Augustus Nicodemus Lopes
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Introdução
Através dos séculos sempre houve na igreja cristã diferentes linhas de pensamento quanto à natureza da espiritualidade ensinada na Bíblia. Em outras palavras: o que é ser verdadeiramente espiritual, em termos bíblicos e cristãos? Muito embora as diferentes linhas sejam capazes de acomodar dentro de suas definições alguns aspectos de outras linhas, elas mantêm uma distinção bem nítida entre si quanto ao que é essencial no ser espiritual. Na Idade Média, por exemplo, embora provavelmente não houvesse objeção à idéia de que trabalhar e ganhar o pão também era espiritual, acreditava-se que a essência da espiritualidade estava em retirar-se do mundo e levar uma vida contemplativa, como fazia a maior parte dos monges.
O movimento pentecostal surgido no início deste século incorporou em seu bojo, de forma adaptada, diversos conceitos de espiritualidade presentes em movimentos anteriores, como os movimentos de santidade e os movimentos de reavivamento, ambos nascidos no século XIX. Ele cresceu ao ponto de alterar a face do cristianismo no século XX. Através das suas sucessivas ondas, das quais brotaram novas denominações, algumas das quais, mais modernas, já bem distantes do movimento pioneiro em alguns aspectos, o pentecostalismo tem forçado os demais ramos do cristianismo a encarar mais uma vez o tema da espiritualidade. Desta feita, o desafio é entender a espiritualidade à luz de um dos paradigmas mais centrais do pentecostalismo: ser espiritual é essencialmente estar em uma relação tão íntima e especial com Deus, que os poderes divinos fluem, de forma miraculosa e extraordinária, através daquele que é espiritual, por sinais e prodígios, êxtases, transes, revelações, línguas, profecias e dons de curar.
Como já antecipei, teólogos tipicamente pentecostais não afirmariam esse conceito à exclusão de outras definições. Nenhum deles negaria, por exemplo, que santidade de vida e obediência à Palavra de Deus são elementos integrantes da espiritualidade recomendada pela Bíblia. Mas, caso essa espiritualidade não se expresse de forma sobrenatural, isto é, por sinais externos da operação sobrenatural do Espírito de Deus, ela estará ainda aquém do ideal desejado. Ser santo e obediente é bom, mas não basta. E como geralmente os sinais considerados como marcas da verdadeira espiritualidade estão ausentes das denominações evangélicas históricas ou tradicionais, não poucos dentro dos diversos movimentos de origem pentecostal passam a considerar-se como verdadeiramente espirituais em contraste com irmãos de outras linhas doutrinárias que "ainda não chegaram lá".
Poderíamos ser tentados, como muitos, a sancionar o conceito de espiritualidade pentecostal em vista do seu crescimento espantoso no mundo. Afinal, dizem, a maior prova de que o conceito deles está certo é que Deus os tem abençoado e feito crescer no mundo todo. Para mim, essa é uma avaliação "pragmatista", que pressupõe o princípio utilitarista de que uma idéia é justificada pelos resultados que produz. Será que podemos estabelecer como um princípio sólido e confiável que se um movimento nascido dentro da cristandade cresce em número de adeptos a sua teologia está correta em todos os aspectos? Acredito que o melhor critério para avaliarmos um conceito — no caso, o conceito de espiritualidade — é examiná-lo à luz das Escrituras, a Palavra de Deus, que nos foi dada como luz em meio às nossas trevas.
Quando a examinamos, percebemos de imediato que o moderno conceito pentecostal de espiritualidade se encaixa naquilo que Qohelet, o "pregador", havia constatado em dias antigos: "Nada há, pois, novo debaixo do sol" (Ec 1.9-11). Desde os começos da Igreja de Cristo o status de "espiritual" aparece incorporado a manifestações sobrenaturais. O caso mais antigo de que temos notícia é o dos "espirituais" de Corinto. O apóstolo Paulo, fundador da igreja de Corinto, teve de lidar com o conceito de espiritualidade predominante na igreja de Corinto, conceito esse bastante semelhante ao moderno conceito pentecostal.
Meu propósito neste artigo é examinar o que Paulo escreveu sobre o assunto em sua primeira carta àquela igreja. A escolha de 1 Coríntios como locus da minha investigação justifica-se também por razões estatísticas: das 26 vezes em que a palavra "espiritual" aparece no Novo Testamento, 24 vezes ela é usada por Paulo, e dessas 24 ocorrências, 15 estão em 1 Coríntios. A concentração do assunto na carta também é indicada pelo uso freqüente de referências ao "Espírito Santo." Paulo menciona o Espírito cerca de 40 vezes nessa carta, mais inclusive do que na carta aos Romanos (34 vezes), o que representa mais de 10% das vezes em que ela ocorre no Novo Testamento (347 vezes).
Uma vez que determinemos o que Paulo ensina acerca da espiritualidade no contexto de uma igreja predominantemente "carismática" como era a de Corinto, poderemos aplicar nossos resultados à situação moderna, que nos parece bastante similar àquela que provocou esse escrito do apóstolo dos gentios.
