caim, Jacob e Esaú, David e Saul, Pedro e Judas. O espúrio não tem parte com genuíno, nem a existência da moeda falsa diminui o valor da verdadeira. O hipócrita e o enganado vão se revelar em tempo, e a revelação demonstra que nunca foram salvos. Mas não provará que a salvação de Deus se tenha tornado impotente, nem que a graça de Deus tenha aberto falência.

Comprei uma vez estante bem pintada. Não a vi pela parte posterior. Quando o móvel chegou ao seu destino, abri-o por detrás. Tirei-lhe a grade e removi o que parecia ser um reforço de papelão grosso. Quando isto saiu, não havia fundo no móvel. Estava todo aberto por detrás. Ora eu não podia formar a conclusão de que o fundo fosse de madeira, mudando-se depois em papelão, na viagem da mobília no porão do navio. O que eu fiquei sabendo imediatamente é que fora ludibriado por um ardil do vendedor. Não tenho a loucura de declarar que a madeira se mudara em papelão. Se se revelou ser papelão, é porque fora sempre papelão e nunca tinha sido outra coisa senão papelão. Certamente devo ter igual juízo na espera espiritual.

Assim Jesus Cristo classifica absolutamente todos os hipócritas e enganados que vão para o inferno. “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci: apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade. Mateus 7.21-23. Nota bem:

Milagres não são evidencia de salvação. O Diabo também é sobrenatural e resistiu a Jesus com milagres. As épocas de revelação divina foram sempre épocas de revelação de poder satânico também. Aí está o engano dos pentecostais. Se realmente falassem línguas estrangeiras por milagres, não seria prova alguma da verdade de sua seita fanática. O Diabo sempre soube fazer milagres, e fala todas as línguas. O mesmo se diz do espiritismo e do romanismo.

Os que Jesus apartará de si para a perdição, “nunca” ele os conheceu no perdão do pecado, na comunhão intima entre Salvador e salvo. Não haverá por toda a eternidade uma única criatura no inferno que possa reclamar contra Jesus Cristo: “Tu me salvaste uma vez e depois me perdeste. Eu cheguei a conhecer-te como Salvador mediante a fé, mas tua salvação não durou. Foi fugaz e impotente. Fui presa do Diabo”. A todos os habitantes do inferno, mesmo aos milagreiros e hipócritas finos, Jesus dirá: “Nunca vos conheci”. Um salvo nunca se torna um perdido.

Distingamos logo o crente de todas as criaturas que perecem. O crente nunca perecerá, João 10.28.

Os que querem estabelecer a doutrina da possibilidade do crente perecer, costumam apontar para varias criaturas de Deus que pereceram e daí argumentar que, a despeito da promessa inquebrantável de Jesus Cristo, os crentes também podem perecer se a morte os apanhar num momento de desobediência. Citam:

(I). Os anjos que caíram. Mas os anjos nunca estiveram sob o regime da graça de Deus. Nunca nenhum deles foi salvo, nem há redenção para eles, Hb. 2.16. Anjos não são da categoria dos que receberam a adoração e com espírito filial clamam “Abba, Pai”, na família de Deus. Anjos são servos na casa de Deus, distanciados infinitamente da categoria do Filho, meros “Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação”, Hb. 1.14. Mas para eles nunca houve salvação. Logo, se nunca foram salvos, nunca perderam a salvação. Criaturas sob a lei, faltaram á devida obediência e receberam o castigo de sua revolta. Mas nunca foram salvos nem antes nem depois de tal revolta celeste. Logo, sua perdição não vem ao caso na nossa investigação.

(II). Outros dizem que Adão caiu do seu estado no Éden; portanto, o crente pode cair do estado de justificação que goza em Cristo Jesus. Mas Adão nunca fora salvo. Estava num estado de inocência não provada, sob uma li elementar que deus lhe impôs, agiu sem graça redentora de espécie alguma, caiu sem ter sido regenerado, justificado. O crente em Cristo está numa posição bem diferente da de Adão no Éden. O crente já estava perdido, nasce pecador, recebe sua salvação quando crê, é justificado mediante a fé, uma vez para sempre, e recebe a promessa de nunca perecer, nunca ser condenado, é regenerado e santificado pela obra do Espírito Santo e tem as garantias das promessas da nova aliança. Adão só teve um vislumbre da nova aliança depois de expulso do Éden. O crente já estava perdido, nasce pecador, recebe sua salvação quando crê, é justificado mediante a fé, uma vez para sempre, e recebe a promessa de nunca perecer, nunca ser condenado, é regenerado e santificado pela obra do Espírito Santo e tem as garantias das promessas da nova aliança. Adão só teve um vislumbre da nova aliança depois de expulso do Éden, na vaga promessa concernente á Semente da mulher. Não há paralelo de espécie alguma entre Adão na sua inocência e o pecador salvo pela graça ampla de nosso Senhor Jesus Cristo. Leia o Cap. V da Epístola aos Romanos e nunca podereis pensar outra vez em comparar o crente a Adão.

Assim a doutrina bíblica de que tratamos é a verdade de que é eternamente salvo aquele que de coração regenerado crê evangelicamente em Jesus Cristo como seu único Salvador. Nenhuma responsabilidade tem esta verdade com o caso de hipócritas ou iludidos com a queda do crente pela qual ele é castigado nesta vida, mas salvo eternamente pela graça de Deus. Assim entendidos na matéria que estudamos, vejamos primeiro o ensino positivo da Palavra de Deus e depois as objeções sinceras á mesma doutrina.

CAPÍTULO II

AS DECLARAÇÕES DESTA VERDADE NA ESCRITURA

A dádiva presente de vida eterna.

“Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida. Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome de Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus.” I João 5.11-13.

“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; Eu lhe dou a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão, Jo. 10.27, 28. Assim João 3.15, 16, 35; 4.14; 5.24, 39; 6.27, 40, 47, 54, 68; 17.2, 3; Atos 13.48; Romanos 6.23.

A carreira de um homem que hoje se batiza e amanhã se afasta da profissão cristã não pode ser chamada vida eterna. Vida espiritual que não dure eternamente nunca foi eterna. A vida espiritual do crente durará enquanto durar a vida de Deus, pois pelas promessas e pela virtude de Deus nós somos feitos “para que por elas fiqueis participantes da natureza divina”, II Pedro 1.4. Esta vida não é mera imortalidade. E’ um tão grande acréscimo sobrenatural é vida comum dos homens, que se pode chamá-lo um Novo Nascimento e faz que o crente participe desde já dos característicos da vida celeste, tanto nas qualidades morais e espirituais como na sua duração perpetua e imutável.

Este novo Nascimento determina a filiação e a natureza eternamente e nos torna co-herdeiros com Jesus Cristo das glorias garantidas á família de Deus.

Há só dois nascimentos. Nunca lemos de um terceiro. Se alguém se salvasse e depois perdesse a salvação e assim se fosse salvando e perecendo, salvando e perecendo pela vida inteira, quantos novos nascimentos não lhe seriam necessários? Não é assim na Bíblia. Nosso primeiro nascimento de pais pecadores nos espiritual nos dotou da natureza regenerada e progressivamente santificada. Estas duas naturezas lutam, uma ajudada pela carne, pelo mundo e pelo Diabo, a outra ajudada pelo Espírito, pela consciência, pela bíblia, pela comunhão cristã e pelos anjos do Senhor. A vida terrestre é o campo de batalha desta luta. Em alguns, o Espírito ganha a supremacia logo e conserva a natureza velha em submissão crescente, se bem que nunca perfeita. Em outros, a carne e seus aliados mundanos e diabólicos levantam revoltas contra o domínio do Espírito e a vida é uma série de quedas morais e de do espírito, seguidas por nova fidelidade, mas o Espírito de Deus nunca é derrotado. “Pode perder uma batalha, mas nunca perde a guerra”. “Porque tudo o que é nascido de Deus vence ao mundo; e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé”. I João 5.4.

Natureza implantada pelo nascimento é imutável. Aquele que herda dos pais forte raciocínio, longa visão, dote musical, gênio humorístico ou artístico inata, pode ter estes dons latentes, mas sempre existem e podem em dada oportunidade se manifestar e se desenvolver. Assim a natureza divina dada ao crente. E uma herança espiritual indestrutível. Nascimento nunca se desfaz. Ninguém pode se tornar filho de outrem a não ser de seus pais novo nascimento é eterna e imutável.

Temos algumas fracas ilustrações disto na natureza. A larva nasce de novo e se torna em mosquito, mas o mosquito nunca volta a ser larva. (Seus filhos são larvas, como os filhos do crente são sempre pecadores incrédulos, necessitados por sua vez da regeneração, mas o seu novo nascimento nunca se desfaz). Os girinos da rã passam pela transformação que os converte em rãs, mas nunca a rã, volta a ser girino. A lagarta tem uma linda metamorfose e nasce numa nova vida de borboleta, mas a borboleta nunca volta á vida lagarta. A natureza não conhece o desnascimento, nem há esta monstruosidade no reino espiritual da graça divina. Nossa salvação é sobrenatural e a regeneração é a realidade mais duradoura do universo. O novo nascimento é uma mudança radical da natureza, dando novos impulsos e rumo moral e espiritual e destino eterno ao espírito de que Deus se apodera. Pessoas que meramente reformam certos costumes por um tempo e depois voltam a manifestar a velha vida, nunca saíram desta velha vida. Esta foi sempre a fonte escondida de sua conduta. Não são casos genuínos do novo nascimento, mas sim meros enganos ou hipocrisia na espera de profissão oca, mas o que é certo é que não enganaram a Deus. “Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade”. II Tim. 2.19.

Somos duplamente filhos de deus. Adoção é doutrina bíblica, se bem que subordinada á doutrina maior do novo nascimento. A adoção humana é uma ficção legal pela qual alguém que não é filho por natureza é tratado como filho e herdeiro. Mas o pai adotivo não pode dar sua natureza ao filho adotado. Portanto, a doutrina de adoção, se bem que usada a respeito do pecador que pela fé entra na família de Deus é reforçada pela doutrina adicional da regeneração, pois deus muda a natureza dos que Ele adota. “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criação é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. II Cor. 5.17.

Isto é uma realidade preciosa em milhões de vidas humanas, transformadas pela graça divina. Se não está em outras vidas que professam ser cristãs, a dúvida está na realidade da profissão delas, não na veracidade da Palavra de Deus ou da regeneração genuína. “Se alguns não tiveram fé, porventura a sua falta de fé anulará a fidelidade de Deus? De modo nenhum; antes Deus seja achado verdadeiro, e todo o homem mentiroso”, Rom. 3.3-4. Um amigo meu encontrou um questionador que negou a realidade da salvação eterna do crente, dizendo: “Eu sei que eu fui salvo e agora sei que estou perdido”. Sua resposta cabal não tardou: “Meu amigo, o Sr. me obriga a escolher entre sua veracidade e a veracidade de Deus e não hesito em dar a preferência á Palavra de Deus”.

Sendo, pois, filhos de Deus não somos o mero gênero de “filhos de Deus” a quem os esmoleiros pedem suas esmolas, pobres iludidos cujos pais julgaram transformá-los de “pagãos” em “filhos de Deus” pelo rito pagão do clero que se chama enganosamente o batismo infantil, o que aliás não é batismo algum, pois o único batismo genuíno que a Palavra de Deus reconhece e preceitua é o batismo de crentes. Antes somos, “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”, Gal. 3.26, “mas se filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo.” Gal. 4.7. Sobre esta herança, Pedro exclama: “Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, prestes para se revelar no último tempo”. I Pedro 1.4, 5. A herança e “reservada”, o herdeiro é “guardado pelo poder de Deus” .. Logo, herdeiro e herança estão seguros e se encontrarão, na fase futura e final da salvação, que é a gloria celeste. Duvidar deste fato, tantas vezes declarado na Bíblia, é duvidar da veracidade e do poder de Deus.

Mas, Deus, neste ponto, vai além da veracidade de simples declaração. Jurou pela sua própria deidade. “Porque os homens certamente juram por alguém superior a eles, e o juramento para confirmação é, para eles, o fim de toda a contenda. Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento; Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta; A qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao interior do véu, Onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque”. Hebreus 6.16-20. Nota o forte ensino consolador desta maravilhosa passagem:

Jesus entrou no céu como nosso Precursor, garantindo que nós o seguiríamos para a “casa de muitas moradas” da mesma maneira como ele seguiu na Judéia a João Batista, seu precursor.

Jesus não está ocioso no céu, mas “entrou por nós”. Está num perpetuo, vitorioso e irresistível sacerdócio em prol de nós perante o trono do universo. Quem tiver Jesus por sacerdote, dispensa o fictício ministério de padres pecaminosos, pois o sacerdócio de Jesus garante a ida do crente aonde Jesus seu precursor já foi e lhe aguarda a chegada. Nós dizemos como Estevão, na hora é de incalculável valor, dá divinas garantias, assegura que ser+a uma realidade a suplica da oração pontifical de nosso Sacerdote quando na véspera de sua paixão ele orou: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste”. João 17.24.

Deus quis que nós tivéssemos “poderosa consolação” nas agruras desta vida. Daí estas grandes promessas. Não é poderosa consolação o nervoso medo de cair no purgatório ou no inferno, mesmo depois de pertencer a Jesus Cristo. Não há consolação nenhuma nesta mentira, espantalho do diabo para enfraquecer e amedrontar os bravos do Senhor. Deus no dá certeza, segurança, forte confiança. Assim somos capazes e irresistíveis na luta contra o mal.

O conselho de Deus é o eco das deliberações da Trindade. Desde a velha eternidade estão determinados pai, Filho e Espírito Santo que a salvação do crente seja de valor duradouro, uma ancora na vida, uma esperança gloriosa. Todos os tesouros da sabedoria do Deus trino estão empenhados desde a manhã da historia do universo em salvar, e conservar eternamente salvo, o mais fraco pequenino que confie no Salvador Jesus. O conselho de Deus é imutável e não há outra sabedoria que seja superior á onisciência, nem outra força que seja mais forte do que a onipotência, nem outra personalidade humana, diabólica ou angélica que nos cerque e viva mais perto de nós do que onipresença trina que nos guarda do Maligno.

E se há possibilidade de duvida, Deus quer removê-la. Se não vale sua Palavra infalível, a rocha da nossa fé, ele acrescenta um juramento. O Deus uno e verdadeiro, não encontrando no universo coisa maior do que sua pessoa pela qual pudesse jurar jurou pela sua essência e existência divina que a entrada de Jesus no céu era a entrada de um Precursor de nós outros que cremos, e que seria seguido por todos que nele se refugiassem. Esta é a ancora da fé. Se rejeitarmos esta verdade sublime, ficamos sem consolação, medrosos marinheiros no mar da vida sem destino certo, sem norte, sem Piloto. Mas Deus cuida que não podemos rejeitá-la. Só podemos rejeitá-la, tendo nosso Deus por mentiroso. Ainda mais. Temos de classificá-lo de perjuro, pois ele deu imutabilidade dobrada á segurança eterna do crente, jurando por si mesmo a garantia de nossa poderosa consolação. Não há outra doutrina na Bíblia que se declare com tanta repetição, tanta ênfase e tanta insistência divina.

Nossa ancora não está presa no fundo do mar desta vida, onde as ondas podem arrastá-la ou o arrojo da tempestade desligá-la da barca ameaçada, ou quebrá-la. As ancoras humanas baixam para a terra: a âncora divina sobre á Rocha Eterna, Jesus Cristo no céu e a ele somos eternamente unidos, numa união indissolúvel e imutável. Ele é nosso Precursor e onde está a âncora, aí chegará logo a barca e estaremos eternamente com Jesus.

Esta verdade é de fato uma “forte consolação”, e Deus assim o quis, pois os mais fortes acertos da Palavra de Deus são as promessas da eterna segurança do crente em Jesus. A língua grega permitia o uso de repetidas negativas para dar força á negação. A sentença mais enfática da Bíblia é: “Não te deixarei, nem te desamparai. E assim com confiança ousemos dizer: O Senhor é o meu ajudador, e não temerei. O que me possa fazer o homem”?, Hb. 13.5, 6. Traduzido ao pé da letra esta promessa seria assim vertida: “Não, não te deixarei nem não, não te desampararei”.

