Começamos essa série de estudos acerca da forte doutrina com a graça de Deus porque cronologicamente a graça de Deus pré-data todas as ações de Deus para com o homem, e é realmente a base de Seu relacionamento misericordioso com o homem. Uma declaração das Escrituras acerca desse assunto se acha em 2 Timóteo 1:9: “Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos”.
Paulo falou de salvação e o chamado como fatos passados em sua própria experiência, mas ele reconheceu que a base dessa salvação, sendo da graça de Deus, era “antes dos tempos dos séculos”. Assim, o assunto da graça preveniente nos é apresentado, mas a maioria das pessoas de nossa época não tem idéia do que esse termo significa, embora esse termo fosse relativamente comum entre os Batistas e protestantes de cem anos atrás. Este escritor se sente forçado a confessar que ele não tinha noção do sentido desse termo até que o procurou num dicionário, mas nessa consulta, ele viu que as Escrituras ensinam sobre a graça preveniente de Deus, embora a palavra “preveniente” não apareça na Bíblia.
Embora não apareça na Bíblia com relação à graça de Deus, a palavra “Preveniente” representa uma idéia bíblica, contanto que seja entendida de modo adequado. Aqueles que são apegados a uma perspectiva arminiana da graça às vezes igualam a graça preveniente com a graça comum ou universal. Eles são compelidos a essa posição a fim de evitar a dificuldade de seu sistema com relação à incapacidade do homem que é claramente declarada pela Bíblia. Millard J. Erickson diz:
No século XVIII, John Wesley popularizou o Arminianismo. Aliás, por muitos anos ele editou uma revista chamada The Arminian (O Arminiano). Embora defendesse o livre arbítrio, Wesley foi além de Armínio ao frisar a idéia da graça preveniente ou universal. Essa graça, que Deus concede a todos os homens, é a base de qualquer bem humano que se ache no mundo. Essa graça preveniente também torna possível que qualquer pessoa aceite a oferta de salvação em Jesus Cristo. — Christian Theology (Teologia Cristã), p. 914. Baker Book House, Grand Rapids, Mich., 1991.
Mas isso rebaixa a graça quase ao ponto de nem ser graça mais, pois uma das características principais da graça é que ela é dada particularmente, e não a todos, e embora prontamente reconheçamos que Deus é “…benigno até para com os ingratos e maus”, Lucas 6:35, e portanto é lhes gracioso, lhes dando o que não merecem, mas é uma idéia não bíblica e um ensino perigoso crer em tal graça universal conforme ensina o Arminianismo. O Dr. Erickson bem diz com relação a essa teoria:
É aí que muitos Arminianos, reconhecendo a incapacidade humana como é ensinada nas Escrituras, apresentam o conceito de graça preveniente, que pensem tem um efeito universal, anulando os resultados do pecado no intelecto, assim possibilitando a crença. O problema é que não há base clara e adequada nas Escrituras para esse conceito de capacitação universal. O fato é que a teoria, embora seja atraente em muitos sentidos, não é explicitamente ensinada na Bíblia. — Christian Theology (Teologia Cristã), p. 925. Baker Book House, Grand Rapids, Mich., 1991.
A graça preveniente com a qual aqui desejamos lidar é aquele favor especial que Deus tem tido para com Seus eleitos desde a eternidade passada, e que O motivou a fazer tudo o que Ele tem feito para o bem eterno daqueles que Ele deu a Cristo na aliança da graça.
Muitas vezes define-se graça como o “favor imerecido de Deus para o homem”, e essa é uma definição razoavelmente correta, embora o sentido seja um pouco mais pleno do que isso, pois a graça de Deus não só é imerecida, mas é também imerecível; sim, é exatamente oposto daquilo o homem merece, pois o homem pecador realmente só merece o castigo eterno. Pelo fato de que a graça fundamenta todo o relacionamento de Deus com o homem em misericórdia, esse primeiro estudo antecipará muito do que os capítulos subseqüentes apresentam de modo mais completo, e será, até certo ponto, um compêndio para o resto deste livro.
O assunto da graça não é agradável ao homem natural, pois numa época em que o suposto livre arbítrio do homem é exaltado acima quase de todas as coisas, é natural que toda doutrina que contradiga esse livre arbítrio seja ou totalmente descartada, ou pelo menos sofra concessões a fim de fazê-la harmonizar com o suposto livre arbítrio do homem. Agora este escritor não quer ser mal entendido: ele com certeza crê que o homem é uma criatura responsável, e que qualquer pessoa que for finalmente condenada ao inferno será condenada por seu próprio pecado, e não simplesmente por causa de algum “decreto absoluto”; mas chamar esse estado de responsabilidade “livre arbítrio” é uma escolha infeliz de palavras no mínimo. Ao mesmo tempo, não é verdade que “Deus não pode anular o livre arbítrio do homem”, como muitos tagarelam por aí. A vontade do homem está escravizada ao pecado, e a menos que Deus anule essa vontade amarrada ao inferno, jamais haveria pessoa alguma salva. Veja também o Capítulo 7 que lida com Livre Arbítrio. As Escrituras declaram: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer” (João 6:44).E de novo: “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:13)
Não se passa um dia sem que Deus coaja a vontade do homem, pois nenhum de nós sempre tem as coisas exatamente como as queremos. Pegue o exemplo dos líderes do Eixo na 2 Guerra Mundial: eles queriam com toda a determinação que tinham sujeitar o resto do mundo a si mesmos, mas não conseguiram. Por que? Porque, graças a Deus, Ele exerceu Sua soberania sobre eles; Ele restringiu as vontades deles. As Escrituras dão testemunho da mesma coisa, pois se diz dos assírios: “Ainda que ele não cuide assim, nem o seu coração assim o imagine; antes no seu coração intenta destruir e desarraigar não poucas nações” (Isaías 10:7). Deus pode usar um homem mau para cumprir Seus propósitos, mas quando esse homem tiver cumprido os propósitos de Deus, então Deus pode restringi-lo. Veja a continuação em Isaías.