I. "Espiritual" em 1 Coríntios 2—3
Vamos iniciar nossa pesquisa verificando como Paulo emprega o adjetivo "espiritual" (pneumatiko/j) em 1 Coríntios. Ele emprega o termo quinze vezes na carta (2.13 [2], 2.15, 3.1, 9.11, 10.3, 10.4 [2], 12.1, 14.1, 14.37, 15.44 [2], 15.46 [2]). Em todas as ocorrências, o termo é equivalente a usar "Espírito Santo" adjetivamente, isso é, como se fosse um adjetivo. Por exemplo, Paulo qualifica a água e o maná do deserto como "manjar espiritual," pois foram supridos pelo Espírito ao povo de Deus (10.3-4). Nos capítulos 12-14 ele fala de "dons espirituais", isto é, dons dados pelo Espírito Santo à igreja. No capítulo 15 Paulo fala de "corpo espiritual", ou seja, um corpo "do Espírito Santo". Já podemos antecipar que, para Paulo, nesse sentido, uma pessoa espiritual é aquela que tem algum tipo de relação com o Espírito de Deus, já que ele, quando emprega o termo "espiritual", tem sempre em mente uma relação com o Espírito Santo.(1)
Em algumas destas vezes, Paulo emprega o adjetivo "espiritual" ao referir-se a coisas espirituais: cf. 2.13a (palavras); 9.11 (o Evangelho); 10.3,4ab (maná e água); 14.1 (dons); 15.44ab (corpo). Noutras, ele se refere a pessoas espirituais: 2.15; 3.1; 14.37; 15.46ab (Cristo). O que ele tem em mente nos versos 2.13b e 12.1 é motivo de discussão, mas acredito que também ali se refere a pessoas espirituais (ver meu argumento adiante).
Quando examinamos as vezes em que ele se refere a "pessoas espirituais", temos algumas surpresas. A maior delas é que Paulo parece ter dois conceitos em mente. Primeiro, o conceito dos coríntios. E segundo, o seu conceito. No primeiro caso, Paulo às vezes refere-se aos coríntios como "espirituais," mas de forma a sugerir que realmente não os considera como tais. Eram os coríntios (ou pelo menos um grupo entre eles) que se julgavam espirituais, mas Paulo reluta em considerá-los assim. Em 3.1 o apóstolo diz que não podia falar a eles como a espirituais. Quase que poderíamos acrescentar na boca de Paulo, "...como vocês pensam que são." Os coríntios julgavam-se espirituais, mas Paulo realmente só podia tratá-los como a crianças em Cristo. Em 12.1, Paulo responde a uma pergunta que os coríntios fizeram acerca dos "espirituais." A sua resposta reflete o conceito dos coríntios de que espirituais eram os que falavam, pelo Espírito, em profecia ou línguas (12.1-3). Em 14.37 o apóstolo se expressa em termos que dão a entender que havia quem se considerasse espiritual entre os coríntios. Nessas passagens, Paulo sempre toma uma atitude de correção.
No segundo caso, há duas ocasiões em que Paulo fala de "pessoas espirituais" de forma mais positiva, e temos a impressão de que dessa feita ele realmente está expressando o seu conceito do que é ser espiritual (2.13b e 2.15). Pessoalmente estou convencido, como alguns estudiosos têm sugerido, de que um dos objetivos de Paulo na carta é corrigir o conceito de espiritualidade dos coríntios, que estaria por detrás da maioria dos problemas que a igreja enfrentava. Temos assim dois conceitos de espiritualidade que aparecem na carta, o dos coríntios e o de Paulo.
Como a maioria das ocorrências da palavra "espiritual" com referência a pessoas está em 1 Coríntios 2–3, restringiremos nossa pesquisa a esses capítulos, especialmente aos versos 2.6–3.4. Nesses versos, a palavra "espiritual" (pneumatiko/j) aparece quatro vezes(2)
Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais (pneumatika/) com espirituais (pneumatikoi=j, 2.13).
Porém o homem espiritual (pneumatiko/j) julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém (2.15);
Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais (pneumatikoi=j) e sim como a carnais, como a crianças em Cristo (3.1).
O leitor deve ter notado que incluí o verso 2.13 nessa lista de passagens sobre pessoas espirituais, mesmo que a nossa ARA diga "conferindo coisas espirituais com espirituais". A tradução de 2.13 é um problema conhecido e notório, já que o adjetivo "espirituais," em sua segunda ocorrência na frase (pneumatikoiÍj), pode ser tomado quer no masculino, quer no neutro. Algumas traduções importantes, como a NVI e a RSV, tomam-no como masculino: "interpretando coisas espirituais aos que são [homens] espirituais." Já a NIV, como neutro, "interpretando coisas espirituais em palavras espirituais"(3) Não vamos recapitular aqui todas as nuanças da polêmica. Na nossa opinião, é preferível traduzir a frase tomando o adjetivo como masculino (NVI, RSV), pelas seguintes razões:
1. 1 Co 2.13 é aparentemente a continuação de 2.6, e neste caso, pneumatikoiÍj corresponderia ao masculino te/leioj (4)
2. Pneumatiko/j está numa posição enfática e antecipa o masculino yuxiko/j em 2.14.(5)
Segue-se que Paulo, em 1 Co 2.6-3.4, refere-se aos "espirituais" três vezes, como sendo os recipientes das coisas espirituais interpretadas e transmitidas pelos "nós" (2.13,15; 3.1; cf. 2.16).