E ainda outro fato do idioma grego vem reforçar esta promessa. A língua grega tinha duas palavras que querem dizer não, uma usada com certos modos ou clausulas, e a outra com outras. A combinação das duas era a mais forte negação possível. Pois bem. Aqui temos duas vezes a união das duas negativas nesta fortíssima negação. Linguagem humana é impotente para forjar uma declaração mais categórica da impossibilidade.

E note-se a atitude evangélica e a psicologia divina. Fé é confiança na pessoa de Jesus Cristo, não crenças e opiniões doutrinarias ou dogmas. Quanto mais confiança, tanto mais fé. Deus quis que fossemos homens de uma confiança inabalável. Assim seremos heróis invencíveis. Não há poder religioso em estimular nos homens o espírito medroso, pessimista, desconfiado, no intento de nutrir a vida cristã.

Esta dupla negativa forte se usa no N.T. 91 vezes. A quinta parte destas negativas poderosas se emprega nas declarações deliberadamente fortes, reforçadas, de Jesus e seus apóstolos, sobre a eterna segurança do crente. Por exemplo:

“Aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede”. João 6.35.

Se Jesus lançasse fora um crente e este perecesse, seria um escândalo no universo – um Salvador sem palavra, um Deus mentiroso e perjuro. A hora divina está presa a esta doutrina.

E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, João 10.28.

E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá, João 11.26.

Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado, Rom. 4.8. Melhor seria a tradução: “Feliz o homem cujo pecado o Senhor absolutamente não tomará em consideração.”

E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniqüidades, Hb. 10.17.

Os Judeus incrédulos, embora nominalmente seus discípulos, exclamaram depois do grande sermão de Jesus sobre esta verdade: “Duro é este discurso, quem o pode ouvir?”, João 6.60. E é duro. Mas é de verdades duras que Deus lança os alicerces de caráter e esperança, heroísmo e sacrifício. Muitas vidas só têm de alicerce a confiança nas suas obras e sua justiça e suas cerimônias e sua fidelidade. Sua casa é edificada sobre a lama. Se não tiverem a segurança eterna, não têm segurança nenhuma. Estão desabrigadas de todas as promessas.

Outro sinal de solene asseveração e reforçada veracidade é o “Amém, amém” ou Em verdade, em verdade” como Jesus ás vezes anunciava uma doutrina. Esta doutrina tem este duplo apoio do mestre que a revela assim com redobrada ênfase. “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida.”, João 5.24.

Eis nova fase de nossa segurança em Cristo Jesus, como crentes – seu lado judicial. Deus não é arbitrário. Todo que for condenado ao inferno entrará em juízo final, proclamando-se perante o tribunal divino e o universo reunido sua condenação justa. Mas Jesus, que com tanta solenidade anuncia este juízo do incrédulo, afirma, com dois améns, que o crente “não entra em juízo”. Outra vez declara. “Quem crê nele não é condenado”, João 3.18. E Paulo inicia sua eloqüente exposição da obra do Espírito no crente em Jesus (Rom. VIII) com esta sentença: “Agora, pois, nada de condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. A declaração é categórica, incondicional, enfática. (A lição que acrescenta “os que não andam segunda a carne mas segundo o Espírito”, é espúria aqui, não se encontrando nos manuscritos antigos.)

A razão por que nós não entramos em juízo é que Jesus é nosso Fiador, Hb. 7.22. Ele nos garante. E visto que já estávamos em falta e impotentes para cumprir nossa obrigação, ele tudo pagou e fez-se nosso Advogado e Sócio e se responsabilizou por nosso futuro. Ele é Sacerdote e Vítima, e o que nós merecíamos sofrer ele sofreu em nosso lugar na infinita paixão do Calvário. Deus o “fez pecado”, tratou-o como se ele fosse nosso próprio pecado personificado e castigou-o em nosso lugar. Ora, assim sendo, não pode condenar-nos a sofrer a pena eterna deste mesmo pecado. Isto seria impor duas vezes a mesma pena pelo pecado. Deus é justo e porque é justo não cobra do crente o que já cobrou do Fiador do Crente, Jesus Cristo. Logo, o crente não entra em condenação, pois Jesus já se fez vítima, já foi ferido por nossas transgressões, já morreu a nossa morte, já nos deu a sua vida e sua justiça. Esta transação não é mera ficção eclesiástica como o limbo, o purgatório ou a suposta graça sacramental. E’ a essência do Evangelho. E’ o conteúdo da Nova Aliança. E’ a benção que Cristo nos traz.

Falando da Nova Aliança, talvez seja bom esclarecer seus termos de redenção eterna e imutável. E’ natural que os que se apegam á doutrina falsa de salvação pelas obras acreditem que facilmente o salvo perder esta salvação, se praticar obras más ou deixar de praticar obras boas. O ponto de vista dessa incredulidade antievangelica é legalista. Seu raciocínio está com a Velha Aliança de Moisés, embora em alguns casos, graças a Deus, seu coração, incoerente mas genuinamente crente, esteja com Jesus e a Nova Aliança. A salvação dos tais vale mais do que eles supõem.

Eis a Velha Aliança, resumida por Paulo para nós. Ora Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas, Rom.10.5. Aí tendes em sistema – o sistema do judaísmo, do romanismo, do sabatismo e de muitos ramos do protestantismo e do coração incrédulo da humanidade em geral. Todas as religiões inventadas ou corrompidas pelos homens, e mesmo a época preparatória de Israel debaixo da Lei de Deus a fim de mostrar-lhe sua necessidade de um Redentor, optem pela salvação pelas obras. Depositam sua confiança no braço da carne. Naturalmente, se eu creio que justiça divina me é dada comercialmente em troca da pratica de mandamentos, então sou lógico em crer que o desvio da pratica destes mandamentos me traz fatalmente a condenação e a perda da alma.

Porém, a nova do Evangelho varre da mente do regenerado todo este sistema de salvação do homem pelo homem e faz que adoremos e creiamos e exaltemos Jesus Cristo como Salvador e lancemos mão da sua “justiça que vem da fé”, Rom. 10.6. De sorte que Paulo nos explica sua conversão como o abandono da justiça pelas obras e a aceitação da justiça da fé: “Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo, E seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé. Filipenses 3.8, 9. Não penses ser evangélico nem te chames cristão, se te apegares á tua justiça. Se não te converteres para considerar que toda a justiça humana é refugo – “farrapos imundos”, como diz o profeta – e se não lançares mão pela fé da justiça que procede de Deus e que, portanto, te é dada gratuita e eternamente, uma vez para sempre, em Jesus Cristo, não és crente em Jesus. Esta justiça é, do ponto de vista judicial, a benção que o Evangelho traz: “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.”, Rom. 1.16, 17. A justiça evangélica não é de nenhum homem. E’ de Deus. E’ dádiva de sua graça, oferecido sem injustiça em virtude da paixão expiatória de Cristo em nosso lugar. E’ totalmente adquirida e possuída e conservada e gozada pela fé. “De fé em fé” é a divisa do Evangelho – não de fé para obras, nem de fé para o batismo, nem de fé para a eucaristia, mas “de fé em fé”. Todo o balanço do pendulo da justiça evangélica é de fé em fé. Fé é o centro e fé a circunferência da justiça que alcançamos em Cristo. De pólo a pólo somos salvos mediante a fé. Não há nenhuma parte se nossa salvação e justiça que dependa de obras, cerimônias, clero, igreja, sacramentos ou coisa alguma operada pelo braço humano. E’ justiça de Deus, recebida de fé em fé. O justo evangélico vive a sua vida pela fé e tão somente pela fé. Não há outro Evangelho. E’ a Nova Aliança.

“Eis que virão dias, diz o Senhor, Em que com a casa de Israel e com a casa de Judá estabelecerei uma nova aliança, Não segundo a aliança que fiz com seus pais No dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; Como não permaneceram naquela minha aliança, Eu para eles não atentei, diz o Senhor. Porei as minhas leis no seu entendimento, E em seu coração as escreverei; E eu lhes serei por Deus, E eles me serão por povo. E não ensinará cada um a seu próximo, Nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece o Senhor; Porque todos me conhecerão, Desde o menor deles até ao maior Porque serei misericordioso para com suas iniqüidades, E de seus pecados”. Hb. 8.8-12.

Eis a Nova Aliança. Não é religião externa, mas a religião de arrependimento, mentalidade nova e transformada, recebida da obra e graça de Deus que imprime sua vontade na mente e a grava nos afetos daqueles que ele constitui seu povo espiritual. Não são nesta vida um povo sem defeito. Mas Deus perdoa suas iniqüidades, pelo mérito do sangue da Nova Aliança que foi derramado no Calvário, e este perdão é eterno, pois Deus nunca mais se lembra do pecado já perdoado. Crês tu na Nova Aliança? Fazes parte deste povo, o novo Israel de Deus? Estás abrigado em Jesus e eternamente perdoado? Conheces intimamente a Deus? Tua mente foi mudada e nela está escrita a lei de Deus? Está gravada indelevelmente nos teus afetos a Escritura Sagrada? Tens certeza de que foste eternamente perdoado? Se podes responder, sem jactância: “sim”, és um crente. Se é alheio á tua vida tudo isto, és um perdido. Nada sabes da verdade de Deus. Tua opinião dogmática em contradição á Palavra de Deus é um pecador de presunção rebelde e perversa. Convém que te humilhes e arrependas para seres salvo pela fé em Jesus Cristo. As coisas espirituais são espiritualmente discernidas e tu não as entenderás pelo teu fraco raciocínio carnal enquanto estás no fel da amargura e no laço da iniqüidade. Estas verdades se vêem com olhos do coração, sobrenaturalmente iluminado.

A PONTE SEGURA QUE LIGA AS DUAS ETERNIDADES.

Assim se tem chamado a preciosa passagem em Romanos 8.29-38. De fato, todo o Capitulo VIII de Romanos versa sobre a eterna segurança do crente pela obra do Espírito Santo e a intercessão sacerdotal de Cristo. Este maravilhoso capítulo começa por declarar: “Agora, pois, nada de condenação há para os que estão em Cristo Jesus” e termina com o brado de triunfo: “Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus que é em Cristo Jesus nosso Senhor”.

E, no meio, Paulo nos descreve a Ponte do Eterno Propósito de Nossa Salvação que liga a eternidade antiga á eternidade futura, sobre a qual a mão de Deus nos conduz para gloria:

“Porque os que dantes conheceu, também predestinou para serem conforme á imagem de seu Filho, afim de que ele fosse o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou”.

Esta ponte entre as duas eternidades tem colunas inabaláveis para sustentá-la: a eleição, a predestinação dos conhecidos, a chamada eficaz dos predestinados, a justificação dos chamados, e a glorificação dos justificados.

A primeira e a ultima colunas são dignas de estudo. Conhecer, da parte de Deus, não é mera atitude intelectual de presciência, mas envolve a escolha para fins divinos: “Deus não rejeitou o seu povo, que antes conheceu.”, Romanos 11.2. Falando de Abrahão, Deus disse: “Porque eu o tenho conhecido, e sei que ele há de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que guardem o caminho do SENHOR, para agir com justiça e juízo”, Gen. 18.19. Conhecer, pois, nos eternos planos de Deus, (o Conhecer a quem ainda não existe), envolve mais do que mera presciência curiosa. Envolve um plano de vida, no propósito redentor de Deus.

A última coluna, a da glorificação, já se acha firmado naquela margem desta vida que é a eternidade do além-túmulo. Mas, embora futura, é tão certa, na doutrina do Evangelho, que Paulo usa o tempo passado a seu respeito, da mesma maneira como acerca da predestinação. Assim cada um dos salvos foi conhecido eternamente e predestinado a ser conformado com o perfeito exemplo de Jesus Cristo. (Ninguém pense que o Deus que predestina seja indiferente á moral. E’ moral que ele visa no seu planos, a perfeição moral de Jesus que se realizará no crente.) Fomos chamados e justificados, nesta vida. E, nas garantias eternas, fomos glorificados. Guiados pela Trindade, passamos por esta ponte que é o caminho da nossa salvação.

DE UMA VEZ

Ninguém se salva por prestações. O cântico cristão é verdade confortadora e sublime que nos leva a salmodiar:

Livres do medo temos ficado,

Cristo morreu, levado o pecado.

Eis o resgate! o pacto se fez;

Fomos remidos duma vez.

Duma vez! oh, sim, acredita!

O’ pecador, tens sorte bendita!

Tudo Jesus, por nós, satisfez

Cristo salvou-nos duma vez.

Ao malfeitor, que a pena merece,

Vida e perdão Jesus oferece;

Toma a mercê com santa avidez,

Cristo te acolhe duma vez..

Graça real! Não há mais castigo.

Temos a paz sem medo e perigo!

Vestes reais, não triste nudez;

Cristo enriquece duma vez!

“Filhos de Deus”! favor inaudito!

Deus nos amou em grau infinito

Nesta clemência não há dobrez,

Há segurança duma vez.

Assim escreveu, com exaltação cristã, o primeiro missionário evangélico no Brasil nos tempos modernos, o Dr. Roberto Kalley; e com bastante razão, porque o efeito judicial do sacrifício de Cristo (nunca nos esqueçamos que tanto justificação como condenação são termos judiciais e que ninguém se salva ou se perde sem uma decisão judicial da justiça divina) é declarado ser uma vez para sempre valido para o crente abrigado em Jesus Cristo.

Ouçamos, pois, a Palavra de Deus sobre esta verdade e não estranharemos as aleluias que tão sublime Evangelho despertou em seu primeiro arauto no Brasil moderno.

A epístola aos Hebreus é o depósito por excelência desta verdade:

Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles, Hb. 7.25. Jesus não salva parceladamente. Ninguém jamais adquiriu apenas uma prestação da justiça justificadora de Cristo. Ele salva completamente, porque como Sacerdote sempre vivo, seu mérito e sua atividade intercessora valem para garantir desde o momento da fé salvadora o êxito da sua obra redentora no salvo.

Cristo… mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção, Hb. 9.11, 12. O preço foi pago de vez. nosso divino Fiador se responsabiliza vez por nós. Está na presença do Juiz para advogar nossa causa. Outorga desde já ao crente “eterna redenção”.

E por isso é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna, Hebreus 9.15.

Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo, Hb. 9.26.

Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez… Mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus, Hb. 10.10, 12.

Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados, jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniqüidades. Ora, onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado, Hb. 10.14, 17, 18. O crente fica quite de vez. Não há prestações a pagar, uma vez que somos justificados. Os pecados, passados perdoados; os pecados futuros não tomados em consideração pela justiça divina. Santificados de vez: isto é separados desde o principio para a possessão divina. Eis a posição do crente em Cristo perante o tribunal celeste.

Linguagem não pode ser mais clara e mais categoria. Cristo, quando nos salva, nos salva de vez, completa e eternamente, quanto ao aspecto jurídico da nossa salvação.

A nossa certeza não provem da força humana, mas da promessa divina de nos guardar.

Em nada ponho a minha fé

Senão na graça de Jesus;

No sacrifício remidor,

No sangue do bom Redentor.

A minha fé e o meu amor

Estão firmados no Senhor.

Se lhe não posso a face ver,

Na sua graça vou viver;

Em cada transe a suportar

Sempre hei de nele confiar.

Seu juramento é mui leal,

Abriga-me no temporal;

Ao vir cercar-me a tentação,

E’ Cristo a minha salvação.

Quando o clarim ao fim soar,

Irei com ele me encontrar;

E gozarei da redenção

Com todos que no céu estão.

Que declaração mais clara e triunfante pode haver desta verdade do que a do velho Paulo, encanecido na luta cristã? De longa experiência da graça de Deus, ele exclamou ao seu jovem companheiro: “Por esta razão sofro também estas coisas, mas não me envergonho, porque sei a quem tenho crido e estou persuadido de que ele pode guardar o meu deposito até aquele dia.”