Deus não só pode restringir a vontade do homem, mas Ele também pode mudar, e muitas vezes muda, a vontade do homem. Sem esforço algum o Senhor pode mudar a vontade do monarca mais poderoso sobre a face da terra: “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer” (Provérbios 21:1).É isso o que Deus faz na salvação; Ele opera no homem “tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”. A. W. Pink bem disse:
A salvação de qualquer pecador é um assunto de poder divino. Por natureza o pecador está em inimizade com Deus, e nada senão o poder divino operando dentro dele pode vencer essa inimizade; daí está escrito: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:44). É o poder divino vencendo a inimizade inata do pecador que o torna disposto a vir a Cristo para que ele tenha vida. Mas essa “inimizade” não é vencida universalmente — por que? É porque a inimizade é forte demais para vencer? Há alguns corações tão endurecidos contra Ele que Cristo é incapaz de conseguir entrada? A resposta no afirmativo é negar Sua onipotência. Em análise final não é uma questão da disposição ou indisposição do pecador, pois por natureza todos são indispostos. A disposição de ir a Cristo é o produto consumado do poder divino operando no coração e vontade humana para vencer a “inimizade” inerente e crônica do homem, conforme está escrito: “O teu povo será mui voluntário no dia do teu poder” (Salmos 110:3). Dizer que Cristo não é capaz de trazer para Si aqueles que estão indispostos é negar que dEle é todo poder no céu e na terra. Dizer que Cristo não pode demonstrar Seu poder sem destruir a responsabilidade do homem é de insistir na mesma pergunta, pois Ele tem demonstrado Seu poder e fez voluntário aos que tem ido até Ele, e se Ele fez isso sem destruir a responsabilidade deles: por que Ele não pode fazer isso com outros? — The Sovereignty of God (A Soberania de Deus), pp. 78 79. Baker Book House, Grand Rapids, Michigan, 1965.
Mas conforme já dissemos, por causa do orgulho do homem, e sua fé errada em seu próprio “livre arbítrio”, o assunto de qualquer tipo de graça lhe é repugnante, e ainda mais no assunto da graça preveniente. O homem carnal gostaria de pensar que graça tem origem nele, ou, pelo menos, é um resultado direto de alguma excelência humana, ou real ou prevista. Mas a própria palavra “graça” exclui qualquer forma ou grau de excelência humana, pois “Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra” (Romanos 11:6). A graça divina e as obras humanas são mutuamente exclusivas. Se a graça é “favor imerecido”, como todos admitem, então a revelação é que o homem é uma criatura depravada, totalmente indigno até da menor bênção de Deus, mas que o Senhor abençoa ricamente mediante a graça.
I. A SIGNIFICAÇÃO DE GRAÇA PREVENIENTE.
A palavra “preveniente” em Português vem de uma palavra latina, praeveniente. É um adjetivo de dois gêneros: 1. Que nos induz à prática do bem (falando-se da graça divina). 2. Que chega antes. [Cf. proveniente.] (Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI ver. 3.0, nov 1999). A palavra grega prophthano (#4399, Strong’s).é a palavra similar. É usada uma vez no Novo Testamento, Mateus 17:25: “Disse ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios?”. A palavra raiz dessa palavra grega é phthano (#5348, Strong’s).e significa “preceder” como em I Tessalonicenses 4:15, “Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem.”
Portanto, o termo teológico ‘graça preveniente’ aponta àquela graça que acontece antes e antecede à ação humana. Por esse motivo, poder-se-ia, sem nenhum problema, chamá-la de graça antecedente. Todo crente pode olhar para trás e ver essa graça antecedente operando nele e por ele desde o começo de sua vida. O Dr. A. H. Strong diz:
Os teólogos do passado falavam sobre “graça preveniente” — graça que nos toma antes que percebamos, e nos prepara para as emergências do futuro. Cada um de nós pode agora perceber que certas coisas antes de nossa conversão tinham um significado que não nos ocorreu na época. — Chapel Talks (Conversas na Capela), p. 148. Griffith and Rowland Press, Philadelphia, 1913.
Essa graça preveniente não só opera por nós antes que cheguemos a perceber, mas também, conforme declara nosso texto, antecede até mesmo a existência humana; data desde a eternidade, e se estende no tempo. J. B. Moody expressa esse pensamento assim:
A graça reinava não só na eternidade passada na concepção do plano, mas também no tempo ao executá-la, e continuará a REINAR até que tudo esteja consumada. É de eternidade a eternidade. Daí, a graça REINOU em nossa redenção, regeneração, justificação, santificação e REINARÁ em nossa preservação, ressurreição e glorificação final. Se a graça REINANTE REINA, ela então DETERMINA, e é isso o que leva ela a ser entendida como PREVENIENTE. — J. B. Moody, The Exceeding Riches of the Manifold Grace of God (As Riquezas Inigualáveis da Multiforme Graça de Deus), p. 166. Hall Moody Institute, Martin, Tennessee, sem data.
Essa doutrina é bem humilhante, e assim conseqüentemente muito detestável para a natureza carnal do homem, e isso explica o motivo por que muitos crentes genuínos não aceitarão, nem por um instante, a idéia de que a graça é tudo de Deus e nada do homem; mas o apóstolo mostra com clareza que a salvação é de acordo com o próprio propósito de Deus, e que a graça foi dada aos crentes “antes dos tempos dos séculos” (2 Timóteo 1:9). E se tornará ainda mais manifesto a medida que considerarmos outras passagens das Escrituras que essa graça antecedente não se aplica apenas a algum aspecto menor e obscuro da operação de Deus para com o homem, mas que Deus opera antecedentemente em todos os aspectos de Sua graça maravilhosa.