II. Avaliação das Principais Interpretações
A questão que desejamos investigar mais de perto é: quem são os "espirituais" mencionados nessas passagens? Existe muita literatura escrita sobre o assunto e o número de interpretações é grande. Evidentemente não poderemos examinar neste artigo todas as opiniões sobre o assunto. Portanto, voltaremos nossa atenção para três posições que parecem ser as mais importantes e que têm maior apoio dos estudiosos, que são :
1. Quando Paulo usa o termo "espirituais" em 1 Coríntios 2-3, ele refere-se aos profetas cristãos, entre os quais o apóstolo se inclui. Esse conceito era tanto de Paulo quanto dos coríntios. O defensor mais conhecido dessa interpretação é Earle E. Ellis.
2. Paulo se refere a todos os cristãos. Essa posição é defendida por intérpretes evangélicos conceituados, como Moisés Silva e Vern Poythress. Segundo essa interpretação, Paulo usa o termo "espirituais" em contraste com o conceito dos coríntios de que ser espiritual é ter dons carismáticos.
3. Uma terceira interpretação sustenta que Paulo se refere a cristãos maduros, em contraste com o conceito dos coríntios de que os espirituais eram os que tinham dons carismáticos, especialmente o de línguas. Essa é a interpretação que defenderemos neste artigo. Antes, porém, procuremos entender as demais opiniões e oferecer uma avaliação crítica de seus pontos positivos e de suas fraquezas.
A. Os Espirituais: Profetas Cristãos de Igrejas Locais
Um estudioso que tem exercido considerável influência nos meios eruditos do estudo do Novo Testamento é o batista Earle E. Ellis. Embora tenha escrito em muitas áreas diferentes, é na área de profecia e hermenêutica que ele ganhou renome internacional. Ellis defende que para Paulo os espirituais eram aqueles que tinham o dom de falar pelo Espírito Santo, em outras palavras, os profetas cristãos. Um dos seus escritos que mais tem influenciado o pensamento de estudiosos do Novo Testamento com relação à organização das igrejas paulinas é "Paul and His Co-Workers" ("Paulo e seus Cooperadores").(6) Nesse trabalho, ele apresenta suas idéias, que podemos resumir como se segue:
1. Os espirituais eram cooperadores de Paulo
Ellis sustenta que os pneumatikoi/ ("espirituais"), termo empregado freqüentemente por Paulo em suas cartas, eram cooperadores do apóstolo que estavam engajados em pregação e ensino. Ellis parece identificar esses cooperadores como sendo profetas cristãos — ou pelo menos, obreiros que tinham funções e papéis similares. Eles são chamados de "espirituais" por serem carismáticos, isso é, dotados com "carismas" (dons) de expressão inspirada pelo Espírito Santo (profecia, línguas, conhecimento e sabedoria). Através desses dons eles falavam pelo Espírito e essa é uma prerrogativa especial dos profetas neotestamentários.(7) Ellis afirma:
Os "pneumáticos" mencionados nas cartas paulinas são, falando de forma mais ampla, profetas; ou, mais exatamente, exercem dons proféticos, já que os termos profh/thj e profhtei/a têm, para Paulo, um sentido mais restrito.(8)
A princípio, pode parecer que para Ellis pneumatiko/j é uma categoria bastante ampla, que engloba todos aqueles cooperadores nas igrejas paulinas que tinham dons de percepção e de expressão inspirados, tais como apóstolos, profetas e mestres, e que os profetas cristãos seriam um sub-tipo dessa categoria.(9) Entretanto, essa diferenciação é apenas aparente. Em seus escritos, Ellis freqüentemente trata os pneumatikoi/ como se fossem os mesmos profetas cristãos do Novo Testamento, uma categoria reconhecida de cooperadores que tinha um ministério regular nas igrejas.
Ellis não faz qualquer distinção significativa entre os "espirituais" e os profetas cristãos das igrejas fundadas por Paulo. Na realidade, tem-se a impressão que a função dos "pneumáticos" coincide com o ministério reconhecido e regular dos profetas congregacionais. Nossa impressão é confirmada pelo fato de que diversos especialistas em profecia neotestamentária sempre se referem à tese de Ellis como sendo sobre profetas cristãos.(10)
2. Os espirituais eram profetas cristãos
Ellis argumenta em favor de sua tese de duas formas.