Sua alma imortal é um deposito, feito pela fé, no eterno banco da salvação. Cristo é Gerente deste Banco. Deus Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo são a diretoria. Os anjos são os empregados e guardam seguramente os valores espirituais dos depositantes. O deposito é “até aquele dia”.

Esta fase faz-nos pensar da segurança dos grandes cofres dos bancos de hoje. Atrás de possantes portes de ferro grosso há o cofre de aço e cimento aramado. E’ uma casa forte. A porta não se abre, nem com chave nem com dinamite. Obedece ao mecanismo de um relógio. Não há voz humana que possa dar ordem de abri-lo antes de chegar a hora previamente marcada pelo relógio ligado ao mecanismo de segurança do cofre. O que tem seus valores naquela casa forte está seguro. Ninguém, nem o próprio gerente do banco, pode abrir “até aquele dia”, até a hora predeterminada. Aquele dia é o dia que o coração de Paulo mais ansiava – o da volta de Jesus. Portanto, durante todo o período de nossa separação neste mundo da visível presença do Salvador, somos, contudo, depositantes pela fé de nosso eterno destino nas mãos de Jesus. E ele nos assegura de nos dar certeza disto na promessa. Duvidar disto é duvidar da veracidade ou do poder ou do amor de Jesus.

Se Jesus não guarda o salvo, de duas uma: ou Jesus pode nos guardar mas não quer, ou Jesus nos quer guardar mas não pode.

Mas a Escritura nega ambas essas hipóteses: Cristo “pode guardar”, diz Paulo. “A paz de Deus, que excede todo o entendimento (daí nossa insistência que esta verdade não é matéria de argumentação na fraca base naturalística, pois se trata do sobrenatural que está além dos raciocínios da lógica carnal), guardará os vossos corações e vossos sentimentos em Cristo Jesus”, Filipenses. 4.7. O sentido é: a “paz de Deus”, qual sentinela posta á porta de tua personalidade emotiva e pensante, “guardará”. E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai, Eu e Pai somos um”, João 10.28-30.

Quanto á vontade divina de nos guardar, já mostramos que Deus estava “Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento… tenhamos a firme consolação”, Hb. 6.17, 18. Cristo “pode guardar”. Cristo quer guardar. E o juramento divino garante guardar. Logo podemos ter certeza de que Cristo guarda o crente.

Não pode, como Paulo, confiar na palavra de honra, na sinceridade e no poder de Jesus Cristo? Todos os recursos do Salvador estão empenhados na segurança do crente. Se nem o juramento divino nem o amor de Cristo podem te desalojar da mente a lógica carnal que não quer crer, sem duvidas, esta forte fé de Paulo uma mistificação, e nunca deves cantar:

“Não sei porque de Deus o amor

A mim se revelou,

Por que razão o Salvador

Para si me resgatou

Mas, eu sei em quem tenho crido,

E estou bem certo que é poderoso

Para guardar o meu tesouro

Até o dia final.

Aliás se não acreditas nesta verdade, eu é o coração do Evangelho, precisas de nova Bíblia, novo cantor, nova religião e um Deus e Salvador diferente do que o Evangelho anuncia. Tens de cogitar em uma religião em que tu te guardes a ti mesmo. Essa nunca será religião cristã.

Sobre o intercambio de “depósitos”, falarei adiante. Agora cito outra passagem que proclama a guarda do crente pela vigilância divina. Jesus pergunta. “Ou, como pode alguém entrar em casa do homem valente, e furtar os seus bens, se primeiro não maniatar o valente, saqueando então a sua casa?”, Mat. 12.29. Duas interpretações são possíveis: Ou Jesus é o valente. E Satanás, para entrar e tirar-lhe os bens depositados sob sua responsabilidade, tem de ser mais forte que Jesus, amarrar Jesus e então roubar-lhe os salvos.

Ou Satanás é o valente, e Jesus entra na sua casa lhe tira os bens, as almas escravizadas ao seu domínio, e toma posse dos libertos, seguro na possessão destes bens Jesus. A ilustração é brusca, porém mais brusca é a batalha titânica entre as forças invisíveis do bem e do mal. E, várias outras vezes, Jesus se compara ao ladrão que entra de noite, ao injusto juiz, etc., sem se comparar aos seus métodos iníquos.

Mas seja qual for a interpretação, das duas possíveis, que adotamos, Jesus espolia o Diabo. “O Príncipe deste mundo” veio ao seu encontro na cruz, mas nada tinha nele. Cristo, diz Paulo, “E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo”, Col. 2.15. Éramos a presa de Satanás. Cristo nas horas das trevas do Gólgota venceu o valente e, de uma feita, “roubou” ao ladrão seus bens. “Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro”, Ef. 4.7. Subiu ao trono, já dono de todos os eleitos quantos Satanás conseguisse dominar através dos séculos. Jesus na liça do Calvário dominou de uma feita o cavaleiro do inferno. Agora quando no momento do arrependimento e fé, o divino Libertador toma conta dos “bens” imortais da personalidade humana pessoas nas mãos de Satanás, ele os tira de um inimigo já vencido que nunca mais poderá resistir ao Salvador. Basta sua Palavra autorizada: “Sai de diante de mim, Satanás”, para que o Inimigo de nossas almas se ponha em debandada. “Somos mais que vencedores por aquele que nos amou”. Que vem a ser essa super-victoria, “mais que vencedores”? Alguém já respondeu: Se nós fossemos, em luta encarniçada, travar longo combate e feridos, cansados e de flâmulas rotas saíssemos vencedores, era alguma coisa. Mas iniciamos a vida cristã em plena vigor e saúde, vencedores sem necessitarmos de entrar na liça sozinhos contra Satanás. Vencemos na pessoa de nosso representante, Jesus, com Israel venceu Golias na pessoa do seu representante, David. Nossa é a vitória sem darmos um golpe. Somos mais que vencedores, pois somos vitoriosos na pessoa de nosso divino Vigário, “mais que vencedores POR AQUELE QUE NOS AMOU”, De sorte que temos a confiança do amado João (I João 5.18): “SABEMOS que todo aquele que é nascido de Deus não peca (presente de ação habituada, não continua pecando); pelo contrario Aquele que nasceu de Deus (Jesus Cristo), guarda-o e o Maligno não o segura”. A segurança em Cristo dos salvos, ou a segurança da presa de Satanás na sua posse diabólica – a humanidade toda se acha numa destas duas seguranças. Qual é a tua?

O ASPECTO PROGRESSIVO DA SALVAÇÃO E’ GARANTIDO POR DEUS NAS SUAS PROMESSAS

Salvação é uma decisão jurídica de Deus, de um ponto de vista. É um novo nascimento, sob o aspecto biológico, o inicio da vida eterna. É uma adoção, do ponto de vista do coração paterno de nosso Deus. É uma renovação santificadora, do ponto de vista moralista, começando numa nova mentalidade, implantada pelo arrependimento, e continuando progressivamente até á morte, na educação da consciência pelo Espírito e pela Palavra de Deus e no desenvolvimento de dons e no desenrolar do eterno propósito de Deus na vida do salvo. Se Deus apenas nos declarasse justos á vista do mérito de Cristo, sacrificado em expiação de nosso delitos, mas nos deixasse sem impulsos íntimos para a justiça pratica, seriamos uma contradição moral, uma hipocrisia no intimo, um conflito entre o propósito divino e a tendência humana da vida do crente. Mas Deus primeiro nos trata como justos, pelo amor de Cristo, e então vai nos tornando bons pela obra do Espírito Santo. Toda a Trindade se empenha em nossa salvação e segurança. Deus Pai ama, prova, aceita, providencia, move todos os poderes do universo, fazendo que tudo coopere para o bem dos seus eternamente escolhidos que o amam. O Filho nos ama, se encarna em nossa natureza, expia, morre, ressuscita, intercede por nós, se ativa em nosso beneficio, como Medianeiro, Fiador, Sacerdote, Salvador, Rei, e em infinitas e inúmeras capacidades protetoras. O Espírito regenera, santifica, sela, vivifica, orienta, inspira nossa oração, geme também sobre nossos pecados como eterno Intercessor e nos prepara para as mansões eternas. As dívidas pessoas cooperam. Levam avante de vez, unidas, toda a obra da salvação. Ativam-se nos céus, na terra, no passado, no presente e no futuro, na consciência, na mente, nos afetos, no caráter e na conduta do crente, operam na natureza física, na natureza individual e social, na providência, na vida dos povos e na historia. Todos os recursos do universo respondem ao mandado de Deus em cumprir seu propósito redentor.

Pois bem. Certos aspectos jurídicos, adotivos e biológicos da salvação se realizam de vez. Mas a vida, o caráter, a conduta, a santificação na sua fase gradual, o crescimento em Cristo são desenvolvidos progressivamente pela obra do Espírito em nós. Mas Deus que a começa há de levá-la ao seu acabamento, como e quando ele entender. Ninguém fica lembrando por Deus Pai e esquecido por Deus Espírito Santo, justificado pelo filho, mas não regenera para depois abandonar o recém-nascido como um enjeitado de Deus. Toda a Trindade cuida sempre de toda a obra de salvação, nas suas múltiplas fases jurídicas, morais, sociais, progressivas e afinal a consumação de tudo na glorificação do salvo na felicidade celeste.

A justificação garante a glorificação. A obra que Deus efetua de vez é sua garantia do Progresso e acabamento da salvação através da experiência cristão.

Eis a idéia. Agora leiamos a declaração da idéia pela Palavra de Deus: Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo, Fp. 1.6.

O qual vos confirmará também até ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo, I Cor. 1.8. (Paulo assim fala na pior igreja na historia apostólica e contínua: “Fiel é Deus pelo qual fostes chamados”, considerando o acabamento da obra salvadora iniciado por Deus uma questão de honra no caráter divino).

(a) Há tantas outras considerações bíblicas que se poderiam acrescentar, mas o espaço não o permite. Quase todas as doutrinas estão presas a esta verdade como o navio todo está preso á ancora. Vejamos sua união com tantas doutrinas. (a) Na doutrina de Deus Pai, esta verdade se associa com seu eterno conselho, com seu juramento e veracidade, com seu plano de redenção, e com a sua Previdência que nos cerca das garantias divinas: “Sabemos que aos que amam a Deus, todas as coisas lhes cooperam para o bem, a saber aos que são chamados segundo seu propósito”. Eterno propósito, chamada eficaz – amor a Deus derramado em nossos corações – a mão divina na tecelagem de todos os fios da providencia, também divina, da historia humana, levando todos os pormenores ao fabrico da peça da divina arte e segurança evangélica, a que podemos dar o nome de BEM – eis as idéias desta passagem.

(b) Deus o Espírito está associado com esta verdade em convencer, regenerar, dar a vida eterna, santificar e selar o crente. “Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Cristo.

(c) Deus o Filho expia totalmente, salva completamente, justifica de vês, sempre intercede, é o divino Gerente que guarda nosso deposito de fé. Paulo exclama que Cristo não é somente a cabeça de nós, seu povo, mas que Deus o E qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro. Sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, Efésios 1.19-22. Igreja aqui significa a totalidade dos salvos na terra, a Igreja Geral. Cristo é Cabeça dela, e Cabeça do Universo em prol dela. Todas as forças contrárias estão debaixo de seus pés. Como nos poderão destruir? Males e bens, inimizades e camaradagens, lar e negocio, Estado e Sociedade, perseguição e pobreza, força físicas, forças intelectuais, forças satânicas, forças naturais, força sobrenaturais – todas estão sob os pés triunfantes de Jesus. Ele é a Cabeça do céu, da terra, do mar e do inferno, para a defesa de seus santos. Não há força neste universo que não lhe seja subordinada. Não admira, pois, o sublime poema da segurança do crente com que Paulo termina o Capítulo Oitavo de sua Epistola aos Romanos – “nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que é em Cristo Jesus nosso Senhor”.

(d) A igreja é corpo de Jesus. Ele não perde com o seu juízo eclesiástico a quem Jesus sua salva. Paulo entregou um crente perverso a Satanás. Mas é “para a destruição da carne, afim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor”, I Cor. 5.5, e vemos, em II Cor. 2.5-11, que ele demonstrou ser salvo, a igreja ficou convencida disto, ele foi aceito de novo como membro e o juízo da igreja nada fez em anular, mesmo provisoriamente, a salvação recebida de Jesus.

(e) Há um só batismo. Se houvesse varias salvações, havia vários batismos. E’ uma só vez que o homem se salva. Logo, repudiados, em Atos 19, fora, de pecadores ignorantes da existência e da obra regeneradora do Espírito Santo. E’ impossível batizar um incrédulo, tão impossível como é casar um feto, educar um idiota, coroar rei de uma pátria um defunto, ou hospedar no Brasil um desconhecido que se acha no coração da China. Batismo só é batismo, sendo de crente. E, sendo de crente, é um só, pois proclama simbolicamente a salvação eterna e nem esta nem aquele se repetem.

(f) A Ceia mostra a continuação de nossa vida. Nós nos alimentamos de Jesus crucificado, pois seu sacrifício se fez uma vez para sempre. Seu sangue, simbolizado no vinho, purifica de todo o pecado, (I João 1). O Pão da vida, não é recebido como o maná, diariamente, mas é “comida que permanece para a vida eterna”. Comemos a Ceia muitas vezes para nós nos lembrar constantemente que vivemos eternamente de Jesus, uma vez no fim dos séculos oferecido para tirar o pecado.

(g) A doutrina do céu seria desoladora sem a segurança do crente. “Assim vos digo que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”, Lucas 15.10 – jubilo no céu, v. 7. Quem está “na presença dos anjos”? Alguém responde: Jesus. O Salvador se rejubila na presença de sua casa celeste, quando vê das moradas eternas um pecador na terra experimentar o arrependimento para a vida. “Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito”, Isaias 53.11. Lemos também do cântico de Moisés e do Cordeiro. Sem duvida, os crentes de todas as épocas se rejubilam com o Salvador no novo fruto de sua paixão redentora.

Mas alguém dirá: “Senhor Jesus, não será precipitado o teu jubilo, assim como o da tua santa companhia? amanhã esse arrependido perderá a salvação, e então o teu jubilo se converterá em vergonha. Não seria mais prudente adiar o jubilo no céu até que o arrependido chegue ao céu?” Mas, sem duvida, Jesus não é nenhum insensato, para regozijar-se numa vã esperança. Se ele se rejubila, quando salva, é porque ele conhece a eternidade da sua salvação. O céu continuará a ecoar aos cânticos de gloria quando um pecador começa a vida eterna, pois o que Jesus principia, Jesus acabará. A tua lógica carnal e incrédula jamais será ouvida no céu. Jesus não vê sua obra em falência. Tem recursos para salvar e salvar completamente. Eis que o céu é o nosso anfiteatro e contempla com palmas e aleluias o nosso curso de crentes no atletismo do espírito. “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus”, Hb. 12.2. Quem principia a fé, a consumará. Jesus é autor da nossa fé. Será o consumador dela. Ele sabe porque se rejubila quando alguém na terra crê para a vida eterna. Ali naquelas arquibancadas celestes estão os remidos na gloria. Se o rico no inferno olhou para a terra e teve interesse no curso de seus irmãos carnes, será menor a expectativa dos santos em luz? Podemos crer que naquele grupo que com Jesus no meio nos contempla estão o pastor João Borges da Rocha, Noemi Campelo, José Nogueira Paranaguá, Thomás Aguiar, Salomão Ginsburg e uma hoste de brasileiros redimidos. Ouvimos seu brado exultante de vitória quando contempla a nossa obra de evangelização, nossa luta pela coroa real do Salvador. Bunyan nos representa que o Peregrino, na casa do Interprete, viu esta assembléia de espectadores de nossa luta:

“Em seguida levou Cristão a um sitio mui aprazível, onde se regia um soberbo e suntuoso palácio, em cujas ameias estavam pessoas vestidas de oito”. Eram os espectadores da luta cristã que travamos, e ao findar-se esta luta subiu das suas vozes um grande jubilo como a voz de muitas águas: “Entre, entre, e gozareis a eterna gloria”. Mas Jesus entende mais disso do que Bunyan, e ele nos informa que começa o jubilo quando um pecador se arrepende. São reforços na linda de batalha, os novos que crêem.