Aliás, o próprio fato de que havia um pacto de graça na eternidade passada é outra evidência de graça preveniente, pois se Deus fez provisão para a redenção do homem antes que houvesse homem, então Ele estava trabalhando antecedentemente em graça. Referência àqueles “cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo”, Apocalipse 17:8, indica a verdade oposta, isto é, que há alguns cujos nomes estão assim registrados antes do tempo. Veja também as outras referências a esse mesmo registro dos santos em Êxodo 32:32 33; Salmo 69:28; Lucas 10:20; Filipenses 4:3; Hebreus 12:23 e Apocalipse 3:5 e outros. A declaração em Apocalipse 17:8, junto com aquela com relação ao “Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo”, Apocalipse 13:8, ambas provam essa graça preveniente. Muitas outras declarações das Escrituras também têm o mesmo propósito de mostrar Deus trabalhando em graça antes da existência humana. Examinaremos esse assunto com maiores detalhes mais tarde neste capítulo. Aliás, toda referência aos propósitos e decretos eternos de Deus é uma prova da graça preveniente de Deus, na medida em que esses propósitos e decretos são dirigidos ao homem para o seu bem-estar. O primeiro capítulo da epístola aos efésios se refere às operações antecedentes do Senhor “antes da fundação do mundo”, e isso é pormenorizado com certa extensão.
Quando entendermos plenamente o que a graça preveniente quer dizer, embora seja humilhante para a natureza carnal do homem, porém como parecerá glorioso para nosso homem espiritual, e com que certeza encherá nossas almas saber que Ele “fez tudo o que lhe agradou”, (Salmos 115:3; 135:6), achou por bem nos tornar participantes de Sua graça.
Em nosso texto original, Paulo declara que nossa salvação e vocação são “de acordo com Seu próprio propósito e graça”, e que não foi em tempo, mas “antes dos tempos dos séculos”; assim, a graça “antecipou” a própria existência do mundo, e assim precedeu a nossa existência. Portanto, era graça preveniente. Mas vamos mais além e considerar:
II. GRAÇA PREVENIENTE PORMENORIZADA.
É humanamente impossível agora saber e entender tudo o que a graça faz antes da ação humana, e é impossível no foco limitado deste capítulo até mesmo declarar tudo o que a graça preveniente fez, mas pode-se considerar alguns de seus atos mais proeminentes para nossa instrução e edificação.
Primeiro, prevenientemente a graça nos escolheu em Cristo antes da fundação do mundo, conforme aprendemos em Efésios 1:4: “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. As Escrituras também confirmam que a escolha de Deus não foi na base de algum mérito, ou real ou previsto: “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama)” (Romanos 9:11). Essa passagem é alvo dos que querem torcê-la e pervertê-la a fim de extorquir um significado que não lhe é natural, mas não há nenhuma passagem tão clara e simples que possa escapar de perversões de alguém que está determinado a não crer no sentido mais natural. Ele fala aí do propósito de Deus, como em Efésios 1; a eleição aqui é individual, como em Efésios 1, embora essa eleição individual resulte na eleição nacional através de Jacó, mas isso não afeta o fato de que principalmente o que está sob consideração aqui é a eleição de um indivíduo. A eleição aqui é na base do propósito de Deus, como em Efésios 1, e não por causa de qualquer mérito. Essa passagem foi escrita para combater a idéia de que algum mérito ou fé conhecido de antemão era a causa dessa eleição. Se a eleição é por causa de até mesmo um estado ou condição meritória conhecida de antemão, então a salvação é de obras humanas, e não da graça.
Nosso próprio Senhor ensinou a graça preveniente na eleição quando disse: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, ...” (João 15:16). O homem não elege a si mesmo, pois essa eleição ocorreu na eternidade passada antes que o homem existisse. Alguém com mais imaginação do que conhecimento das Escrituras caracterizou a eleição como uma auto-eleição: isto é, “Deus vota a favor de você, o diabo vota contra você, e você lança o voto de decisão”. No entanto, outra pessoa de modo bem sucinto respondeu a essa tolice dizendo que quando ocorreu a eleição, o homem era jovem demais para votar, o diabo não era um eleitor registrado, e assim a eleição era totalmente de Deus.
De novo, podemos ir além e ver como essa graça atuou antes para nos predestinar a ser conformes à imagem do Filho de Deus: “Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29). Esse é um outro versículo que sofre muita violência nas mãos de santos descrentes, pois geralmente é citado de modo correto, e então lhe é dado uma interpretação que entra em choque. É geralmente interpretado como se lesse: “Porque o que dantes conheceu”; isto é, porque Deus conheceu de antemão que certas pessoas creriam nEle no tempo, Ele pois as predestinou, etc. Isso é violentar de modo máximo o sentido desse versículo, pois a fé é um “o que”, não “a quem”, mas esse pré-conhecimento é de pessoas, não de atos ou condições.
O sentido do termo “conhecer [antes]” afetará em grande parte a interpretação correta desse versículo. É a tradução de uma palavra grega composta formada de pro, significando “antes”, e gnose, “conhecer”. Mas que isso não se refere a uma mera presciência ou simples conhecimento da existência ou ações de uma pessoa é óbvio a partir de muitas coisas. Primeira, o pré-conhecimento de Deus não é uma presciência passiva, mas uma força ativa e determinante, pois se traduz a mesma palavra como “foi conhecido, ainda antes” em 1 Pedro 1:20. De novo, em Atos 2:23, foi o determinado conselho e presciência de Deus que Cristo foi entregue para ser crucificado. Não só isso, mas Sua presciência foi precedida por Seu propósito de agir dessa forma, e assim é secundária aos decretos de Deus.