Primeiro, existe uma associação íntima no Velho Testamento, e na literatura do judaísmo do período intertestamentário, entre o Espírito divino e o profeta. Essa associação continua no Novo Testamento, na pessoa dos "pneumáticos" ou "espirituais."(11) Dessa forma, Ellis vê os profetas neotestamentários (ou "espirituais") como os legítimos sucessores dos profetas do Antigo Testamento, nesse mister.
Segundo, Ellis afirma que Paulo chama essas pessoas de pneumatikoi/ ("espirituais") porque elas possuem e exercem os pneumatika/ ("dons espirituais"), que para Paulo são dons restritos ao discurso inspirado ou discernimento. Esses dons, por sua vez, estão intimamente associados ao dom de profecia.(12) Ellis baseia essa sua interpretação de pneumatika/ na distinção que faz entre xa/risma e pneumatika/ em Rm 1.11: "Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual (xa/risma pneumatiko/n), para que sejais confirmados." De acordo com Ellis, "dom" na passagem está qualificado pelo adjetivo "espiritual." Paulo não está se referindo a qualquer dom, mas àqueles que são espirituais. Enquanto que a palavra xa/risma pode aplicar-se a qualquer dom do Espírito dado à igreja, pneumatiko/j qualifica os dons de percepção inspirada, proclamação verbal e/ou sua interpretação, como temos em 1 Co 9.11; 12.1.(13) Tais dons espirituais, segundo Ellis, estão relacionados em 1 Co 12-14 com profecia, ou pelo menos, com a atividades dos profetas. É o profeta quem tem a habilidade de testar e reconhecer se uma mensagem vem de Deus (1 Co 14.29,37).(14)
3. Os espirituais em 1 Coríntios 2-3
Ellis argumenta que o caráter profético dos pneumatikoi/ é confirmado por 1 Co 2.6-16. Nessa passagem, bem como em 1 Co 12-14, eles são diferenciados dos demais crentes, são recipientes e mediadores de revelação, um conhecimento que Paulo atribui somente aos que tem profecia (1 Co 13.2). E finalmente, a própria passagem de 1 Co 2.6-16 foi provavelmente criada por "espirituais" paulinos, antes de sua utilização pelo apóstolo na carta.(15)
Para Ellis, a passagem tem a ver com "o papel dos pneumáticos, aqueles capacitados com os dons espirituais de percepção e discurso inspirados."(16) Nessa passagem, Paulo ensina que "certos crentes têm dons de discernimento e expressão inspirados. São chamados de pneumáticos, e de maneira mais ampla, exercem o papel de profetas."(17) A passagem reflete o processo hermenêutico através do qual os pneumáticos (profetas cristãos) chegaram ao conhecimento da sabedoria oculta de Deus através do Espírito, e como eles mediam esse conhecimento através dos seus dons proféticos, um processo no qual a interpretação inspirada do Velho Testamento é central.(18) Na passagem, continua Ellis, Paulo se associa com os pneumáticos, os autores originais da passagem, ao usar a primeira pessoa do plural. Ellis escreve: "Ele [Paulo] também reivindica para si o status exaltado de ‘homem do Espírito,’ ou seja, um profeta através do qual o Senhor ressurreto e exaltado fala."(19)
Como essa interpretação do termo "espiritual" se encaixaria em 1 Co 1-4? Segundo Ellis, o problema das divisões havia sido causado quando os "espirituais" de Corinto permitiram que seus dons proféticos de sabedoria, discernimento e elocução inspirados se distorcessem pela vaidade, soberba e inveja que brotaram entre eles. Em 1 Co 2.6-16 Paulo procura corrigi-los mostrando como funcionam os verdadeiros "espirituais".
4. Os espirituais eram realmente profetas cristãos?
Procuremos agora avaliar a interpretação de Ellis. Espero ter deixado claro na nossa breve exposição do seu pensamento que, para ele, os "espirituais" são na realidade profetas cristãos, e que a passagem trata da sua atividade, quando reunidos, em receber e transmitir revelações da sabedoria de Deus. Ellis interpreta quase todos os termos e conceitos de 1 Co 2.6-16 à luz de 1 Co 12-14, onde Paulo trata dos dons espirituais. Não somente Ellis, mas um grande número de estudiosos pensa a mesma coisa: já que 1 Co 2.6-16 é sobre a atividade dos profetas cristãos, o texto deve ser entendido à luz de 1 Co 12-14. U. Wilckens observou corretamente, embora por razões diferentes, que a raiz de muitas interpretações equivocadas de 1 Co 2.6-16 é sua fusão com 1 Co 12-14.(20) Creio que este é o caso com Ellis.