Todas as doutrinas são uma unidade. Esta fica na harmonia da verdade como o coro num bimo. Não há fase teologia que não seja associada com esta verdade.

Celeste, estranho coro,

Jamais ouvido aqui,

Com seu poder excelso,

Agora, alegre, ouvi;

E’ o canto dos arcanjos,

Louvando o Salvador,

Dizendo que na terra

Foi salvo um pecador.

Sublime e doce canto

Da nossa pátria além

Só ouve o que contrito

A Deus por Cristo vem.

Tão lento e brando soa

Ao peito dando paz;

Da terra, pois os males,

A voz de Deus desfaz:

Que o vento e o mar mais alto,

Depois o canto seu,

Retumba pelo espaço

De sons enchendo o céu,

Da vaga o som bravio,

Da brisa o ciciar,

Da mata o passaredo,

Cantando ao despertar,

A mãe em doce canto

Ao pé do filho seu,

Não tem aquele encanto

Da linda voz do céu.

Ao meu ouvido chega

O canto sem igual;

Tão belo em sonho ouvira

Jamais qualquer mortal.

Meu canto extasiado,

Espera, sem cessar,

Unir-se a voz dos anjos

Ali no eterno lar.

CAPÍTULO III

OBJEÇÕES A’ ESTA VERDADE

Pressupusemos no principio que nossos leitores são sinceros, e portanto, tomariam na devida consideração os ensinos e promessas da Palavra de Deus. Poderíamos ainda multiplicar indefinidamente as passagens sobre este assunto. Mas nós também queremos ser sinceros e considerar, sem rodeios, as objeções que alguns crentes genuínos têm contra esta doutrina, algumas dificuldades que julgam bíblicas para aceita-la como a verdade. Caem em duas classes:

Há passagens bíblicas que, consideradas fora do seu contexto local ou do largo contexto do ensino geral da Bíblia, podem ser interpretadas de modo a contradizer as grandes promessas da salvador eterna. Mas nos pasma pensar que alguém, sendo crente, seja capaz de ficar satisfeito em combater uma Escritura com outra Escritura, em tronar sua argumentação uma arena bíblica onde se aglomerem passagens contra passagens quais feras num anfiteatro romano que se devoram mutuamente. Tal atitude á Bíblia não é reverente. Antes é nosso solene dever, mesmo como historiadores imparciais, dar a linguagem bíblica uma interpretação que nos permita crer e conservar o ensino harmonioso de toda a Escritura e não opor um versículo a outro.

Longe de provar uma teoria, isto destronizaria a autoridade divina que confessamos, e converteria em confusão e anarquia a Palavra da certeza evangélica. A Bíblia não se contradiz. Não há passagem bíblica que contradiga a doutrina bíblica de que o crente possui a vida eterna, nunca será condenado, mas já passou da morte para a vida.

Uma classe de passagens que alguns citam para provar a possível perdição de um crente desobediente é a considerável literatura da Lei de Moisés. A Lei de Moisés não é nunca foi Evangelho, nem possui em suas exigências caminho de salvação. A parte da Lei que continha certos e pálidos vislumbre e figuras da redenção por Jesus foi a parte cerimonial que simbolizava a reconciliação do pecador com Deus pela morte sacrifical de um Substituto, uma Vítima.

Paulo assim analisa a mensagem da Lei:

A Lei de Moisés dava ao adorador piedoso inúmeros novos começos de perdão. Cada sacrifício como que encostava os pecados anteriores até que viesse o Sacrifício divino, Jesus Cristo, que os havia de remover de vez e para sempre por uma só oferta de si no Calvário, aperfeiçoando assim, juridicamente, perante Deus mediante a fé todo o seu povo redimido. Assim o sistema mosaico da Lei era tão diferente do Evangelho de Cristo como Moisés era diferente de Jesus. Era uma revelação nacional, preparatória, efêmera, parcial, simbólica e elementar sobre a qual o Novo Testamento nos ensina: (a) Era a Velha Aliança, ab-rogada por Cristo, o qual nos deu a Nova aliança. “Porque serei misericordioso para com suas iniqüidades, E de seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais”, Hb. 8.12. (b) o aviso divino da falência da Velha Aliança foi dado por Deus Pai rasgando, de cima para baixo, o véu do Santo dos Santos, no templo, na hora da morte redentora de Deus o Filho na cruz. Assim ficou demonstrado que este centro e símbolo da lei cerimonial foi abandonado e repudiado por Deus que já não limitava a comunhão e reconciliação com seu povo a sacerdotes paramentados ou á mediação ou aos altares de tais, mas abriu um novo caminho através do véu do corpo crucificado de Jesus. Por ele nos podemos chegar a Deus, sem a mediação de terceiros, em plena confiança nas garantias do Salvador no seu Evangelho. (c) Nula, caduca, antiquada é a Velha Aliança e a citação de suas ameaças não alcança o crente salvo pela graça. Não vem ao caso citar Moisés ou as interpretações proféticas das exigências da Lei. Tudo isto foi completamente abolido, “cancelado o escrito de divida que era contra nós que constava de ordenanças”. Cristo “removeu-o inteiramente cravando-o na cruz”, Col. 2.14. Para que tirar esses velhos recibos, pagos, cancelados, furados e arquivados nos cravos da cruz do Calvário e nos ameaçar com suas caducas exigências legalistas?! (d) E’ preciso escolher entre Moisés e Cristo. Paulo testifica a quem quiser misturar Lei e Evangelho, a aliança de Cristo e aliança mosaica, que é absolutamente impossível. “E de novo protesto a todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei. Estais já separados de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído”, Gal. 5.3-4. Moisés foi constituído o piloto da barca que se chama Velha Aliança. Jesus é o Timoneiro da Arca da Salvação. Não podes embarcar para o céu em ambas. Mister escolher. Se és passageiro de Moisés, não estás na lista dos que navegam com Jesus para o porto celeste. Ninguém vai com um pé no convés onde Moisés comanda e outro pé ao lado de Jesus no convés da Arca da Salvação. Essa duplicidade não é permitida. Se não confias absolutamente em Jesus, ficas distanciado dele, decaíste da prancha da graça da arca da salvação para a barca frágil e medonha de Moisés. Com Paulo disse aos Romanos sobre a eleição da graça: já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra, Rm. 11.6. Deixa amigo, de confundir obras e graça, Moisés e Jesus. Lei e Evangelho, Nova e Velha Aliança, salvação por teus esforços e mérito, e salvação pela graça mediante a fé em nosso Senhor Jesus Cristo.

Muito digno objector, tua dificuldade é que ambicionas salvação por Jesus e segurança por tua própria fidelidade. Deixa-te desse ecletismo de judaísmo e cristianismo. A religião de Jesus Cristo não é mestiça. Tal cristianismo-judeu é uma esperança bastarda e bastarda nati-morta. Não apertes ao teu seio esse cadáver infantil, oriundo de uma união ilegítima e fraca. Fede. Corrompe. Contamina. Se estás preso a esse defunto sistema legalista, clama como Paulo clamou: “Infeliz homem eu! Quem me livrará do corpo desta morte?” E a resposta virá como o brado de vitória daquele que João em Patmos viu sentado sobre um cavalo branco e foi lhe dado uma coroa, e ele saiu vencendo, e para vencer. E Paulo, da sua miséria, soltou-se pela fé para a certeza e gozo de uma salvação eterna e exclamou: “Graças a Deus Jesus Cristo nosso Senhor” é que fico livre do cadáver desse legalismo morto e mortífero que me arrastava para a miséria. “Agora, pois, nada de condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. (e) Pois bem. Não te amedrontes com as ameaças do Sinai, se tu estás abrigado em Jesus. Ouçamos sem receio os trovões da Lei, “pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”, Rom. 6.14. (f) Em vivo contraste com tua segurança na Arca da Salvação, “desligado da Lei” como estás, Romanos 7.6, está o caso do homem desabrigado da graça de Deus, que está debaixo da Lei, exposto á tempestade de seu justo furor contra a iniqüidade humana. “ Ora Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas”, Romanos 10.5. “E o mandamento que era para vida, achei eu que me era para morte”, Romanos 7.10, “Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o SENHOR”, Lv. 18.5. Assim o sistema legal exige perfeição. Tudo ou nada. “Pois todos quantos são das obras da lei, estão sob a maldição, porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritos no livro da Lei para fazê-las. E’ claro que pela Lei ninguém é justificado diante de Deus, porque: O justo viverá da fé. A Lei não é da fé, mas: Aquele que faz estas coisas viverá por elas”. Duas religiões completamente antagônicas, pois, são a Lei e o Evangelho. A Lei condena o ofensor por uma só ofensa. A Lei só justifica quem não ofende. Para pecadores, ela não tem uma só promessa de salvação, uma só palavra de esperança. Moisés, os profetas, Jesus e Paulo procuram tornar isto claro. A Lei sempre condena, nunca salva. Mas ela condena os que estão sob sua jurisdição, os que são do regime legalista, não os crentes em Jesus, que não são desse regime. Quão diferentes, pois, os conselhos oportunos aos adeptos dos dois sistemas. A qualquer se recomende a Deus por seu mérito e seus esforços a Lei exige perfeição moral, como única esperança. Justifica-se por suas obras. Mas a quem crê em Cristo, o Evangelho lhe promete vida eterna, justificação sem obras da Lei, pela obra meritória de Cristo sem seu lugar. Não pode haver maior violência ao sentido da Bíblia, do que a de ignorar ou confundir estes dois regimes e tirar a linguagem de um para aplicá-la aos adeptos do outro.

Seguem varias passagens da exigência da Lei, que são citadas, indevidamente, para a condenação do crente, que não está debaixo da Lei:

“E os tirei da terra do Egito, e os levei ao deserto, Ez. 20.10. Mas a casa de Israel se rebelou contra mim no deserto, não andando nos meus estatutos, e rejeitando os meus juízos, os quais, cumprindo-os, o homem viverá por eles; e profanaram grandemente os meus sábados; e eu disse que derramaria sobre eles o meu furor no deserto, para os consumir”, Ez. 20.13. Este mesmo profeta era profeta da Lei, com uma missão especial para Israel, com uma visão de novo templo e nova era cerimonial complexíssimo: “Filho do homem, eu te dei por atalaia á casa de Isael; ouve, pois, da minha boca a palavra, e avisa-os da minha parte. Quando eu disser ao ímpio: Certamente morrerás; e tu não o avisares, nem falares para avisar o ímpio acerca do seu mau caminho, para salvar a sua vida, aquele ímpio morrerá na sua iniqüidade, mas o seu sangue, da tua mão o requererei Mas, se avisares ao ímpio, e ele não se converter da sua impiedade e do seu mau caminho, ele morrerá na sua iniqüidade, mas tu livraste a tua alma. Semelhantemente, quando o justo se desviar da sua justiça, e cometer a iniqüidade, e eu puser diante dele um tropeço, ele morrerá: porque tu não o avisaste, no seu pecado morrerá; e suas justiças, que tiver praticado. Ez. 3.18-20. A alma que peca, essa morrerá. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele. Mas se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu, e guardar todos os meus estatutos, e proceder com retidão e justiça, certamente viverá; não morrerá. De todas as transgressões que cometeu não haverá lembrança contra ele; pela justiça que praticou viverá. Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor DEUS; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniqüidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá”, Ez. 18.20-24. Assim o resto do mesmo capítulo e Ez. 33.12-19. Resume-se tudo na declaração de 33.12. – “Nem poderá o que for justo viver pela sua justiça no dia em que ele pecar”.

Tal doutrina é uma religião de desespero. Assim sendo, o paraíso de Deus ficaria deserto eternamente, absolutamente ninguém se salvaria. O pecado – um pecado por pessoa levaria todos ao inferno. Certamente, qualquer leitor vê que aqui não há Evangelho, nada da eficácia da morte do Messias prometido no Cap. 53 de Isaías, nada de justificação pela fé, nada de salvação pela graça. O individuo é um solitário no universo, sem possibilidade de se salvar. Tal linguagem é de um “atalaia” da Lei, do povo de Israel no regime antigo que já não existe. Não no pode fornecer informação alguma concernente ao tratamento que Deus dá aos seus filhos amados sob a graça salvadora da Nova Aliança.

A Lei sempre exige esta interpretação, para todos os sinceros. Jesus foi interprete também da Lei. O Sermão do Monte, em geral, não ensina palavra de Evangelho, nada de redenção, nada da morte expiatória do Calvário, nada absolutamente de esperança para a humanidade perdida. Jesus foi “ministro da circuncisão”, isto é, teve missão especial para Israel. Significou-lhe o alcance espiritual da sua lei. Ai daquele que só quer viver pelo Sermão do Monte! Suas exigências são infinitamente mais drásticas do que as do Decálogo. No Decálogo é réu o homicida, no Sermão do Monte, o que esconde ódio no seu intimo. No Decálogo morre apedrejado o adultero; no Sermão do Monte é adultero o que olha a qualquer mulher com desejos carnais no seu coração, Na Lei morre o blasfemo; Sermão do Monte, quem disser palavra de escárnio (“Raca”) ou “Tolo” a seu irmão “estará sujeito á Geena de fogo”. Um povo cujo único raio de esperança é o Sermão do Monte, seria de todos os povos o mais miserável. Nenhuma esperança de salvação o poderia tirar do desespero.

A linguagem do Sermão do Monte, em geral, é legalista, judaica, condenatória. Moisés encheu parcialmente o copo da Lei. Jesus, no Sermão do Monte, o enche até que transborda. E’ a Lei perfeita. E a todos os legalistas de seu dia, ele disse: “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus”. Está falando aos que se consideravam debaixo da Lei para mostrar-lhes a certeza de destruição sob a Lei que tanto reverenciavam.

E’ preciso lembrar que o Evangelho segundo Mateus, não é cronológica, mas narra primeiro o ministério de Jesus ás turbas de Israel. E’-lhe natural uma interpretação formal da Lei de Israel. Mas antes dos discursos públicos de Mateus encontram-se as palestras evangelizadoras de João e Jesus com seus seguidores, em João I-IV. Estas contêm o Evangelho. Os discursos e públicos a Israel tomaram como ponto de partida a Lei de Israel, mostrando sua espiritualidade e preparando-lhe o coração para perceber sua condenação e necessidade de outro caminho de vida que não seja pelas próprias obras da Lei que eram tão falha diante daquela mesma Lei em que confiava cegamente.

Temos a Lei espiritualizada (veremos adiante o valor cristão destes ensinos) no Sermão do monte. E temos a mesma alta e desesperadora exigência da Lei no caso de um individuo:

E perguntou-lhe um certo príncipe, dizendo: Bom Mestre, que hei de fazer (Que coisa boa farei, segundo Marcos) para herdar a vida eterna? Jesus lhe disse: por que me chamas bom? Ninguém ha bom, senão um, que é Deus. Sabes os mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe, E disse ele: Todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade. E quando Jesus ouviu isto, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa; (Se queres ser perfeito, segundo Mateus), vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; vem, e segue-me. Lucas 18.18-22.

Sabemos o resultado, mas nem sempre entendemos a medida usada por Jesus.

Tudo aqui é Lei. Nada de Evangelho.

E’ a base que o próprio moço lembra no começo como padrão pelo qual ele quer julgar sua vida. Jesus então o julga pelo padrão legalista por ele exigido. “Que coisa boa farei” para “herdar” a vida eterna? A vida será por “fazer coisa boa?” Então é por fazer todas as coisas boas e Jesus lhe mostrou sua perdição apontando obvia “coisa boa” que nem por sonho ele consentiria fazer.

“Se queres se perfeito” – só a perfeição dará entrada e tesouro no céu, no regime da Lei. Logo, Jesus exige e mostra o que é a perfeição.