Em seguida, a palavra “conhecer” é usada de outras maneiras diferentes do que o mero conhecimento da existência de algo. O uso negativo dessa palavra é importante em Mateus 7:23: “E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade”. É claro que aí o Senhor não quer dizer “nunca soube da existência de vocês”, nem Ele quer dizer que Ele não tinha conhecimento algum das ações deles, pois Ele os acusa de más obras. E aí? O sentido claro é “nunca conheci vocês como meus próprios seguidores — nunca os conheci em meus propósitos de eleição”. De novo, temos outro uso ilustrativo de “conhecer” em 1 Tessalonicenses 5:12 13: “E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam; E que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós”. Aí de novo “reconhecer” não pode significar ter um conhecimento vago de algo, mas em vez disso significa “aprovar” ou, como a cláusula paralela indica, “estimar, amar”. Em Romanos 7:15, a palavra grega para conhecer tem o sentido de, e é traduzida “permitir” ou aprovar, que sem dúvida alguma entra no sentido de “conhecer [antes]”. O leitor poderá com bastante proveito considerar o uso de “conhecer” nas seguintes passagens: Mateus 1:25, onde o sentido é “se unir”; Lucas 16:4, onde se traduz “decidido”; Apocalipse 2:24, onde o sentido é “experimentar”. Todas essas passagens esclarecem o uso bíblico de “conhecer” conforme aparece na palavra composta “dantes conhecido”.
O Dr. B. H. Carroll sustenta que “dantes conhecer” quase equivale à eleição, e essa perspectiva tem de certa forma de lhe ser uma recomendação, pois enquanto que aqui o conhecimento antecipado vem antes da predestinação, em Efésios 1:4 5 a eleição vem antes da predestinação. No entanto, que esse conhecimento antecipado e eleição não são exatamente equivalentes é óbvio em 1 Pedro 1:2 onde lemos sobre ser “Eleitos segundo a presciência de Deus”. Presciência é a determinação de Deus sobre certas pessoas de acordo dos Seus propósitos eletivos.
De acordo com a interpretação de alguns de Romanos 8:29 de que Deus previu a fé de alguns, Pedro deveria ter dito em 1 Pedro 1:2 que nós somos “crentes segundo a presciência de Deus”, mas isso ele não diz, pois tal não era a intenção. Em vez disso, ele mostra que a eleição produz fé, e não fé a eleição. A fé não é um produto da humanidade, mas em vez disso é um presente de Deus, e assim a fé nenhum efeito teria em Deus, no que se refere a movê-Lo a eleger alguma pessoa; mas vamos considerar esse assunto numa extensão maior mais tarde neste capítulo.
Alguns, a fim de se livrar do problema que sentem acerca da predestinação, objetam que não tem nada a ver com salvação, mas que é predestinação para a conformidade com a imagem de Cristo na ressurreição. Mas a intenção é mais do que mera conformidade física aí; abrange a semelhança moral e espiritual de Cristo também, pois alguém só será conforme a imagem de Cristo na ressurreição se tiver se tornado conforme a imagem de Cristo na regeneração. Assim, a Predestinação tem a ver com a salvação do homem, corpo, alma e espírito.
Em terceiro lugar, a graça de Deus se antecipa para regenerar, ou vivificar a alma que está morta em ofensas e pecados: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados… Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)… Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2:1, 5, 10). Será que um homem morto pode fazer alguma coisa? Claro que não! Só um tolo diria tal coisa, e sem dúvida essa é a razão por que se usa a figura da morte para representar a pessoa perdida — para mostrar sua total incapacidade de se levar mesma a um estado de vida. Mas muitos evidentemente crêem que um homem pode se regenerar, pois eles dizem que ele é vivificado em Cristo Jesus logo que crê; mas a pergunta é: será que um homem espiritualmente morto pode realizar tal ato espiritual como crer no evangelho? Não pode: ele tem primeiro de ser espiritualmente vivifo , ou vivificado, e é exatamente isso o que a passagem acima declara. Mas se isso é assim, então não há absolutamente nada no homem natural para fazer com que seja salvo; se ele chegar a ser salvo, será totalmente pela graça de Deus, pois nenhuma obra ou capacidade de si mesmo são suficientes. Será que esse não é o sentido do versículo 5 acima, quando o apóstolo, depois de dizer que Deus vivifica o homem até mesmo quando ainda está morto no pecado, denomina isso um assunto da graça? Se o homem é salvo pela fé, e se a fé é alguma capacidade inerente no homem natural, então Deus não salva o homem, o homem se salva, e para ele é a glória devida. Por outro lado, se o homem está morto no pecado e totalmente incapacitado de fazer qualquer coisa boa espiritualmente, e se a fé é em si dom de Deus, então a salvação é na verdade da graça, é de Deus, e para Ele é toda a glória devida. E é exatamente isso o que é o caso, por mais humilhante que seja para a orgulhosa natureza carnal do homem.
Observamos, então, em quarto lugar, que a graça precede a fim de dar fé, assim fazendo a salvação totalmente da graça de Deus. Há numerosos textos nesse sentido, mas são, na maior parte, explicitamente ignorados, ou então explicados de um modo que desfaz o seu verdadeiro sentido. O coração orgulhoso do homem simplesmente não admitirá que Deus é soberano na salvação; até os crentes genuínos muitas vezes dizem: “Creio na soberania de Deus, MAS…” E pelo uso dessa conjunção adversativa eles negam sua própria declaração, pois a própria palavra “mas” é uma palavra que expressa oposição ou antítese. Por muitos anos, este escritor usou essa linguagem hipócrita até que o Espírito de Deus o convenceu de, e o converteu de, seu erro. A soberania de Deus é uma doutrina que, se tivermos de qualificá-la, não acreditamos realmente nela; ao mesmo tempo, se pudermos qualificá-la ou limitar a soberania de Deus, então não é realmente soberania.