5. Espirituais e Profetas: Dois Contextos Diferentes
Possivelmente, o argumento maior para se usar 1 Co 12-14 como contexto interpretativo para 1 Co 2.6-16 é a ocorrência, em ambas as passagens, de uma terminologia similar.(21) Apesar dessa similaridade impressionar a princípio, ela não é decisiva para tomarmos 1 Co 12-14 como base para interpretar 1 Co 2.6-16. Algumas das razões são as seguintes:
a. As duas passagens estão em contextos diferentes
Em 1 Co 1-4 Paulo está reagindo às informações trazidas pelos da casa de Cloé acerca das divisões na igreja (1.10-11), enquanto que em 1 Co 12-14 ele responde a perguntas feitas por pessoas da igreja sobre dons espirituais (línguas e profecia).
b. As duas passagens abordam dois problemas distintos
Em 1 Co 1-4 Paulo está tentando evitar uma divisão iminente dentro da comunidade e responder a um desafio implícito da sua autoridade sobre a comunidade, enquanto que em 1 Co 12-14 ele está instruindo os crentes acerca da natureza, origem, propósito e prática dos dons espirituais nos cultos. Não há qualquer relação aparente entre as divisões e o exercício dos dons espirituais. Paulo começa a tratar das divisões no capítulo 1 e termina no capítulo 4. A questão dos dons espirituais não desempenha qualquer papel evidente na formação dos partidos internos.
c. A ausência da terminologia profética
O argumento da terminologia é uma espada de dois gumes. A ausência em 1 Co 2.6-16, e em seu contexto imediato, da terminologia característica de Paulo para profeta, profecia e profetizar, é no mínimo intrigante (ver sua terminologia em Rm 12.6; Ef 2.20; 3.5; 4.11; 1 Ts 5.20; 2 Ts 2.2; 1 Tm 1.18). Este ponto é notado por J. Gillespie, que, entretanto, argumenta que a profecia cristã é o "assunto não rotulado de 1 Co 2.6-16."(22) Mas, como alguém pode ter certeza disto se a terminologia padrão que Paulo usa quando trata desses assuntos está totalmente ausente?(23)
d. Paulo está tratando de temas diferentes
Uma leitura mais atenta revelará que, pelo menos em um tema, Paulo usa a mesma terminologia para tratar de dois assuntos diferentes. Em 2.6-16 a revelação da sabedoria oculta do Espírito é vista como sendo algo do passado, como mostram os aoristos de 2.10,12. O ministério de Paulo entre os maduros,(24) apesar de expresso no tempo presente (2.6,7,13), é baseado naquela revelação que já foi dada uma vez por todas. Nos capítulos 12-14, entretanto, a terminologia usada para sabedoria, mistério e revelação está relacionada com o ministério presente e constante do Espírito, através dos que têm dons de línguas, profecia e revelação (13.2; 14.2). Paulo está tratando de algo diferente do que tratou nos capítulos 1-4. Sandnes, que defende uma continuidade entre 1 Co 1-4 e 12-14, é obrigado a admitir que as duas passagens tratam de temas diferentes.(25)
6. Uma Tabela do Vocabulário
Finalmente, se a terminologia for o critério principal para determinarmos o contexto interpretativo de 1 Co 2.6-16, então não existe qualquer razão para irmos além de 1 Co 1-4, desde que todos os principais termos de 2.6-16, ou palavras do mesmo campo semântico, ocorrem no contexto mais imediato, isto é, 2.1-5 e 3.1-2. Vejamos a tabela a seguir(26)
2.6-16 | 2.1-5, 3.1-2 |
sofi/a, 2.6,7,13 | sofi/a, 2.1,4,5 |
lale/w, 2.6,7,13 | lale/w, 3.1 |
te/leioj, 2.6 | nh/pioj, 3.1 |
musth/rion, 2.7 | musth/rion, 2.1, cf. 4.1 |
stauro/w, 2.8 | stauro/w, 2.2 |
oi)=da, 2.11,12 | oi)=da, 2.2 |
a)pokalu/ptw, 2.12 | a)po/deicij (a)poka/luyei D*), 2.4 |
pneu=ma, 2.10-12 | pneu=ma, 2.4 |
lo/goj, 2.13 | lo/goj, 2.1,4 (?) |
a)nqrw/pinoj, 2.13 | a/)nqrwpoj, 2.4, 3.3 |
a)nakri/nw, 2.14,15 | kri/nw, 2.2 |
pneumatiko/j, 2.13,15 | pneumatiko/j, 3.1 |
yuxiko/j, 2.14 | sarkiko/j, 3.1,3 |
Poderíamos ainda acrescentar a essa lista a terminologia de comunicação que ocorre em 2.1-5 (katagge/llw, 2.1, kh/rugma, 2.4) e 2.6-16 (sugkri/nw, 2.13).