Nem a parte mais espiritual da Lei foi tocada por Jesus. A primeira parte, sobre os deveres para com Deus, ele não a cita, a parte resumida da lei que nos obriga a amar a Deus com todos os deveres de nossa personalidade intelectual e emotiva. Jesus nem aborda a máxima exigência da Lei. Fica nas camadas inferiores pelas quais o moço seria capaz de julgar-se a si mesmo.

Nota como Jesus usou a Lei. Não citou os mandamentos segundo a ordem do Decálogo. Adiou por ultimo o primeiro mandamento do segundo grupo, a honra a pai e mãe, pois nisto o jovem piedoso se ufanaria logo. Mas Jesus logo menciona o adultério. Lógica preferência de assunto a um representante aristocrata de uma geração que Jesus classificou de “adultera”. Mas o moço nada confessou de delito contra este ou os demais mandamentos.

Porém, notastes que Jesus omitiu um mandamento, aquele mandamento do qual os catecismo católicos romanos fabricam dois mandamentos? Por que ele não citou: “Não cobiçarás”? Por que não quis logo uma afirmativa superficial e enganadora da parte do jovem. Antes de dizer a proibição esquadrinhadora, Jesus quis revelar ao moço que ele era violador da Lei pela qual ele queria ser julgado e na pratica da qual ele queria ser julgado e na pratica da qual ele esperava herdar a vida eterna.

“Ama ao teu próximo como a ti mesmo” – “Não cobiçarás”, são os lados positivos e negativos da mesma lei. Jesus exige que ele reparta com o próximo. Ele se irrita, pasma, melancoliza-se, vão embora de vez e para sempre, eternamente perdido no meio de suas boas obras, porque mesmo no terreno das camadas inferiores da sua idolatrada lei, ele é um legalista falho, condenado, perdido. “Não cobiçarás”. Sem Jesus citar este mandamento, o moço cai ferido mortalmente por este dardo da Lei.

O mesmo dardo farpado matou a soberba de Saulo de Tarso. Romanos VII é a historia da luta entre a alma de Paulo e alei de Moisés como sistema de justificação. Eu não teria conhecido pecado, senão pela Lei, pois eu não teria conhecido a cobiça, se Lei não dissera: Não cobiçarás. Mas o pecado, achando ocasião, operou em mim pelo mandamento toda a cobiça; porque sem a Lei o pecado está morto. Em outro tempo eu vivia sem a Lei, mas quando veia o mandamento, reviveu o pecado e eu morri.

De toda a Lei, o décimo mandamento é o auge e o poder esquadrinhador, por excelência, da consciência humana. Os outros mandamentos proíbe atos exteriores. Reverencia aos pais, adultério, sabatismo, homicídio, ladroeira, falso testemunho são todos atos exteriores ou se manifestam na vida exterior.

Mas no ultimo dos dez degraus da lei entramos no andar do invisível, do espiritual. Não cobiçarás. E’ proibido o querer, o desejar, a vontade que adultera, mata ou rouba no pensamento. Quem sobe a escadaria da moral pelo Decálogo chega pelo ultimo degrau á cidadela de seu espírito e que revelação ele encontra! Que decepção! Essa cidadela de seu espírito é um sepulcro caiado, cheio de ossos e de podridão. Sonhos defuntos de adultérios, homicídios e roubos, mentiras e irreverências e ainda os mil horrores que lhe povoam a memória, a imaginação e o pensamento, Oh! momento fatal! Quando a consciência, até aí satisfeita com o Saulo exterior, negativo, superficialmente moral, pisou no ultimo degrau da escadaria que deu entrada ao espírito do homem, ela ficou pasmada de horror. Que cárcere de demônios! Que deposito de imundícias! Que jaula de feras! E isto é o decantado moralista chamado Saulo de Tarso. A consciência, revoltada e indignada, deu rápida justiça. Com o dardo da Lei matou o réu de tanta miséria pensada, embora não praticada. Saulo “morreu”. Sua esperança legalista pereceu. Naquele dia, o soberbo velho-homem de Tarso morreu e estava em condições de se encontrar com Jesus em caminho para Damasco e crer nele e receber da graça divina o dom de Deus que é a vida eterna em nosso Senhor Jesus Cristo.

Parece estranho a alguém a idéia de que a Lei incentiva o pecado, quando a Lei proíbe o pecado. Mas esta é uma lição elementar da psicologia. Quando Deus proibiu comer de uma certa árvore no Éden, todas as demais árvores do jardim perderam sua graça Eva cobiçou a proibido, o mesmo pecado que mais tarde matou a soberba da confiança carnal de Saulo de Tarso. O confessionário mantido pelo clero romanista tem aí sua fraqueza. O pároco é obrigado a fazer perguntas á jovem que informam sobre certas praticas e lhe estimulam a curiosidade e a cobiça. Uma boa mãe (mas pobre em psicologia) saiu de casa certa vez e disse aos seus pequenos: “Não metam feijões nas narinas enquanto eu estiver fora”. Quando voltou, toda a criança da tinha as narinas entupidas de feijões. A lei estimulou a desobediência. Por isto se diz: “O melhor governo é o que menos governa”.

Mas, mas, me perguntará alguém: Deus não entende a psicologia humana? Ele esperava coisa diferente como resultado do método legalista de religião? Certamente, ele entende o homem que criou; e certamente ele não esperou outro fim do legalismo senão o fracasso da justiça humana e a prontidão humana em sentir a necessidade do Salvador que ele havia de enviar na plenitude dos tempos. Por isto, Paulo nos esclarece, na Epistola aos Gálatas – e a mesma idéia se acha na Epistola aos Hebreus – que a Lei era um parêntese na vida humana, uma medida provisória para aprofundar a convicção do pecado e a impotência moral, e criar um sentido profundo de que o homem estava perdido e necessitava de um Salvador. Também a Lei veio depois do Evangelho da justificação pela fé, (que foi conhecido por Abraão, Gen. XV) sendo dada apenas a uma pequena nação, para na vida desta ensinar suas lições de moral e de derrota do mero moralismo á raça toda, mas sempre houve alguma percepção do alcance da fé em Deus, como se verifica pelo rol de crentes que é o Cap. 11 da Epistola aos Hebreus.

“A Lei foi o nosso pedagogo para nos conduzir a Cristo”, e uma vez conhecendo a Cristo, acabou-se a nossa necessidade do ministério do Escravo-Tutor que nos escravizava.

Bem. Todas estas passagens, no Velho ou Novo Testamento, que definem a Lei, ensinam que, no regime legal, faltando cumprir um jota ou um til da Lei, estamos eternamente perdidos. “Pois quem guardar a Lei toda, porém tropeçar em um só ponto, tem tornado culpado de todos”, Tiago 2.10. Isto não é Evangelho. E’ Lei – declaradamente Lei, Lei real, legalismo genuíno. Isto arrastaria todos nós ao inferno, pois o mesmo Tiago confessa: “Pois todos nós tropeçamos em muitas coisas”. Ti. 3.2. Mas não há motivo de tirar esta idéia do seu contexto legal e atribuí-la ao Evangelho e ao destino do crente que tropeça. O Evangelho é: “Pois assim amou Deus ao mundo que deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna”. Logo, o Evangelho nos diz claramente e inúmeras vezes, em passagens declaradamente evangélicas, que o crente não perece quando erra ou tropeça; mas, sendo espiritualmente vivo, continua a viver em Cristo eternamente.

Outra classe de passagens que pode parecer ensinar o contrario do Evangelho da vida eterna são as admoestações da Epistola aos Hebreus.

Convém primeiro entender a situação que provocou esta epistola e estas exortações. Os Hebreus em consideração eram crentes, pelo menos em nome. E chegara a hora da provação que havia de revelar quais eram os crentes genuínos e quais os hipócritas. O fogo do nacionalismo dos fanáticos fariseus tinha suas divisas separatistas, sua inquisição sacerdotal, sua terrível propaganda em todo o mundo romano contra Roma e vinha se aproximando a data da queda de Jerusalém a cuja certeza esses fanáticos eram cegos. Pressão horrível se fazia contra o Hebreu crente. Patriotismo e religião se confundiam. Abandonar a religião de seus pais era traição á pátria. Tudo se apressou para abrir um abismo intransponível entre o judaísmo e cristianismo, de foram que ninguém pudesse ficar com a nação dos Hebreus e a comunhão cristã com Jesus Cristo.

Nesta pavorosa época, a Epístola aos Hebreus é a apologia da nossa fé, é um vitorioso e destemido brado que o cristianismo é SUPERIOR ao judaísmo a sair do arraial do judaísmo nacionalista com Jesus foi morto fora do arraial de Jerusalém.

Bem. O abismo está prestes a abriu-se. Escolhe, filho de Israel. Tua nação crucificou a Cristo e agora exige que nenhum Judeu seja cristão. Terrível abismo – a pátria de um lado, o Salvador do outro! A pátria te obriga, com ferro e fogo, a escolher. Qual será a tua escolha? A Epístola aos Hebreus procura orientar a mente vacilante da grei cristã entre os Hebreus para escolher a Jesus Cristo e este crucificado.

Imagina aquela cena, prezado leitor. Nem todos que se chamam cristãos ficarão a quem do abismo com Jesus Cristo. Quantos que andavam com ele na terra, no fim da jornada gritaram: “Crucifica-o”! como já vimos, seu discipulado professo quase na sua totalidade o deixou de vez, mas Jesus ainda pode exclamar, na sua oração pontifical: “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste … Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse.”, João 17.6, 12. Logo, entre aquele ex-discípulo não havia nenhum que Jesus, uma vês tendo salvo, depois se perdesse. Verificou-se o que Jesus dissera aos Judeus: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos”. Nota: Não diz, “Verdadeiramente sereis meus discípulos”. Mas, “Se permanecerdes… verdadeiramente sois…”. O futuro julgará o presente. Se sois genuínos, permanecereis. Se sois “discípulos” enganados ou fingidos, não permanecereis, porque não sois agora genuínos. Nem. Foi assim entre os Judeus do ano 30 como também entre os hebreus do ano 70. Não perdeu seus salvos. Apenas se desmascararam os crentes de fechada.

A Epístola aos Hebreus está cheia das mais solenes exortações a crentes tentados e aos que conhecem o Evangelho para que “não se descuidem de tão grande salvação”. O autor compara a massa mista de seus ouvintes ao Israel antigo: “Porque também a nós foram pregadas as boas novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram”, Hebreus 4.2. Sem que na argamassa da vida cristã professa haja a fé salvadora, tudo é como areia molhada, mas sem cimento. Uma vez o sol batendo nela com força, arruina-se, porque não possui consistência.

Um trecho da epístola em que alguns supõem provar que o crente se pode perder é Hebreus 6.4-9: “Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, E provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, E recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério. Porque a terra que embebe a chuva, que muitas vezes cai sobre ela, e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção de Deus; Mas a que produz espinhos e abrolhos, é reprovada, e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada. Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores, e coisas que acompanham a salvação, ainda que assim falamos.”

Seja qual for ensino desta passagem, não ensina que o crente pode ser salvo hoje, perdido amanhã e depois salvar-se de novo. Caso a referencia seja a um homem salvo que perdeu depois a sua salvação, então tal criatura está sem esperança. “E’ impossível renová-lo”. “Está perto da maldição e o seu fim é ser queimado”. Esta passagem prova demais, para a teoria que quiser abrigar-se nela. Ela prova a impossibilidade absoluta de qualquer futura salvação das pessoas que chegam ao estado nela descrito.

A quem, pois, se pode referir? Unicamente á classe de pessoas que nunca poderão ser salvas, as que cometeram o pecado imperdoável. Qual será, pois, este pecado? Quem são essas pessoas?

A Escritura nos permite ver o estado de certo investigadores do Evangelho que chegam mesmo á porta do reino de Deus e, até depois de avistar suas glorias e provar certas realidades preliminares da obra do Espírito Santo, recuam para a perdição, escolhendo a morte em preferência á vida. Deliberadamente rejeitam a Jesus Cristo uma vez para sempre, coma mesma finalidade com que o crente o recebe como Salvador uma vez para sempre. O Hebreu que gozava o privilégio dos cultos, aproximando-se bem perto do reino, mas, apavorado pelo abismo aberto entre a pátria e Cristo, ficou som a pátria e contra Cristo, bem podia ter sentido certas influencias do Espírito Santo, certo temor de Deus, certa realidade do mundo invisível. Mas, embora tão perto do reino, ele nunca entrou, mas ficou de fora, repudiou-o na hora angustiosa da provação, aliou-se com os fanáticos nacionalistas na sua fúria que seria capaz de crucificar de novo Jesus Cristo na pessoa de seus mártires fieis. Sem duvida houve não poucos Hebreus aproximados da salvação, mas que recuaram da porta do reino para uma perdição deliberadamente escolhida e eternamente irrevogável. Eu tenho encontrado alguns homens desta categoria no meu ministério. E um evangelista experimentado que eu conheço tem visto tantos, que em todas as suas series de conferencias evangélicas, ele prega um sermão, baseado nesta passagem, a tais criaturas que hesitam no momento de uma clara, nítida e deliberada aceitação ou o repúdio eterno de Jesus Cristo nas suas vidas. Seu sermão tem por tema: “O lugar onde as luzes se apagam no caminho para o inferno”. Para os tais Hebreus, “quase induzidos”, todas as luzes da esperança se apagam uma vez para sempre.

A respeito das pessoas que margeiam tamanha crise de sua alma imortal foram escritas as palavras daquele hino tão comovedor:

“Quase induzido” a crer em Jesus;

“Quase induzido” a andar na luz!

Não queiras replicar:

“Quando tiver vagar,

Espero então chegar para Jesus!”

“Quase induzido!” O’ coração!

“Quase induzido!” Faz decisão.

Hoje o bom Salvador,

Com voz de terno amor,

Convida o pecador; escuta e vem!

“Quase induzido!” Decide já!

“Quase induzido!” Tarde será!

“Quase” não servirá,

“Quase” te perderá,

“Quase” te lançará na perdição!

Talvez estas palavras sejam lidas por alguém que sabe que está perto do reino, que sentiu o poder de Deus nos cultos evangélicos, que tem verificado sua força sobrenatural na vida dos crentes, que tem sentido a obra do Espírito Santo, na espiritualidade dos cultos, na pungente força do sermão, na ternura de um cântico, na eloqüência de uma vida sacrifical, e mesmo na convicção de seus pecados, obra do Espírito de Deus, mas, a despeito da paixão de Cristo, e a reprovação do Espírito e a Palavra de Deus que corta como espada de dois gumes, ainda teme “deixar a religião de seus pais”, ainda recua diante de um nacionalismo que na sua faina sectária procura abrir um golfo abismal entre Jesus Cristo e a pátria, - a tal eu previno que se rejeita como Salvador o Cristo de quem já chegou tão perto, sua alma está irremediavelmente apartada de Deus, não haverá para ele mais remédio nem nova oportunidade. As luzes se apagaram no caminho para inferno. Escolheu as trevas. Nas trevas andará até cair onde há perpetuas trevas e ranger de dentes. Lede, amigos, se estás margeando essa horrenda perdição, o trecho do solene aviso do vosso perigo na Escritura citada e o hino dos “quase induzidos” e, com um passo resoluto, deixa e de vacilações e temores e entra e pela fé em Jesus no seu reino que não tem fronteiras no espaço ou no tempo.

O contexto desta passagem esclarece seu sentido. Tais homens que não podem ser salvos são comparados á terra que “produz espinhos e abrolhos e seu fim é ser queimada”. Outra vez vemos o estado desesperador de tais pessoas. Aqui não se trata da possibilidade de alguém ser salvo hoje, perdido amanhã, salvo de novo, perdido em seguida e assim ad infinitum. E’ uma decisão feita uma só vez e que destina o seu autor á “maldição”, “a ser queimado”.