“…e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna” (Atos 13:48). Quando se lê em seu sentido mais literal, esse versículo significa que um homem crê porque ele foi ordenado para a vida eterna, e não que ele é ordenado porque crê. Muitas e várias interpretações, algumas das quais são bem tolas e absurdas, já foram apresentadas a fim de se evitar o sentido natural dessas palavras. A pergunta é: será que devemos buscar outro sentido, um sentido que não seja o mais óbvio? Se essa passagem permanecer sozinha no ensinamento dessa doutrina, e se contradisser sem a possibilidade harmonizar-se com outras declarações claras da Palavra, podíamos ter desculpa em buscar um sentido diferente do sentido literal. Por outro lado, se acharmos outras passagens igualmente explícitas ensinando a mesma coisa, passagens em plena harmonia com outras doutrinas, então não só não somos justificados em buscar outra interpretação, mas também manifestamos a descrença mais violenta da Palavra de Deus, e mostramos que estamos mais interessados em estabelecer nossa própria teoria favorita. Vezes sem conta recorremos ao raciocínio humano a fim de evitar o sentido óbvio, porque não queremos aceitar o que Deus declarou acerca de uma questão. O N. L. Rice bem disse que:
A Igreja tem sofrido decadência e maldições em quase todas as épocas por homens que tenham confiança indevida em sua própria capacidade de raciocínio. Eles empreenderam se pronunciar acerca da lógica ou falta de lógica de doutrinas infinitamente acima da razão, que são assuntos necessariamente de pura revelação. Em sua presunção, eles buscaram compreender “as profundidades de Deus”, e interpretaram as Escrituras, não de acordo com seu sentido óbvio, mas de acordo com as decisões de sua razão finita. — God Sovereign and Man Free (Deus Soberano e Homem Livre), p. 3. Presbyterian Board of Publication, Philadelphia, 1850.
Será que achamos as Escrituras ensinando que todo homem tem a capacidade inerente de crer na verdade de Deus, ou será que a fé é um dom de Deus? As passagens seguintes não deixam dúvida acerca desse assunto: “o qual [Apolo], tendo chegado, aproveitou muito aos que pela graça criam” (Atos 18:27). Se é mediante a graça, então não pode ser uma capacidade natural. “…conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Romanos 12:3). “Pois, quem é Paulo, e quem é Apolo, senão ministros pelos quais crestes, e conforme o que o Senhor deu a cada um?” (1 Coríntios 3:5). Talvez alguns responderiam que na medida em que essas passagens se referem a Deus repartindo a cada homem a medida da fé, deve ser uma capacidade natural que Deus dá a todos os homens, se tão somente a exercerem. Mas o contexto de cada uma limita esse “cada homem” a uma categoria específica — os santos de Deus — “a cada um dentre vós” (Romanos 12:3). O termo “cada homem” não se refere e não pode se referir ao mundo descrente. Não só isso, mas o que se reparte a cada um deles é fé real, não meramente a capacidade de crer, se ele quiser.
“Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele” (Filipenses 1:29). Que isso se refere a uma fé viva diária nos santos não altera o fato de que a fé é um dom de Deus a Seu povo. “Lídia… o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia” (Atos 16:14). Aí, a ênfase é mais no modo de instilar fé no homem, pois Romanos 10:10 diz, “Visto que com o coração se crê para a justiça”, de modo que é óbvio que Deus realizou essa “cirurgia de coração” em Lídia, para que ela cresse no evangelho. Esse propósito de abrir o coração dela é revelado na palavra “para que”, que é uma cláusula grega de propósito, e mostra que ela poderia dar atenção à pregação de Paulo somente depois que o Senhor lhe tivesse aberto o coração.
“E não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé” (Atos 15:9). Aí é Deus que faz a purificação do coração, e Ele a faz operando fé no homem; o ato é claramente de Deus, não do homem. “Senhor: Acrescenta-nos a fé” (Lucas 17:5). Essa oração seria estranha se a fé fosse uma capacidade humana, mas se Deus é o autor e fonte de toda fé, então essa oração é perfeitamente satisfatória. “Mas há alguns de vós que não crêem… Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (João 6:64-65). A palavra “Por isso” une a incredulidade deles com o fato de que não lhes havia sido dado pelo Pai vir a Jesus — outra evidência de que a fé é dom de Deus aos homens. A mesma coisa é verdade acerca de João 10:26: “Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito”. Esses textos são difíceis de entender, mas não somos livres para jogá-los fora só porque nossas mentes finitas não conseguem entendê-los. Quando entendidos em seu significado óbvio, esses textos significam que se alguém pertence aos eleitos, Deus dará fé para confiar em Cristo para a obtenção da salvação. “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça” (Romanos 4:16). Se a fé é pela graça, então, deve ser de Deus, não do homem.
O leitor não pode acusar o escritor de dar uma interpretação tendenciosa a essas passagens, pois elas são apresentadas de modo simples e com significado óbvio, mas cada uma delas tem harmonia completa com Atos 13:48. Aliás, o oposto é a verdade: temos de “interpretar” esses versículos a fim de chegar a qualquer outra conclusão.
A única explicação natural dessas numerosas passagens, e de muitas outras com ensino semelhante que se poderia apresentar das Escrituras, é que a fé é dom de Deus ao homem, que é o resultado da predestinação para a vida eterna, e que é outra evidência da graça preveniente de Deus. Essa posição é uma crença Batista histórica há muitos séculos, apesar do fato de que muitos Batistas destes tempos degenerados muitas vezes o negarem. Em 1508 os valdenses da Boêmia apresentaram uma confissão de fé para Ladislau, rei da Boêmia, explicando as razões para sua separação da Igreja de Roma. Eles afirmam acerca das Escrituras:
Eles ensinam também que nenhum homem pode ter essa fé por qualquer poder, vontade e desejo pessoal; é de fato dom de Deus, que quando e onde lhe agrada, a opera no homem mediante seu Espírito, a fim de que ele receba tudo o que lhe será administrado de modo justo pela Palavra externa, e os Sacramentos instituídos por Cristo, para a Salvação. Disso diz João Batista, “Senhor, nenhum homem pode ter algo, a menos que lhe seja dado de cima. E, diz o próprio Cristo, nenhum homem pode vir até mim, a menos que o Pai, que me enviou, o atraia”. — Artigo VI., citado em Sir Samuel Morland’s Churches of the Valley of Piedmont (Igrejas do Vale de Piedmont), p. 48. Reimpressão do fac-símile da edição de 1658 da Companhia Impressora Franklin, Ft. Smith, Arkansas, 1955.