Assim, o principal argumento de Ellis carece de comprovação exegética. Mas examinemos sua interpretação ainda de uma outra perspectiva. Como já mencionamos acima, Ellis interpreta pneumatiko/j em 1 Co 2.13,15 num sentido mais restrito, como sendo os cooperadores de Paulo dotados de dons proféticos de compreensão e expressão inspirados, e que estavam engajados na interpretação carismática das Escrituras do Velho Testamento.(27)
Evidentemente não queremos dizer que não podemos ter nenhuma luz de outras partes da carta para entendermos 1 Co 1-4, e especialmente 2.6-16. Afinal de contas, as dissensões que havia na igreja eram uma manifestação de um problema espiritual básico dos coríntios, que brotava sob diferentes formas na comunidade, e que está refletido em várias partes da carta. Nesse sentido, 1 Co 1-4 tem vários pontos de contato com outras passagens da carta: a oposição sofrida por Paulo, e que ele encara de forma mais explícita em 1 Co 9, é possivelmente a mesma a que ele se refere obliquamente em 1 Co 4.3,18-19; a vanglória dos "espirituais" quanto aos seus dons transparece tanto em 1 Co 4.7-10 quanto em 12-14. Mesmo o conceito equivocado que eles tinham quanto ao ser "espiritual" é corrigido sutilmente por Paulo em 2.6-3.4, quando o apóstolo fornece a sua própria concepção.
Porém, essas concessões não significam que os temas abordados por Paulo em 1 Co 2.6-16, tais como "espirituais," mistério, revelação, sabedoria e conhecimento, devam ser entendidos primariamente à luz do que Paulo diz em 1 Co 12–14 sobre os dons do Espírito, como Ellis sugere. Parece-nos que o abuso dos "espirituais" com respeito ao exercício dos seus dons de percepção e de expressão em 1 Co 12-14 era outra manifestação (diferente) do mesmo problema básico que afligia os coríntios, ou seja, falta de maturidade e de crescimento em Cristo (1 Co 13.9-12, 14.20-22; ver 3.1-3).
Nossa conclusão é que 1 Co 1–4 permanece como o contexto primário e determinativo para a correta compreensão de 2.6-16, e que, conseqüentemente, a idéia de que Paulo esteja se referindo aos profetas cristãos ao usar o termo "espiritual" não pode ser argumentada de forma convincente.
7. "Dom espiritual" não é Profecia
Um outro argumento de Ellis é que a fala inspirada mencionada em 1 Co 2.13 deve ser entendida à luz de 14.1 como sendo o dom de expressão inspirada ligado a profecia (1 Co 14.3,6,15,19,30). Já vimos que não há qualquer argumento convincente e irrefutável para nos levar a interpretar 1 Co 2.6-16 à luz de 1 Coríntios 12-14.
Podemos ainda acrescentar que não é muito claro que Paulo veja qualquer distinção significativa entre xari/smata e pneumatika\ nos capítulos 12–14, como se o primeiro se referisse aos dons em geral e o último aos dons proféticos de sabedoria, entendimento e expressão, como Ellis sustenta. Conforme vimos, Ellis faz essa distinção baseado em Rm 1.11.(28) A passagem diz: "Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual (xa/risma pneumatiko/n), para que sejais confirmados." A razão pela qual Paulo qualifica "dom" com o adjetivo "espiritual" é possivelmente apenas uma questão de ênfase.(29) Ou, melhor ainda, para deixar clara a natureza do "dom" que ele gostaria de compartilhar com os romanos. É algo "espiritual" e não material. O "dom espiritual" que Paulo tem em mente é a fé mútua, dele e dos romanos, como ele explica no verso seguinte: "Isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha" (Rm 1.12).(30)
Mais adiante, na Carta aos Romanos, encontramos essa distinção entre dádivas "espirituais" e "materiais" claramente mencionada em 15.27:
Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; porque, se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais (toi=j pneumatikoi=j) dos judeus, devem também servi-los com bens materiais (toi=j sarkikoi=j).
Portanto, não há qualquer evidência exegética para fazermos uma distinção definida entre xa/ risma e pneumatika/ como se referindo a dois tipos diferentes de dons. Cremos que os dois termos referem-se à mesma coisa. Quando Paulo emprega xa/ risma ele está acentuando o fato de que os dons são dados gratuitamente por Deus (xa/rij).(31) Quando ele usa pneumatika/, enfatiza a sua origem e natureza (pneu=ma).(32)
Paulo usa os dois termos indiscriminadamente em 1 Co 12.1-11,(33) quando inclui lo/goj sofi/aj e lo/goj gnw=sewj (que Ellis afirma pertencerem a pneumatika/) na lista dos xari/smata, 1 Co 12.4-11.(34) Essa evidência é tão clara que Ellis procura livrar-se dela simplesmente afirmando que 1 Co 12.4-11 é "parte de um texto tradicional que Paulo incorpora em seu próprio trabalho."(35)
Poderíamos ainda mencionar que em 1 Co 1.5,7 Paulo afirma que os coríntios haviam sido enriquecidos com o dom da palavra (lo/goj) e do conhecimento (gnw=sij), que ele considera como xari/smata.