Logo em seguida, o autor da Epistola diz: “Porém, quanto a vós, amados, estamos persuadidos de coisas melhores e coisas que acompanham a salvação”. Logo, o estado daqueles contemplados em 6.4-6 não é tão visinho da salvação que seja participante da mesma.

Outro sim, é precisamente no fim deste capitulo que temos a passagem fortíssima sobre o juramento divino de nossa segurança, que já explicamos. Deus não havia de se contradizer tão cruel e insensatamente em parágrafos sucessivos.

A outra principal passagem nesta Epistola que é interpretada, erradamente, no sentido de ser ameaça da perdição de pessoas salvas, é Hebreus 10.26-32. Cremos, firmemente, que isto trata do castigo divino, nesta vida, do crente rebelde e assim a discutiremos adiante.

Há outras passagens na Epístola aos Hebreus que, isolada da “forte consolação” do resto da Epistola poderiam ser interpretadas contrarias á verdade da salvação eterna do crente. Mas, compreendidas no seu contexto e nas circunstâncias destes Hebreus, claramente visam pessoas indecisas no meio dos crentes decididos e confirmados. Sobre todas elas diremos:

O autor afirma sempre a presença da incredulidade em Israel. “E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos que foram desobedientes? vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade. Mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram”, Hebreus 3.18, 19; 4.2.

Em todas as igrejas há sempre pessoas como Judas Iscariotes, Simão Mago, Demas e estes Hebreus, hipócritas, ambiciosos ou sinceramente enganados que na hora da prova demonstram nada saber das realidades da graça de Seus. Com tudo estão na sociedade externa cristã e a exortação tem de cirandar a comunidade, confirmando os crentes genuínos, afastando os Judas para irem “ao seu próprio lugar”, e evangelizado os indecisos que talvez ainda façam a escolha de uma fé vital e genuína. Isto explica especialmente a exortação mista dos escritos cristãos aos Hebreus – Mateus, Ef. aos Hb., Tiago, I e II Pedro.

Acompanham a denuncia dos incrédulos afirmações da fé genuína e segurança eterna dos crentes verdadeiros. “Porque nós, os que temos crido, entramos no repouso Hb. 4.3. Os crentes podem ser perturbados por uma tão cruel propaganda nacionalista contra o Evangelho; logo, a exortação visa confirmá-los na fé. “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé … retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu.”, Hebreus 10.19-23.

Há um terceiro grupo que dá ansiedade ao exortador. E’ o crente que vacila e, sendo crente verdadeiro, contudo dá motivo de se duvidar disto, alia-se em parte com a propaganda nacionalista por um patriotismo sincero mas errôneo, abandona as reuniões do povo perseguido, e até em dado momento chega a negar que é crente.

Pode um crente negar que é crente? Pode. Abrahão negou que era casado. Tronou-se solteiro por causa da mentira? Pedro negou que conhecia a Jesus. Era Jesus desconhecido a ele de fato? Muitos crentes se desviam e Deus os segue e os traz de novo á fidelidade. Jesus orou por Pedro, e, prevendo a mentira do apostolo, pediu a Deus que no meio da mentira sua fé não falhasse. Logo, não falhou.

A tais crentes temos a exortação: “TEMAMOS, pois, que, porventura, deixada a promessa de entrar no seu repouso, pareça que algum de vós fica para trás.”, Hebreus 4.1. Pedro pareceu ter falhado. Também Salmão. Também David quando fornicou com Bate-Seba. Aos tais temos também as pavorosas ameaças do castigo em Hebreus 10.23 e nas denunciações dos profetas porque, sendo crentes genuínos, deram “ocasião de blasfemar”.

Todas estas três classes havia entre os Hebreus. Daí a variedade das exortações. Mas tais exortações não anulem as promessas.

Afora estes dois grupos de passagens, a Lei e a Epistola aos Hebreus, há ainda muitos textos isolados que alguns interpretam isoladamente em sentido oposto a esta verdade, mas sem razão.

Alguns pensam, por exemplo, que Paulo teve medo de perder a salvação. Mas sabemos o contrario por sua declaração de que Cristo “pode guardar” o seu depósito “até aquele dia”, e inúmeras outras passagens. Mas contra todas estas promessas fortes se lança o versículo em I Cor. 9.27, em que o apostolo expressa receio “pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado.”.

Primeiro vejamos o que significa rejeitado. Significa reprovado num concurso atlético, não merecedor da coroa dada ao vencedor. Nas taboas dos juízes dos jogos havia uma lista dos “Aprovados”. Todos corriam a fim de figurar nesta lista e receber a coroa de louros que se dava aos vencedores. Os demais eram rejeitados do privilegio de receber a coroa, “não aprovados”, para esta insigne honra, mas nada perderam do que já gozavam. Ainda tais atletas estimados, com todos os direitos de correr de novo, ou deixando de correr, de ficar com os direitos de sua cidadania. Não ganhar a coroa pode representar falha na vitória, a perda da coroa, a falta de galardão, mas absolutamente não significa, neste contexto atlético, a perdição eterna, embora em algumas outras passagens sem este contexto de atletismo tenha significação moral de réprobo.

Nota a passagem toda. O contexto sempre esclarece o texto. “Todos os atletas em tudo se moderam; aqueles, com efeito, para receber uma coroa corruptível, mas nós uma incorruptível. Eu por minha parte assim corro; não como na incerteza; de tal modo combato, não como açoitando o ar; pelo contrario, esbofeteio o meu corpo e o reduzo escravidão para que, havendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser rejeitado.”

A mensagem que Paulo estava pregando era a temperança, o esforço e a experiência. Tudo para ganhar o galardão. Falando do seu ministério sacrifical, declarou, neste mesmo contexto, “se faço isto (pregar o Evangelho) de vontade própria, tenho galardão”, v. 16. O capítulo inteiro é uma doutrina do galardão do obreiro cristão como atleta no reino de Deus. Ora, quem treinou a tantos atletas cristãos como Paulo, de certo cuidaria em si para que por sua vez não perdesse a coroa de vitória no concurso atlético dos prêmios celestes. Mas já era salvo, antes mesmo de encetar este curso, como todo o atleta tinha de ser cidadão antes de se arrolar no concurso. Paulo não teve nenhum medo de perder a salvação, mas sim a coroa. Nem todos os cidadãos têm direito a coroas, mas apenas os aprovados como vitoriosos na luta. Paulo temia, como ministro do Evangelho, ser semelhante a alguns treinadores de atletas, que sabem ensinar a outros como vencer num concurso, mas não sabem praticar o que ensinam e não podem alcançar a coroa da vitória.

Contudo seu temor neste sentido era o temor do atleta que é levado pelos seus receios a maior esforço, mas Paulo, mesmo aqui, não corre “na incerteza”, nem combate como açoitando o ar. Poucos anos depois, ele empregará a mesma figura do concurso atlético e dirá: “Tenho acabado a carreira… me está reservada a coroa”.

Outra passagem muito citada para combater a “forte consolação das promessas” é: “Aquele que pensa estar em pé, veja não caia”. E’ conselho de prudência e humildade, mas não vem ao caso. Tiago diz que em muitas coisas tropeçamos todos, mas nos levantamos e prosseguimos na peregrinação cristã.

O contexto mais uma vez ilumina o texto. Segue imediatamente esta sentença: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.”, I Cor. 10.13.

Um colega meu estava pregando um dia sobre este assunto e disse, ironicamente: “Outro dia vi uma senhora distinta sair para passear com seu filho. Daí a pouco o menino tropeçou e caiu na lama e sujou-se todo. Que fez sua mãe? (Pausa). Ela deu na cara do menino, acoitou-o com a sombrinha, e empurrou para a rua zangada, dizendo: Você caiu. Já não é meu filho. Vá-se embora”. Aí uma senhora simplória entre os ouvintes que não percebeu a ironia, não se pode conter e o interrompeu a indignada: “Tu mentes. Eu bem sei que nenhum coração de mãe seria capaz disso”.

O meu colega sorriu e agradeceu o caloroso aparte e disse: “A senhora tem toda a razão. Nenhum coração de mãe seria capaz disso. Não. Não foi isto que eu vi. A mãe pressurosamente levantou e confortou seu filho, tomou seu lenço e lhe limpou as lagrimas do rosto, ajudou-o a por sua roupa em ordem, beijou-lhe as faces e tomou-lhe a mão, exortando-o a ter mais cuidado e prosseguiram a viagem”.

E terá Deus um coração de menos ternura do que o coração de uma boa mãe? De onde veio a compaixão materna senão do coração do Criador das mães?

Não posso imaginar uma doutrina mais bárbara do que supor que Deus mandará para o inferno seus filhos que caem. Se um pai terrestre, quando seu filho cai em falta, lhe tomasse o do mínimo e o ferisse com uma brasa, nós o entregaríamos ás autoridades para punição severa, mas somos tão injustos que supomos, em defesa de um dogma indefensível, a dos romanistas e legalista, que Deus tomará um seu filho e por uma falha o lançará no inferno eternamente? Nosso Deus será um bárbaro? Trata seus filhos pior do que nós tratamos os nossos? A idéia é blasfema. Deus corrige os pecados de seus filhos, mas nunca lançou nenhum no inferno.

Alguém pergunta: “Então quem vai para o inferno senão os filhos de Deus? Não são todos os homens filhos de Deus? Absolutamente não. O inferno foi feito “para o Diabo e seus anjos”. E, aos Judeus incrédulos, Jesus disse: “Vós sois do vosso Pai o Diabo”. Quando rejeitaram a Cristo, escolheram a casa de seu Pai. Para lá se dirigem por gosto, por sua livre e espontânea vontade. E ali a punição é ministrada com justiça. Aquele servo que não sabia a vontade seu Senhor e não a praticava, seria açoitado com poucos acoites. Mas nenhum filho de Deus irá para o inferno. Iremos para casa de nosso Pai, disciplinados nesta vida, para sermos seus filhos dignos, nas mansões celestes.

Em Mateus 12.43 lemos: “E, quando o espírito imundo tem saído do homem, anda por lugares áridos, buscando repouso, e não o encontra. Então diz: Voltarei para minha casa donde saí; e, ao chegar, acha-a desocupada, varrida e ornada. Depois vai e leva comigo mais sete espíritos piores do que ele, e ali entram e habitam; e o ultimo estado daquele homem fica sendo pior do que o primeiro. Assim também acontecerá a esta geração perversa”.

Parece haver três “estados” desde homem: sua vida sob o domínio de um espírito imundo, sua livre daquele espírito, e sua vida aliada ás proezas de oito demônios. Mas Jesus só admite dois: “o ultimo estado”, “pior do que o primeiro”. Nunca houve salvação nessa experiência.

O demônio também só admite dois estados. ele saiu por gosto, não por sido expulso pelo poder de Deus ou pela revolta da consciência do homem. Há gente que deixa até o Diabo aborrecido e a quem mesmo um demônio acha nojenta e sai para buscar repouso.

Mas o estado da pessoa não muda. O demônio diz: “Voltarei para MINHA casa”. Não ficou sendo casa de Jesus a alma do ex-endemoniado. Estava sempre á espera da voltou com sete colegas da grei diabólica. Um corpo humano servia de “republica” boêmia para as proezas malvadas dos nove.

Esta parábola de Jesus é retrato perfeito da reforma sem a regeneração, do moralista sem Cristo. Há esses surtos de varrer a casa de alguns “vícios elegantes” e enfeitá-la com virtudes efêmeras e até atitudes religiosas, noções filosóficas ou idéias sectárias. São meros enfeites da residência do Diabo naquele coração. Uma casa vazia não é o retrato de “Cristo em nós, esperança da gloria”. E mil vezes temos visto a impotência de tais isolados, cuja moralização pela força da vassoura do legalismo e filosofia, o Diabo contempla com escárnio cínico e exclama: “Voltarei para a minha casa. varreu-se. Nela cabem ainda outros de nós”. E toma conta do que sempre lhe confessou a soberania.

A passagem que mais me perturbou, pessoalmente, foi: Perdoa-nos as nossas dividas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores… Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas.”, Mateus 6.14,15. Foi a ultima passagem que perdeu sua força para me fazer duvidar da plêiade de promessas da eterna salvação do crente. Li um folheto de George Cuting sobre “Tríplice Perdão” e vi o alcance do trecho citado.

O estudo doutrinário a que me refiro salienta que há três resultados diferentes do pecado e cada um corresponde a um aspecto diferente do perdão divino.

(1) O pecado condena o pecador, “a alma que peca, essa morrerá”. O aspecto do perdão que corresponde a este resultado do pecado é a justificação. Nela, Deus perdoa de vez e para sempre o estado da alma pecadora, trata-a como perfeita em consideração a Cristo crucificado, seu Substituto, Advogado e Fiador, e vai gradualmente purificando e santificando esta alma para afinal glorificá-la. Assim, este aspecto de perdão é eterno. “Não há condenação para os que estão em Cristo Jesus”. “Bem aventurado o homem a quem o Senhor não imputará pecado”.

(2) Outro resultado do pecado são suas conseqüências nesta vida. O que o homem semeia, ceifará, e Deus como Pai disciplina até seus melhores filhos nesta vida. Pode um homem ser justificado, mas não perdoado no sentido de escapar ás conseqüências de um pecado sequer. David foi justificado, sentiu o gozo do perdão, mas uma hora de pecado com Bate-Seba manchou o resto de sua vida, trouxe a morte do filho de seu adultério, deu ocasião para os inimigos de Deus blasfemarem, e trouxe castigos severíssimos. Mas o profeta, na mesma ocasião de avisar ao rei a respeito dos castigos iminentes, declarou. “Teu pecado é perdoado”. Perdão com castigo era decisão divina.

Eli foi um homem bom, mas Deus não lhe perdoou a moleza para com Hofni e Fineas, seus malvados filhos. Morreu de castigo. Moisés também morreu de castigo, mas face a face com Deus em visão inefável.

Pedro, porém, não dói castigado pelo pecado clamoroso de negar a Jesus. Era um pecado de fraqueza momentânea que ele chorou amargamente, mesmo na ocasião de cometê-lo. Bastou- lhe a tríplice pergunta de Jesus que punha em duvida seu amor.

Ha vários reis do Velho Testamento foi dito que as conseqüências de seus pecados, embora não pudessem ser evitadas no seu efeito sobre o reino, contudo seriam adiadas, e eles se deixariam, livres do castigo, numa boa velhice, devido á sua piedade.

Logo, o castigo do pecado nesta vida pode vir, como veio, sobre Jacob, Jonas, David e Salmão, ou pode ser perdoado e omitido como no caso de Pedro, mas este perdão ou ausência de perdão não anula ou diminui o eterno valor da justificação pela graça.

(3) Outro efeito do pecado é interromper a comunhão filial. Até uma criancinha que sabe ter desobedecido á mãe não se sente bem na presença dela.

Aí está o alcance desta ameaça de Jesus contra nós, se não perdoarmos aos que nos ofendem. Nós permitimos que os laços de comunhão com nosso irmão fiquem rotos pela falta de perdoarmos. Bem sentimo-nos mal. Não podemos orar. A nuvem que separa de nós o nosso irmão, também esconde de nós o rosto de nosso Deus. Mas a filiação que gozamos pela fé não se destrói. A justificação não se anula. Porém, nós perdemos a comunhão com Deus que é o privilegio de um filho, mas que o filho não goza por causa do mau procedimento. Deus não perdoa enquanto nós não perdoamos, isto é ele não conserta os laços de comunhão e intimidade que gozávamos até que nós perdoemos e admitamos de novo ao nosso coração aquele que nos ofendeu, se porventura o ofensor tiver esta tiver, o espírito de reconciliação é que não deve faltar em nosso intimo. A amargura nos contamina e nos separa do gozo e da comunhão de Deus, embora sejamos justificados. Este resultado do pecado não se remove pelo perdão divino senão na condição de paz em nossos espíritos, embora a nossa fé em Jesus Cristo nos tenha justificado eternamente, quando á condenação da Lei.