A Confissão de Fé de Londres, que os Batistas particulares elaboraram em Londres em 1644, diz, no Artigo XXII: “A Fé é dom de Deus operado no coração dos eleitos pelo Espírito de Deus, através do qual eles chegam a ver, conhecer e crer na verdade das Escrituras”. O Artigo XXIV, em prosseguimento, diz:
De modo geral, a pregação do Evangelho ou a Palavra de Cristo gera a fé, sem consideração para com qualquer poder ou capacidade na criatura, mas é totalmente passiva, sendo morta em ofensas e pecados, crê e se converte pelo mesmo poder que ressuscitou Cristo dos mortos. — citado de W.J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith (Confissões Batistas da Fé), pp. 180 181. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1911.
Os Batistas do Condado de Somerset, Inglaterra, elaboraram uma confissão de fé em 1656, em que dizem no Artigo XX:
Esse espírito de Cristo, sendo administrado pela palavra da fé, opera em nós fé em Cristo (João 3:5; 1 Pedro 1:22; Atos 16:14; Gálatas 5:22), pela virtude da qual chegamos a receber nossa adoção de filhos (João 1:12; Gálatas 3:26), e é ainda administrada a nós mediante a fé nas promessas de Deus (Efésios 1:13; Atos 2:38, 39; 1:4), acompanhando-o nas maneiras e nos meios que ele nomeou em sua palavra (João 14:15,16,17; Lucas 11:9,13), sendo essa fé a base das coisas que se esperam, e a evidência das coisas que não se vêem (Hebreus 11:1). — W.J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith (Confissões Batistas da Fé), p. 207. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1911.
A edição de 1677 da Confissão de Fé de Londres é igualmente tão específica nesse assunto como é a edição de 1644. E até mesmo os Batistas Gerais (Arminianos) Ingleses reconhecem essa verdade, pois em sua Confissão Padrão de 1660 eles dizem no Artigo VIII:
Deus escolheu (ou elegeu).até mesmo antes da fundação do mundo para a vida eterna, os que crêem e assim estão em Cristo (João 3:16. Efésios l:4; 2 Tessalonicenses 2:13), mas temos a confiança de que o propósito de Deus de acordo com a eleição não surgiu minimamente originando na previsão de fé em, ou obras de justiça feitas pela, criatura, mas só da misericórdia, bondade e compaixão que habitam em Deus, e assim é daquele que chamou (Romanos 9:11). W.J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith (Confissões Batistas da Fé), p. 114. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1911.
De modo semelhante, o “Credo Ortodoxo” dos Batistas gerais, elaborado em 1678, diz no Artigo XXIII:
A fé é um ato do entendimento, dando aprovação firme às coisas que as Santas Escrituras contêm. Mas a fé justificadora é uma graça, ou hábito, que o Espírito Santo opera na alma, mediante a pregação da palavra de Deus, mediante a qual somos capacitados a crer, não só que o Messias nos foi oferecido, mas também de confiar e crer nEle, como Senhor e Salvador, e confiar apenas e totalmente em Cristo, para obter graça e salvação eterna. — W.J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith (Confissões Batistas da Fé), p. 141. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1911.
Quando chegamos ao solo americano, vimos a mesma unanimidade de credo com respeito à fé, pois a Confissão de New Hampshire, que foi originalmente elaborada em 1830, tinha um artigo sobre arrependimento e fé adicionados em 1873, que tem seguinte texto:
Cremos que as Escrituras ensinam que o arrependimento e a fé são deveres sagrados, e também graças inseparáveis, operadas na alma pelo Espírito regenerador de Deus; mediante o que, estando nós profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e impotência, bem como do caminho da salvação por intermédio de Cristo, voltamo-nos para Deus com contrição não fingida, confissão do pecado e súplica por misericórdia; ao mesmo tempo recebendo de todo o coração ao Senhor Jesus como nosso Profeta, Sacerdote e Rei, dependendo exclusivamente dEle como nosso único e todo-suficiente Salvador. — Artigo VIII, W.J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith (Confissões Batistas da Fé), p. 304. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1911.
Até mesmo os Batistas do Livre Arbítrio, quando sua conferência geral publicou seu Tratado da Fé em 1834, concordaram em essência com todas essas outras declarações sobre fé. Eles dizem no Capítulo VIII:
A verdadeira fé é um assentimento da mente às verdades grandes e fundamentais da revelação; um ato do entendimento ao dar crédito ao evangelho, mediante a influência do Espírito Santo; e uma confiança firme no Deus vivo. O fruto da fé é obediência ao evangelho. O poder de crer é dom de Deus. — W.J. McGlothlin, Baptist Confessions of Faith (Confissões Batistas da Fé), p. 319. American Baptist Publication Society, Philadelphia, 1911.
Uma das Confissões Batistas formuladas mais recentemente, e uma das mais comumente usadas entre os Batistas independentes , é a Confissão de Fé dos Batistas Ortodoxos, que foi elaborada em 1934. Diz no Artigo 8: “Cremos que o arrependimento e a fé são pré-requisitos solenes e inseparáveis da salvação; que são graças inseparáveis operadas no coração pelo Espírito Santo que vivifica”.