8. Conclusão
Muito embora Ellis tenha prestado um considerável serviço aos estudos neotestamentários na área de profecia e da estrutura das igrejas locais, sua argumentação em favor da identificação dos "espirituais" com os profetas cristãos das igrejas primitivas não é convincente. Embora nos pareça fora de dúvida que os crentes espirituais certamente deveriam exibir dons que atestassem a presença do Espírito em sua vida, não nos parece inquestionável que esses dons tenham sido necessariamente aqueles de fala inspirada, ou mais exatamente, de profecia, como espero ter demonstrado acima.
B. Os Espirituais: Todos os Crentes
Um segundo ponto de vista é o que interpreta "espirituais" em 1 Coríntios 1-3 como se referindo a todos os crentes sem distinção. Essa interpretação baseia-se especialmente na correlação entre os termos te/leioi ("maduros", "experimentados") em 2.6 e pneumatikoi\ ("espirituais") em 2.13,15. Estudiosos sérios e reconhecidos têm argumentado, de diferentes formas e por diferentes motivos, que os dois termos se referem aos crentes em geral, e não a uma classe de crentes "iluminados" ou especiais.(36) Assim, o contraste que Paulo está fazendo na passagem é extramuros, isto é, entre crentes e descrentes. Existem basicamente três argumentos avançados em favor dessa posição.
1. O Argumento do Contexto
Segundo esse argumento, Paulo está contrastando te/leioi ("maduros", "experimentados") com oi/( a)/)rxontej tou= ai¹w½noj tou/tou ("os poderosos desta época/século," 2.6b,8), e, portanto, dando continuidade ao contraste que havia feito em 1.8-25 entre crentes e descrentes; a/)rxontej ("poderosos") corresponde aos que se perdem (1.18), enquanto que te/leioi aos que são salvos (1.18), que crêem (1.21), que são chamados (1.24), ou seja, os crentes em geral.
Entretanto, fica difícil ver como te/leioi ("maduros") pode se referir a todos os crentes já que Paulo contrasta o termo com nh/pioi e)n xrist%½ ("crianças em Cristo", 3.1-2; ver 13.10-11 e 14.20). Certamente não podemos admitir que Paulo considerava descrentes como sendo "crianças em Cristo," nem que os coríntios eram descrentes.
Embora concordemos que a distinção entre te/leioi/a)/rxontej ("maduros"/"poderosos") em 2:6-8 continua de certa forma a distinção entre crentes/descrentes de 1:18-25, parece-nos claro que essa distinção, em 2.6-8, focaliza-se mais exatamente na habilidade espiritual dos te/leioi ("maduros") de entenderem a sabedoria de Deus, que é Cristo crucificado (2.6-7, 10), e a cegueira dos a)rxontej ("poderosos") que o crucificaram (2.8). A comparação continua em 2.14-16 em termos do yuxiko/j (2.14), o homem "natural", do mundo, que não pode compreender as coisas de Deus, e o pneumatiko/j (2.15), que tem a mente de Cristo (2.16). A comparação, portanto, ganhou claramente em 2.6-16 uma nuança epistemológica e hermenêutica. Não é mais entre crentes e descrentes, mas entre a capacidade hermenêutica do crente maduro e a falta dessa capacidade por parte dos descrentes e crentes carnais. Paulo está antecipando o contraste que fará em 3.1-4 entre o maduro e o carnal — ou, mais exatamente, entre a compreensão espiritual do crente espiritual e aquela do crente carnal.
Dessa perspectiva é possível ver como Paulo pode considerar os crentes coríntios, em 3.1-4, como sarkikoi/ ("carnais") e nh/pioi e)n xrist%= ("meninos em Cristo"), em contraste com te/leioi/pneumatikoi/ ("maduros/espirituais"), sem sugerir que eles eram descrentes. A verdade é que, mesmo achando que os coríntios ainda eram carnais, meninos em Cristo, Paulo os aceitava como verdadeira igreja de Deus, como santificados em Jesus Cristo (1.2), e reafirma que o Espírito de Deus habitava neles (3.16). Apesar disto, tendo em vista que o seu conhecimento das coisas de Deus ainda não havia se desenvolvido e amadurecido como devia, e que eles estavam divididos entre si, possuídos de ciúmes, invejas e contendas, Paulo os associa com os a)/rxontej/yuxiko/j ("poderosos/homem natural"), em contraste com os te/leioi/pneumatikoi/ ("maduros/espirituais"), sem necessariamente implicar uma plena identificação deles com os poderosos desta época e os homens do mundo.