Mais uma classe de passagens pode ser interpretada contra as promessas, se forem consideradas isoladamente. São umas poucas de passagens em que obediência é quase sinônimo de fé. Deus me manda arrepender e crer. De certo ponto de vista pode se dizer que serei salvo se eu obedecer, crendo em Jesus Cristo. Assim a fé, mesmo a fé sem obras de obediência a ritos, cerimônias, sacramentos ou decálogos, a fé instantânea de um pecador sem mérito é uma obediência á exigência divina. E’ a conformidade com as condições divinas estipuladas para a salvação.

Esta atitude de aceitar o plano divino de salvação, o próprio “arrependimento das obras mortas” de nosso mérito, é obediência a Deus e não podemos ser salvos sem esta obediência . assim a fé = a obediência e nos é imputada como justiça. Mas nunca devemos confundir esta atitude obediente, que anui ao propósito da graça redentora de Cristo, com a atitude incrédula e legalista que despreza o plano divino de salvação e vai se esforçando para acumular mérito que nos sirva para dispensar o mérito e a morte de Jesus ou associar nosso mérito com o de Jesus como base de aceitação perante Deus. Estas duas obediências são tão divergentes quanto os caminhos de uma encruzilhada. Deus diz: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo”. Crer, pois é obedecer á condição de ser salvo e descrer é a desobediência fatal. Por isto lemos: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece.”, João 3.36. “Eles lhe perguntaram: Quem havemos de fazer para praticar as obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta, que creiais naquele que ele enviou”. Nota o plural (“obras”) dos fariseus, mas o singular (“obra” = fé) na linguagem de Jesus. Paulo fala de “vossa obra da fé”, I Tess. 1.3. “ Lembrando-nos sem cessar da obra da vossa fé, do trabalho do amor, e da paciência da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de nosso Deus e Pai,”, I João 3.23. Nos versículos anterior e subseqüente, João fala de “mandamentos”, mas esclarece que não está pensando de um legalismo de obediência formalista, mas sim de uma vida de fé e amor. Nisto está toda a harmonia, e a única harmonia possível, entre Tiago e Paulo. Quando Paulo combate obras, está pensando de circuncisão, ritos dias santos, sábados, legalismo, cerimonialismo, sacerdotalismo. Quando Tiago combate fé estéril, está pensando na mera crença monoteísta, comum a Judeus e demônios, de que há um só Deus. Mas as “obras” de Tiago = o “fruto do Espírito” de Paulo. Ainda citamos: “veio a ser a causa da eterna salvação para todos os que lhe obedecem”. Hebreus 5.9. A salvação é eterna, mas a atitude do crente é obediente. O verbo grego significa ouvir sob, atender a Jesus de modo submisso. Entre esta atitude e fé não há distinção. Mas há uma infinita distinção entre ela e a cega confiança em rito, decálogos e sacerdotes.

A obediência cristã tem a mesma relação para com a fé que o fruto tem para com a raiz da arvore. São da mesma vida, e há Escrituras que não analisam a arvore em raiz, troco, folha, flores e fruto, mas apenas a representam na sua inteireza – uma só vida cristã, arraigada na fé, fruindo na obediência, fé a causa, obediência o efeito. Mas a mente humana é analítica, especialmente na pessoa de seus grandes pensadores como Paulo. E quando analisamos as partes normais da vida cristã, a fé é anterior á salvação e a vida obediente do salvo sucede depois da salvação. “mas sim a fé que opera pelo amor.”, Gal. 5.6.

B. Supostos casos da perdição de homens que foram salvos.

Agora estudemos os supostos casos da perdição de homens que foram salvos uma vez na vida. Para os tais supostos casos criarem verdadeira dificuldades á eterna segurança dos crentes, é preciso, primeiro, que fossem uma vez genuinamente salvos, e, em segundo lugar, que se tornassem afinal eternamente perdidos. Estas duas coisas, ninguém as poderá provar.não há mesmo nenhum caso que se possa citar. Jesus mesmo afirma dos que vão para inferno: “Nunca vos conheci”. A Bíblia prova a respeito dos que Foram salvos que continuam salvos. Salvação e perdição são mutuamente exclusivos. Na experiência cristã, a salvação sucede á perdição, mas esta nunca segue após aquela.

Consideremos o caso de Judas Iscariotes. O Novo Testamento nos indica por diversas declarações que Judas não somente estava perdido, mas que sempre foi “filho da perdição”, nunca foi filho de Deus, nunca foi salvo, e, quando foi para o inferno, foi para seu próprio lugar.

Relativamente cedo, Jesus, no seu ministério, desmascarou logo a Judas. Se os discípulos tivessem espiritualidade suficiente, compreenderiam facilmente este fato. “Não vos escolhi a vós os doze? e um de vós é um diabo. E isto dizia ele de Judas Iscariotes”. Jo. 6.70-71. Nunca tal homem mostrou caráter cristão. Quando Maria ungiu os és de Jesus, ele se mostrou queixoso, hipócrita e ladrão: “Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava. João 12.4-6. Lucas narra que o Diabo entrou em Judas para dirigir a traição do Salvador, Lucas 22.3, mas João toma cuidado no seu Evangelho (propositadamente suplementar aos outros três) de nos declarar que “E, acabada a ceia, tendo o diabo posto no coração de Judas Iscariotes … que traísse a Jesus”, mostrando que Satanás já dirigia sua vida antes mesmo da traição ou da sua primeira idéia de traição, João 13.2.

Pedro é mui exato em descrever Judas como um que era “contado entre nós e tomou parte neste ministério”. Assim elegeram um substituto “Para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar.”, Atos 1.17, 25. E’ antes da consumação do ato de Judas que Jesus orou ao Pai e fala de Judas assim: “E nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse”, João 17.12. Todos os incrédulos se perdem, mas nunca foram salvos. E a Escritura destes tempos antigos classifica Judas de “filho da perdição” – um no qual a perdição chegaria ao seu Zenith. E Jesus compreende isto perfeitamente e o denunciou como demônio, desde seu ministério na Galiléia. E’ falsa doutrina, péssima ética e pouca honradez querer vestir o demônio Judas com um caráter genuíno de um santo, somente para servir-se dele para provar uma doutrina falsa e contradizer as maiores e mais freqüentes promessas do Evangelho.

Outro caso bem diferente é o Simão Pedro. Sua fé é genuína e sobrenatural, Mateus 16.17. Esta fé em Cristo sempre o animou. Jesus previu que Pedro cairia num grande pecado, num momento de grande fraqueza e suprema tentação. Preveniu-o desta mesma tentação, da queda, da permanência da fé, da volta á fidelidade e de seu cuidado salvador através da experiência. “Disse também o Senhor: Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo. Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos.”, Lucas 22:31-32. Conversão significa voltar para trás em qualquer caminho errado. Seu primeiro no N. T. grego é a respeito de Jesus mesmo. “E Jesus, voltando-se”, Mat. 9.22 ou “virando-se”, Mar. 5.30. Pode-se usar no sentido físico de virar-se, ou no sentido de salvação, a suprema vira-volta da vida, ou de qualquer conversão, durante a vida cristã, do erro ou de um desvio moral, para a verdade e a fidelidade, ou mesmo da volta de um crente fingido ao mundo. Conversões são físicas ou mentais, para o bem ou para o mal, a grande conversão que inicia a vida cristã ou a volta de qualquer caminho errado. Jesus previu a conversão absolutamente garantida de Pedro quando anunciou a sua queda.

Este caso lembra, na linguagem citada, o caso de Jó; e Jesus evidentemente tem em mira a experiência de Jó. “Satanás pediu cirandar, joeirar”. E’ o eco do caso de Jó. Deus tem fé nos seus santos, sabe que sua obra salvadora dura eternamente. Desafiou Satanás a destruir a fé de Jó. Aquele drama se desenrolou para nossa instrução, uma vez sempre. Satanás apostou e perdeu a aposta! Jó apenas cresceu na fé pelo sofrimento.

Agora, Satanás quis cirandar todo o apostolado (note-se o pronome plural – vos). Deus consente. Mas que é que acontece em cirandar o trigo? Perde-se o trigo? Nenhum grão! Mas beneficia-se o trigo e afasta-se a palha e a poeira. Jesus previu que seria assim com os onze apóstolos. Todos o haviam de abandonar. Todos se converteriam e voltariam. Mas Pedro era o mais volúvel, o mais ousado, o mais pressuroso a manifestar a fé. Logo, Jesus lembrou-lhe a certeza de sua conversão depois da ressurreição ao terceiro dia. Apareceu primeiro a Pedro antes dos dez, e enviou-lhe uma mensagem especial para reunir os outros na Galiléia, como combinara. Aproveitou o gênio psicológico de Pedro. Era impulsivo, primeiro de Jesus, primeiro a negar, primeiro a fortalecer os vacilantes camaradas no apostolado a voltarem á lealdade e á certeza de sua carreira.

Aliás, nada há no caso de Pedro essencialmente diferente do dos demais apóstolos crentes – os outros dez. apenas o grau da ofensa é maior empedro. Mas todos abandonaram a Jesus. O Pastor foi ferido e as ovelhas espalhadas, como fora profetizado.

Como denunciou Jesus aos apóstolos sua falta de fé na ressurreição, se eram crentes sempre? A fé e a incredulidade podem existir no mesmo coração. Jesus reconheceu isto quando o pai de um menino exclamou: “Senhor, eu creia, ajuda minha incredulidade”. A fé dos apóstolos cresceu no seu conteúdo até que se fechou a revelação do Novo Testamento, ou pelo menos até que lhes fosse revelada toda a verdade que temos no Novo Testamento. A princípio perceberam em Jesus um Profeta, depois o Messias, e depois o Redentor de Israel, mas suas idéias de redenção eram nacionalistas, políticas, materiais. Os três dias da sepultura de Jesus foram o tempo em que Satanás cirandaria seus espíritos e essa palha da esperança farisaica ficou separada em grande parte (não totalmente ainda, Atos 1.6; 10.14; 15.1) do trigo de sua confiança em Jesus como espiritual e universal Redentor dos crentes de todas as raças. Jesus, por conseguinte, repreendeu os onze severamente porque só perceberam o valor da sua morte e ressurreição depois de serem consumadas. Sua fé era apenas imperfeita, parcialmente cega a certas verdades, mas ficou esclarecida pelos eventos positivos da redenção. A ele cresce, expele a incredulidade do coração, progressivamente. Todos nós temos alguma incredulidade. Todos nós precisamos de muitas conversões quando erramos em pensamento ou em atos. Todos nós temos nossa fé joeirada pelas provações do Diabo. Ficamos esclarecidos na fé pelas lutas e desapontamentos e fortalecemos nossos irmãos que ainda não chegaram á mesma clareza de confiança iluminada.

Suponho que ninguém duvida da salvação eterna de Abrahão, Isaac e Jacob, a despeito das imperfeições de sua vida. Nem de Jonas. Mas o grave pecado de David pôs em duvida sua salvação diante de seus contemporâneos, e serve ainda de base para alguns duvidarem da promessa. Temos no Ps. 51 a suplica de David enquanto estava na angustia do castigo e da falta de comunhão com Deus por causa de seu pecado. Ele roga a Deus: “Renova dentro de mim um espírito estável”. Seria outra conversão como a de Pedro. “Restitur-me a alegria da minha salvação” – não a salvação. Esta, ele chama ainda “minha”, mas pode haver salvação sem a devida alegria e gozo e ele quer que volte o gozo da comunhão com Deus.

Agora, o Salmo 32 é o seu hino de louvor pelo gozo recuperado, da parte da alma que fora quebrantada e contrita. Em seu espírito “não há engano”, Sl. 32.2. Já é feliz. Sua transgressão é perdoada, seu pecado coberto, e ele pode exclamar: “Feliz é o homem a quem Jeová não atribui a iniqüidade”, que Paulo interpreta em Rom. IV como o estado de eterna justificação sem obras, mas sim mediante uma fé que opera pelo amor.

Deus perdoou David no sentido de lhe restaurar o gozo da salvação e a preciosa comunhão espiritual, mas não lhe perdoou o castigo de seu pecado nesta vida. Isto estudaremos adiante.

Salomão é um caso ainda mais difícil. E’ preciso lembrar que nem poligamia, nem idolatria eram novidades em Israel. Penso que Salomão era crente genuíno. Sua oração dedicatória, quando abriu o templo que edificara, indica isto. Ele é autor de vários livros da Bíblia. Isto sem duvida não cabe a um incrédulo. O livro de Eclesiastes é uma descrição de como ele explorou a vida e confirmou no seu coração a convicção que nos devemos lembrar de Deus na mocidade, que todo o pecado, filosofia e grandezas humanas sem Deus são vaidades, e que o temor de Deus e a observância de seus mandamentos e “tudo no homem”. O velho “Pregador” que nos deu tamanha sabedoria voltou á simplicidade da fé de sua mocidade.

Temos a seu respeito um salmo de David que alguns julgam ser messiânico e outros o limitam a Salomão. Ei-lo:

“Ele me chamará, dizendo: Tu és meu pai, meu Deus, e a rocha da minha salvação. Também o farei meu primogênito mais elevado do que os reis da terra. A minha benignidade lhe conservarei eu para sempre, e a minha aliança lhe será firme. E conservarei para sempre a sua semente, e o seu trono como os dias do céu. Se os seus filhos deixarem a minha lei, e não andarem nos meus juízos; Se profanarem os meus preceitos, e não guardarem os meus mandamentos: Então visitarei a sua transgressão com a vara, e a sua iniqüidade com açoites. Mas não retirarei totalmente dele a minha benignidade, nem faltarei à minha fidelidade. Não quebrarei a minha aliança, não alterarei o que saiu dos meus lábios. Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi. A sua semente durará para sempre, e o seu trono, como o sol diante de mim. Era estabelecido para sempre como a lua e como uma testemunha fiel no céu”, Sl. 89.26-37.

Se estas palavras se referem apenas a David e Salomão, testificam sua eterna segurança e seu castigo pelos pecados nesta vida, porém a aliança divina e as promessas não se anulam.

Mas se a passagem é messiânica, então o eterno pacto é entre Deus Pai e Deus o Filho. E nós somos “a semente” do Filho que havemos de ser castigados por nossos pecados, mas nunca se desfaz a aliança e o juramento da forte consolação das promessas.

Há outros casos como Balaão e Saul cujo experiência é obscura, mas é provável que nunca tivessem fé genuína em Deus. Julgados pela prova de Jesus: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos”, parece que nunca foram salvos. Balaão recebeu objetivamente as revelações divinas quase como seu burro viu o anjo na estrada. Mas nunca as aconselhou com boa vontade e afinal aconselhou ao rei pagão como atrair o povo de Deus a uma festa idolatra que lhes seria uma cilada pela fornicação que era a praxe em tais festas de idolatria. Nenhum sinal, ele deu da vida eterna. Deus pode usar até um Caifás para dar uma sentença inconsciente da verdade, João 11.49-51, sem que ele entenda o que diz ou seja filho de Deus.

Saul teve posição oficial na teocracia: logo, era canal de certas revelações divinas ao povo de Deus que governava, como eram Balaão, Caifás e Judas. Ficou um dia entre os profetas em êxtase, acompanhando a manifestação do oficio, mas nunca mostrou o caráter do oficio ou sua comunhão com Deus.

Saul ficou “tornar-te-ás um outro homem”. I Samuel 10.6, 9. Não é a linguagem e regeneração – “Deus lhe mudou o coração em outro”. Ele foi tímido. Mas, sendo escolhido como primeiro rei de Israel, Deus o qualificou para a carreira real, dando-lhe a nobreza de porte e majestade para guiar seu povo.

Mas seus atos todos durante seu logo reinado, depois de bem iniciado, são soberbos, rebeldes, ousados, presunçosos e altamente incrédulos. A árvore se conhece pelo fruto.