Chegamos a uma considerável extensão ao citar todas essas confissões que poderíamos mostrar quando dizemos que a fé em si é parte da graça preveniente de Deus, não estamos introduzindo alguma teologia nova; poderíamos ter apresentado ainda outras referências no mesmo sentido, mas nem o tempo nem o espaço permitem isso. Assim, não é nós, que temos essa posição, que nos afastamos da posição Batista histórica, mas são aqueles que acham que o homem tem a capacidade natural de “crer a qualquer momento que quiser” que se afastaram da fé.
Mas para continuar, a graça precede, no quinto lugar, para manter os santos salvos, e é uma reflexão na graça de Deus ensinar que o homem deve aperfeiçoar a obra de Deus na salvação mediante suas próprias obras. Se Deus não pode manter salva a alma que Ele separou para Si, então o homem com certeza não pode mantê-la salva. As Escrituras dão provas abundantes do poder do Senhor para guardar: “Porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que [ele] é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia” (2 Timóteo 1:12). “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28). Esse último versículo contém uma negativa dupla, algo que é incorreto em inglês, mas que é perfeitamente satisfatório no grego, como em português, onde é usada para dar ênfase. Uma tradução literal seria: “…eles nunca, jamais perecerão”. “Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo” (1 Pedro 1:4-5).
A salvação é pela graça em todos os seus aspectos, e como se começou com graça, assim se consumará pela graça, pois todos os relacionamentos da redenção por Deus para com o homem são da graça. Ele não poderia se relacionar de nenhum outro modo com o homem sem consumi-lo totalmente em Sua ira. Veja esse assunto discutido de modo mais pleno no capítulo sobre a Preservação e Perseverança dos Santos.
Finalmente, a graça precede nas preparações para a glória no céu, conforme está escrito: “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, E não subiram ao coração do homem, São as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito” (1 Coríntios 2:9-10). “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Romanos 8:18). Até mesmo a glória do Milênio, a qual as nações de ovelhas herdarão, é um assunto dessa mesma graça preveniente: “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mateus 25:34).
Se isso é verdade acerca das bênçãos do Milênio, quanto mais então a eternidade manifestará essa graça antecedente? Sem dúvida levará toda a eternidade revelar quantas vezes e de quantas maneiras a graça precedeu na preparação da glória para os santos do Altíssimo. “Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Efésios 2:7).Para nossa consideração, resta apenas:
III. O DELEITE DA GRAÇA PREVENIENTE.
Já comentamos como a graça é muito humilhante e portanto repulsiva à natureza carnal do homem, e esse é o motivo por que sem dúvida alguma é tão difícil até mesmo para os santos de Deus aceitarem a graça em seu sentido mais pleno. Este escritor confessa que sua natureza carnal ainda se sente revoltada com essa doutrina, mas o homem espiritual e interior do coração se regozija nela. Nada manifesta a soberania de Deus como a doutrina da graça preveniente, e isso explica o ódio do orgulhoso homem natural por ela. O Dr. J. R. Graves bem diz:
Pela natureza todos os homens são Arminianos; e a soberania absoluta de Deus é uma doutrina odiosa ao coração natural e depravado. Os falsos mestres tiram vantagem desse sentimento natural, e por séculos inflamam os preconceitos dos homens e mulheres cristãos contra qualquer manifestação de soberania por parte de Deus nesse Pacto, ou quanto a seus “desígnios determinados”, seu amor eleitor, ou sua graça diferenciadora. — The Seven Dispen¬sations (As Sete Dispensações), pp. 95 96. Baptist Sunday School Committee (Comitê Batista de Escola Dominical), Texarkana, 1928.
Alegramo-nos na graça preveniente de Deus porque é o único fator diferenciador em nossas vidas; a única coisa que impediu este escritor de ser ateu, alcoólatra, assassino, adúltero, ou qualquer outro tipo de ser humano pecador, foi a graça preveniente de Deus que o distinguiu desses estados de pecado. “Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?” (1 Coríntios 4:7).
De novo, nos alegramos nessa doutrina porque coloca a glória pela salvação do homem onde deve ficar — no Senhor — e não na carne maligna do homem. A graça exclui a jactância; a graça não deixa espaço algum para alguém se gloriar, exceto no Senhor. Depois de se referir ao homem se gabando quanto ao que poderia fazer e queria fazer, Tiago diz: “Mas agora vos gloriais em vossas presunções; toda a glória tal como esta é maligna” (Tiago 4:16). Pelo fato de que a graça operou todo o bem espiritual em nós, não devemos nos gabar nela como se nós é que tivéssemos feito tudo, mas reconhecer que quem a realizou completamente foi Deus, e glorificá-Lo por ela.
Há um lado humano exclusivo, a saber, PECADO; há um lado divino exclusivo, a saber, SALVAÇÃO; e há um lado tanto humano quanto divino, a saber, SERVIÇO. A graça nos vivificou enquanto estávamos mortos; nos reconciliou enquanto estávamos em inimizade; nos transportou da escuridão para a luz. O pecado operou contra a graça, e a graça operou contra o pecado; o pecado reinou na morte, a graça reinou na vida, e onde abundou o pecado, a graça superabundou. Mas a graça não só reinou em nos resgatar do pecado e da morte, mas também reina mediante a justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor. Graças a Deus pela graça reinante, e por um trono de graça ao qual podemos nos achegar com ousadia e obter misericórdia, e achar graça para ajudar no momento de necessidade. — J. B. Moody, The Exceeding Riches of the Manifold Grace of God (As Riquezas Inigualáveis da Multiforme Graça de Deus), p. 169. Hall Moody Insti¬tute, Martin, Tennessee, sem data.