Diz: se “Tenho-se retirado de Saul o espírito de Jeová, atormentava-o um espírito maligno da parte de Deus”, I Samuel 16.14. E’ a velha historia do livro de Jó – Satanás obtendo permissão de cirandar Jó e David e Salomão e Pedro, mas apoderando-se de Saul e Judas e Simão Mago e Demas e Jezabel. O Espírito de Deus se retirou de Saul na capacidade de guia do rei do povo de Deus na carreira oficial, não no sentido de regenerador da alma. Um crente nunca fica endemoninhado, como Saul ficou, João 10.28-29; I João 5.18 (“O Maligno não o segura”).

O desfecho de Saul na incredulidade do espiritismo primitivo é o Zenith de sua perdição. Como Judas, foi sempre um filho da perdição. Qualquer ministério oficial em que teve a assistência milagrosa do Espírito de Deus não influiu no estado particular de sua alma sempre perdida.

Temos esta classe incrédula descrita em linguagem geral em II Pedro II. Tais pessoas são descritas como: “Atrevidos, obstinados, como animais sem razão, por natureza nascidos para serem presos e mortos, recebendo a paga da sua injustiça… são manchas e defeitos, regalando-se nas suas dissimulações… Eles têm olhos cheios de adultério e não cessam de pecar engodando as almas inconstantes, tendo um coração exercitado na avareza, filhos da maldição… fontes sem água, nevoas levadas por uma tempestade… escravos da corrupção… Tem-lhes sucedido o que diz o verdadeiro provérbio: Voltou o cão ao seu vomito, e: A porca levada tornou a revolver-se no lamaçal”. Claramente, na velhice de Pedro, entraram nas igrejas muitos Judas, numerosos “filhos da perdição”. Com os olhos abertos, pois “conheceram o caminho da justiça”, os tais “deixaram o caminho da justiça”. Mas não membros de igrejas, porém nunca foram regenerados, lavados pelo batismo, mas não pelo sangue de Cristo. Sua natureza não se mudou. Sempre fizeram parte integral da manda do Diabo e isto afinal se manifestou e, cansados de hipocrisia, voltaram ao lamaçal, “foram ao seu próprio lugar”.

Não há nenhum caso particular que contradizer possa as promessas de Deus. A salvação de Deus é eterna. Os filhos da perdição sempre foram perdidos. Nunca foram da mesma família divina a que pertencem os salvos mediante a fé em Jesus Cristo.

Em conclusão, resta defender a majestade divina dos insultos dos que rejeitam e odeiam as promessas de verdade da Nova Aliança evangélica. Não sei uma doutrina que torne mais furiosos os que confiam na carne do que esta da eterna segurança do crente. Ficam furiosos. Acumulam lógica incrédula a fim de negar, ridicularizar e derrubar o claro ensino da Palavra de Deus. E querem manchar o bom nome do Senhor com acusações contra este elemento integral e inalienável do Evangelho da graça divina em Jesus Cristo.

Dizem que esta doutrina é imoral, que conduz á ociosidade. Mera lógica carnal. Jesus a pregou. Paulo a ensinou. Calvino, Knox, Spurgeon, Carey, Judson, os batismos, presbiterianos, reformados e os mais heréticos, espirituais e operosos evangélicos sempre se bateram por esta doutrina e devoção a Jesus Cristo. A acusação é falsa, ante-histórica, irracional. O mais poderoso motivo conhecido aos homens é um grande amor, compenetrado de forte gratidão. E’ este o motivo dos que são salvos pela graça. “O amor de Cristo nos constrange”.

E’ a praxe dizer: “Se eu acreditasse nisto, eu me encheria de pecado á vontade”. Tu te desmascaras. Se tua vontade está cheia de amor ao pecado, a graça de Deus não está em ti. Só deixas de pecar por medo? Mas Deus não vê o teu coração? Adulterarias, se não tivesses medo? Ele vê e diz: “Já cometeste adultério no teu coração”. Tens ódio, mas tens medo de satisfazê-lo? Ele vê o ódio e o classifica como homicídio. Eis adultero, homicida, cheio de toda a iniqüidade, se ardes no desejo de fazer tais coisas, mas não as fazes tão somente porque tens medo do inferno. Deus vê o teu coração e te julgará, não segundo as coisas vistas, mas segundo o que está escondido na fonte de vida. E’ bom examinar-te de novo para ver se não és inteiramente estranho á graça de Deus, pois ela não deixa o coração no estado que tu alegas a respeito de ti. Quem realmente deseja encher sua vida de pecado nunca foi crente. “Todo o que tem nele esta esperança purifica-se a si mesmo como ele é puro”. E’ uma terrível confissão que alguém faz alegando que se encheria de pecado se não temesse cair no inferno. Revela-se um pecador por gosto, além de ser cobarde e pusilamine, hipócrita e cinco. Faz-nos quase concordar com a exclamação: “Quem nos dera não haver nem céu nem inferno para que os homens amassem a Deus por si só”.

O apostolo Paulo repudia essa velha acusação contra a doutrina do Evangelho na sua Epistola aos Romanos. Ele se horroriza contra a idéia de que a salvação eterna pela graça fosse interpretada como incentivando o crente a “permanecer no pecado”. “De modo nenhum. Nós que já morremos ao pecado como viveremos ainda neles?”. Só pode pensar assim quem ignora a realidade desta morte espiritual ao pecado na regeneração simbolizada no batismo, a que Paulo apela. Quem viver no pecado, desmente seu batismo e toda a sua profissão cristã.

Deus tem meios eficazes de combater o pecado na vida de seu povo – meios amplos de motivos humanos e de força motriz sobrenatural. Há três grandes motivos da ação humana – amor, medo e ambição. A todos Deus apela. O motivo mais puro e forte é o amor. “Porque o amor de Deus tem sido derramado em nossos corações”, Romanos 5.5. Em derramar em nós este sentimento, Deus derrama a mais poderosa influencia contra o pecado e a favor da santidade.

Deus ainda apela á legítima ambição do crente. Promete galardões ao crente fiel quando Cristo voltar. “E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra”, Ap. 22.12. Somos salvos sem obras, pela graça de Deus, e galardoados no céu segundo as obras praticadas depois de salvos. Esta é uma grande doutrina bíblica, revelada nas parábolas dos talentos, das minas, do administrador fiel, em I Cor. 3, em II João, no Apocalipse, etc. seria preciso outro opúsculo para expor esta grande doutrina. O Velho Testamento salienta a recompensa da justiça nesta vida: o Novo Testamento reafirma esta doutrina em parte (modificada, naturalmente, em ambientes hostis aos crentes, numa era em que o Evangelho é novo, mas mesmo assim com a promessa de que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus) e acrescenta com grande clareza e ênfase a revelação do galardão do crente na vida celeste. Quanto tem influído isto na vida de milhões de salvos!

O motivo mais baixo a que se pode apelar é um motivo justo e há fatos que inspiram pavor ao próprio crente. Como o fugitivo Jonas, nós testemunhamos: “Temo a Jeová, Deus do céu que fez o mar e a terra”. O medo de Jonas bem podia recear castigo muito mais próximo do que o de inferno. Uma das funções da tristeza nesta vida é disciplinar o espírito, purificar a conduta. Moralizar o pensamento. Deus dá tristeza para este fim, ás vezes, e mesmo sem providenciar toda a tristeza como castigo, faz que muitas de nossas dores inocentes operem em nós a espiritualidade.

A passagem mais forte de toda a Bíblia, no ensino desta doutrina, é: “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, Mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários. Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça? Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo.”, Hb. 10.26-31.

Sobre esta passagem devemos dizer:

Incontestavelmente trata dos crentes genuínos. Esta pessoa foi “santificada com o sangue da aliança”. Trata de um juízo retribuitivo nesta vida do povo do Senhor, pois se conhece como declaração: “O Senhor julgará ao seu povo – não se trata de estranhos.

A linguagem, embora indignada, forte e altamente figurada, não chega a indicar a perdição dos castigados.

Pode haver duvida na mente de alguém se há nesta vida “mais severo castigo” do que a morte. Na minha não há. Fiquei á beira de um sepulcro aberto em que se ia baixar um caixão. Eram os restos mortais de um homem de bem cuja viúva chorava silenciosamente sua perda. Uma outra senhora se aproximou dela e abraçou-a, dizendo em voz tremula: “Há dores vivas que são mais agudas do que as mortas”. Ela era esposa de um marido bêbado que arrastava os filhos para o mesmo destino. Há mil castigos na vida que são piores do que a morte.

A fase “já não resta mais sacrifico pelos pecados”, está num contexto que repetidas vezes afirma a suficiência do sacrifício de Cristo. A idéia é que o castigo é nesta vida, mas não envolve outro sacrifício justificador nem anula para o castigado o valor da aliança que ele desprezou pelo pecado voluntario.

Há pessoas que negam a possibilidade de pecado voluntario na vida do crente. E’ uma psicologia estranha e pouco conhecedora da vida humana. Deus mandou Jonas partir para o Oriente Ele não quis. Embarcou para o Ocidente longínquo, indo para a maior distancia possível em rumo oposto ao que Deus mandou. Foi pecado voluntario contra a luz do “pleno conhecimento” de Deus. O castigo foi terrível. Não foi pecado de ignorância, cujo castigo seja leve, nem pecado de fraqueza, cujo castigo Deus ás vezes omite (como no caso de Pedro negar a Cristo). Pecou propositadamente com pleno conhecimento do dever.

David assim pecou no seu adultério com Bate-Seba, Abraão na sua mentira sobre Sara ser sua irmã, Jacob nas suas artimanhas tão manhosas e tão amargamente retribuídas no seu exílio de 21 anos, Acã no seu roubo sacrílego, Uzias em sua presunção em assumir funções sacerdotais que não lhe cabiam, Geazi, o servo de Elias, em sua cobiçosa mentira pela qual ficou leproso o resto da vida, e inúmeros outros casos. Inúmeros crentes deliberadamente não vivem á luz de seu conhecimento da verdade. Não se batismo. Querem agradar aos homens embora desagradem a Deus. Não dão o dizimo. Não pagam os impostos ao governo com honradez e veracidade cristã. Não cumprem com os deveres que bem compreendem ser obrigatórios na sua vida. O caso que vem logo antes desta exortação é de crentes que abandonaram o habito de assistir aos cultos da igreja a que pertenciam. E’ um pecado que traz terríveis conseqüências sobre quem voluntariamente o cometer e sobre seus domésticos e vizinhos. Bem pediu o salmista: “Também de pecados de presunção guarda ao teu servo… e ficarei livre de grande transgressão”.

Pode ser crente “adversário” de Deus? Pedro se fez adversário de Jesus, Mat. 16.22, e de Deus o Revelador, Atos 10.14. Jonas opôs se fortemente á evangelização de Nínive. A própria mãe de Jesus chegou a julgá-lo doido e querer retira-lo de sua carreira.

As frases citadas do Velho Testamento são instrutivas no caso. Moisés no seu ultimo cântico a Israel declara: “Minha é a vingança e a recompensa” – apelando ás duas doutrinas, castigo e galardão, medo e galardão, medo e ambição de recompensa. Vem de David a fase: “cair nas mãos do Deus vivo”. Ele pecou na presunção de um recenseamento orgulhoso do povo sem consultar a Deus. Gastou nove meses nesta vaidade e então percebeu seu erro e exclamou: “Muito pequei no que fiz… procedi muito nesciamente”. Gade, o profeta, foi enviado com três alvitres como castigo: sete anos de fome, três meses fugindo diante dos inimigos, ou três dias de peste. “Vai, e dize a Davi: Assim diz o SENHOR: Três coisas te ofereço. porém caiamos nas mãos do SENHOR, porque muitas são as suas misericórdias; mas nas mãos dos homens não caia eu”, II Samuel 24.12-14. “Então enviou Jeová a peste a Israel… e morreram do povo… setenta mil homens”. O contexto revela que não foram estas 70.000 almas castigadas na inocência por causa do pecado de seu rei, mas que já o cálice de sua iniqüidade pedia de Deus um castigo nacional para o monarca e o povo, II Sam. 24.11.

Grande crente era David para exclamar: “caiamos nas mãos de Jeová”. E o Novo Testamento, admoestando a crentes que pecam deliberadamente, exclama: “Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo”. Nas suas mãos caímos todos nós quando pecamos voluntariamente e somos castigados pela nossa presunção. Quem pois, será capaz de imaginar que o crente pecaria com impunidade por causa da sua segurança jurídica na eterna salvação que Deus lhe deu? “Não há mais sacrifício”. Não surge a necessidade de mais sacrifício, outra justificação, outra regeneração. A salvação permanece eterna. Mas Deus reage contra o presunçoso cristão que ousa tornar-se adversário da vontade divina e o castiga severamente por causa da deliberada perversidade de seu pecado.

Pensemos no caso de Eli. Pessoalmente, um homem piedoso, porém um pai mole, que tolerava nos filhos a impiedade. Deus o repreendeu, e enviou-lhe o jovem Samuel a preveni-lo do castigo. Não mudou seu modo de agir. Ainda tolerou a irreverência e malvadez dos filhos sem corrigidos. Pois bem. Vede como é “horrenda coisa cair nas mãos do Deus vivo”. Esta é a sentença divina: “Eis que vêm dias em que eu cortarei o teu braço da casa de teu pai, de sorte que não haja ancião em tua casa… verás o aperto na minha habitação; e nunca haverá um ancião em tua casa. o homem da tua linhagem a quem eu não cortar do meu altar, será poupado para que os teus olhos se consumam, e a tua alma se entristeça; todos os descendentes da tua casa morrerão na flor da idade. Será para ti por sinal o que sobrevirá a teus dois filhos… no mesmo dia morrerão ambos”. Ainda acrescentou que cada descendente de Eli seria um mendigo. A arca caiu nas mãos dos filisteus. Israel dói derrotado. Nasceu um neto de Eli e recebeu o nome Icabode (“De-Israel-foi-se-a-gloria”) e Eli caiu do seu assento e quebrou o pescoço ao ouvir as novas pavorosas do campo de batalha. Ele foi bom e foi para p céu, mas sua tolerância para com a iniqüidade da sua família trouxe tristeza, vergonha e pesado castigo tanto a ele como á família. Moisés, Ananias, Safira e Uzá morreram no castigo de pecados contra o conhecimento.

“Um ardor de fogo” que é “uma certa expectação do juízo” aguarda todo o crente que peca contra a luz, voluntariamente. Não é o fogo do inferno. E’ o fogo que prova o ouro precioso e o separa da escoria. Ficamos no crisol da providencia de Deus. Separa-se o genuíno e o que não tem valor. Somos cirandados pelo Diabo. Deus conserva seu trigo. O diabo afasta a palha. O Pai corrige o filho. Perdura a filiação e expelem-se as faltas e as desobediências.

Paulo explica este juízo nesta vida: “Aquele que come e bebe, come e bebe para si juízo, se não discernir o corpo do Senhor. Por esta razão há entre os muitos fracos e adoentados e não poucos dormem. Se, porém, bem julgássemos a nós mesmos, não seriamos julgados; mas, sendo julgados pelo Senhor, somos corrigidos para não sermos condenados com o mundo”, I Cor. 11.29-32.

“Filho meu, não menosprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido; pois o Senhor castiga ao que ama a acoita a todo o filho que recebe. E’ para disciplina que sofreis (Deus vos trata como filhos)”, Hebreus 12.5-7.

Pois, é assim é castigado o pecado do crentes nesta vida. Temível disciplina. Ninguém que a experimenta jamais julgará que nossa eterna salvação nos dê imunidade de pecar. Antes vem sobre nós pressurosamente o castigo do pecado.

Terminamos, tendo apenas abordado esta magna doutrina. A Bíblia está cheia de seu ensino. Ela honra a Cristo, glorifica ao Pai, traz nos inesgotáveis depósitos de poder divino para orientar e purificar a vida humana, admoesta a consciência e enche o espírito do salvo com certeza, confiança inabalável e todos os impulsos de santidade. Esta tem sido uma doutrina negligenciada entre os evangélicos do Brasil. Pregue mola, e Deus abençoará a nossa fé nas suas promessas.

Digitação: Sabryna Santos 02/2009

Casa Publicadora Baptista, Rio de Janeiro, 1937.

Autor: Dr William Carey Taylor

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