Alegramo-nos nessa doutrina porque, do lado divino do assunto, coloca a questão além de toda a dúvida. Aqueles que ensinam que uma alma salva pode cair da graça e no fim se perder, crêem que se um homem se mantiver fiel até a morte, então a questão se torna certa. Os que crêem na segurança eterna dos salvos querem dizer que a questão passa além da dúvida quando a alma convicta genuinamente se arrepende e recebe Cristo como Salvador, e, observando-se do lado humano, isso é verdade. Contudo, no que se refere à segurança individual, deve haver certos frutos de arrependimento e fé, conforme declara Pedro: “Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis” (2 Pedro 1:10; confiram versículos 5-9). Firmando a nossa vocação e eleição não se faz mediante o arrependimento e fé, conforme se diz às vezes, mas mediante a produção daqueles frutos que mostrarão que nosso arrependimento e fé são genuínos.
Mas do lado divino desse assunto, a questão nunca esteve em dúvida; aqueles a quem o Pai deu ao Filho no pacto da graça não deixarão de vir a Ele. “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (João 6:37). Isso é o que se quer dizer com graça irresistível. Não que ninguém nunca resista à graça de Deus, pois está na natureza do homem mau e depravado resistir a toda e qualquer coisa que seja de Deus, mas os eleitos jamais são bem-sucedidos quando resistem a essa graça. Às vezes isso é indicado como “chamada eficaz”, distinguindo-a da chamada geral mediante o evangelho. O Dr. John Gill diz acerca dessa chamada eficaz:
É um ato de graça eficaz e irresistível. O ser humano muitas vezes resiste e rejeita a chamada externa; mas quando Deus chama internamente pelo seu Espírito e graça, é sempre eficaz, e ninguém consegue resistir a essa chamada, a ponto de torná-la ineficaz; pois quando Deus trabalha, ninguém pode permitir ou obstruir; os homens mortos em ofensas e pecados se levantam de seus túmulos de pecado e vivem, conforme Sua voz que dá ordens em tudo; do mesmo jeito que Lázaro saiu de seu túmulo quando Cristo chamou; pois aquela chamada não poderia ser resistida; e até o mesmo poder que se manifestou na ressurreição do próprio Cristo dos mortos se revela na vocação eficaz do pecador (Efésios 1:18,19,20). — Body of Divin¬ity (Corpo da Divindade), Livro VI, capítulo XII, p. 544. Turner Lassetter, Atlanta, Georgia, 1950.
Aqueles que mais opõem as doutrinas da graça preveniente, a chamada eficaz e temas relacionados evidentemente não dão atenção a essência deliciosa dessas coisas. Se for verdade que “todas as coisas contribuem juntamente para o bem” daqueles que são os chamados de Deus, então quanto maior e mais pleno o controle que Deus tiver sobre o homem, então mais abençoado esse homem será. Se pudermos julgar pelas ações, alguns crentes parecem temer admitir que Deus é soberano em graça por temor de que Ele abusará dessa soberania sobre eles.
Alegramo-nos na graça preveniente de Deus porque garante que tudo contribuirá para o bem máximo e pleno do homem. A graça preveniente não opera restrições, nem representa limitações em qualquer parte do homem, exceto sua natureza carnal orgulhosa, e para o bem-estar espiritual do homem ele precisa de todas as limitações que possa conseguir sobre sua natureza carnal.
A graça preveniente é uma doutrina deleitosa, não para a carne, nem para o orgulho carnal do homem, mas para a natureza espiritual do homem redimido, e é por esse motivo que é tão difícil aceitá-la. Somente mediante o estudo submisso e em oração da Palavra um homem pode chegar a aceitar essa crença, mas isso é verdade acerca de todas as doutrinas de “mantimento sólido” da Bíblia. Na realidade, temos de nos converter a todas as doutrinas da Bíblia. Isso é verdade porque “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o SENHOR. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” (Isaías 55:8-9).
O homem pode raciocinar uma coisa, que pode parecer bem plausível para a mente, mas isso não a torna pois verdade. A razão não deve ser o critério da verdade; em vez disso, a verdade deve ser o critério da razão. “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10:4-5).
Não é suficiente que a doutrina da graça preveniente ou qualquer outra doutrina possa ser derrubada pelo raciocínio humano, nem que outro sentido possa ser aplicado às Escrituras citadas como evidência; este escritor já foi culpado de fazer essas coisas em tempos passados, mas tais raciocínios humanos devem ser derrubados; nossos pensamentos têm de ser harmonizados com as Escrituras, e não as Escrituras interpretadas para concordarem com nossos pensamentos. Cremos que temos de entender as Escrituras em seu sentido mais óbvio e natural, como temos nos esforçado para fazer com as passagens que lidam com essa doutrina; se o sentido mais óbvio e natural de uma passagem das Escrituras fere nosso orgulho natural e raciocínio carnal, isso é apenas outra evidência de que estamos chegando perto da verdade, pois a carne sempre estará em desarmonia com as coisas espirituais.
A graça preveniente é parte do sistema teológico que se chama calvinismo, mas nenhum dos quais se originou com João Calvino. Ele contribuiu apenas com o nome. Os Lolardos Ingleses sustentaram essas verdades cem anos antes do nascimento de João Calvino, e antes deles, eram os Valdenses. Antes de Calvino entrar no cenário, essas verdades eram conhecidas como Agostinianismo, e antes da época de Agostinho, eram conhecidas como Paulianismo, e sempre foram crenças Batistas históricas desde o começo. Alguns caracterizam essas doutrinas de graça como “Doutrina dos Cascas-Duras”, mas ao assim agir eles manifestam ignorar a história bem como as Escrituras, e revelam uma aptidão melhor para difamar do que para entender a verdade. Historicamente, a Doutrina dos Cascas-Duras era contra as campanhas missionárias e contra os esforços, e sua conexão com as doutrinas da predestinação e eleição foi apenas casual, pois quase todos os Batistas naquele tempo endossavam essas doutrinas.
Que Deus nos dê visão espiritual para ver Sua graça preveniente em todos os aspectos de nossas vidas, pois então teremos corações gratos para louvá-Lo por Sua graça maravilhosa para tais indignas criaturas.
Autor: Pr Davis W. Huckabee
Nenhum comentário:
Postar um comentário