Vários estudiosos têm argumentado que sarkikoi/ ("carnais," 3.1,3) é um sinônimo de Paulo para yuxiko/j ("homem natural", 2.14), ou seja, que ser carnal é o mesmo que ser homem natural.(37) Entretanto, Paulo acrescenta nh/pioi e)n xrist%= ("meninos em Cristo") logo depois de sarkikoi/ ("carnais") em 3.1, e sua linguagem em 3.2 de dar-lhes leite para beber claramente mostra que o apóstolo não está insinuando uma clara identificação de sarkikoi/ ("carnais") com yuxiko/j ("homem natural") e que ele claramente considera os coríntios como estando e)n xrist%=, "em Cristo" (apesar de precisarem desesperadamente de crescimento e maturidade). Paulo não diria essas coisas referindo-se ao yuxiko\j a/)nqrwpoj ("homem natural"). Assim, E. Schweizer observa corretamente que "epigramaticamente pode-se dizer que o sarkiko/j ("carnal") torna-se um yuxiko/j ("natural") quando ele confessa que é um crente, mas ainda permanece exclusivamente voltado para o que é terreno."(38) Em resumo, a comparação e o contraste não são de estados de salvação (soteriologia), mas de níveis de entendimento (hermenêutica/epistemologia).
2. O Argumento do Gnosticismo
Alguns estudiosos, como Du Plessis, por exemplo,(39) hesitam em tomar te/leioi ("maduros") como uma distinção paulina intramuros, com receio de que tal posição daria apoio ao conceito de que Paulo tem em mente um grupo esotérico de crentes iniciados, que teriam acesso a um nível elevado de sabedoria cristã. É o que defende Wilckens.(40) Ele acha que o termo te/leioj ("maduro") é gnóstico e significa "vollendet Identität mit dem transzendenten Gott" ("plena identidade com o Deus transcendente," p. 56), e que o vocabulário de Paulo é tirado da terminologia gnóstica das religiões de mistério. A questão do background gnóstico de 1 Coríntios tem sido bastante discutida e, sem entrarmos mais a fundo, podemos descartar a sugestão de Wilckens como improvável, visto não existir evidência suficiente de que já em meados do primeiro século o gnosticismo existia como uma religião ou movimento organizado.(41)
Entretanto, o receio de Du Plessis e de outros nos parece injustificado. Podemos assumir que Paulo está fazendo uma distinção intramuros, sem necessariamente aceitar que ele reconhece a existência de uma categoria de crentes especiais, mais iluminados, esotéricos, que têm um acesso secreto e místico às coisas ocultas de Deus, como havia no gnosticismo. Os te/leioi ("maduros") eram um grupo aberto de cristãos. A "sabedoria" que eles conheciam era simplesmente aquilo que havia sido proclamado pública e abertamente pelos apóstolos, ou seja, Cristo crucificado. Eles não eram uma classe especial de crentes — eram simplesmente o que todos os cristãos deveriam ser. Eles representam a norma, o padrão — os coríntios carnais, a exceção. O que os te/leioi ("maduros") haviam chegado a entender, e que os coríntios sarkikoi//nh/pioi ("carnais/meninos") ainda não haviam entendido, é que Cristo crucificado, sendo a revelação plena da sabedoria de Deus, reduz a nada a glória humana, e que o cristão tem que gloriar-se somente nele — e não em homens como Paulo, Pedro ou Apolo.
3. O Argumento do Crente "Carnal"
Uma terceira objeção é que, se aceitarmos que Paulo faz uma distinção intramuros, estaremos fortalecendo o conceito popular da existência do "crente carnal" como uma subespécie de crente, vivendo uma vida em pecado ao mesmo tempo em que mantém sua fé em Jesus Cristo como Salvador. Os textos de 1 Coríntios 2.6-16 e 3.1-3 têm padecido muito nas mãos dos que defendem esse ponto de vista, como lamenta o conhecido exegeta pentecostal Gordon Fee:
Quase todas as formas de elitismo espiritual, movimentos de "vida profunda" e da "segunda bênção" têm apelado para esse texto (1 Cor 2:6-16). Segundo ensinam, receber o Espírito prepara o caminho para as pessoas conhecerem verdades "mais profundas" sobre Deus... Os irmãos menos dotados estão vivendo aquém dos seus privilégios em Cristo.(42)
A aplicação errada de 1 Co 2.6-16 e 3.1-3 pelos que sustentam o ensino do "crente carnal" deve-se em parte a uma compreensão defeituosa do contraste que Paulo faz entre o pneumatiko/j/te/leioj e o sarkiko/j/nh/pioj/yuxiko/j.(43) Conforme já vimos, Paulo considera os coríntios como sendo verdadeiros crentes em Cristo (ver 3.17, 6.19, 7.40). Quando ele os chama de "carnais" (sarkikoi) está apenas dizendo que eles não têm ainda o discernimento espiritual das coisas de Deus que era de se esperar, o entendimento que vem do Espírito Santo, o que se tornava evidente pelas suas dissensões internas e seus ciúmes. Neste sentido, a sua maneira de pensar era análoga à do homem natural, à do homem do mundo, que não tem o Espírito. Como Robertson e Plummer observam corretamente:
Em termos ideais, todos os cristãos são pneumatikoi/ (12.3, 13; Gl 4.3-7); porém, de modo algum podemos dizer que todos os coríntios eram pneumatikoi/ na prática. Junto com os pagãos, eles se enquadravam na categoria de yuxiko/j ("natural") ou sarkiko/j carnal"), embora estivessem em nível diferente daquele dos pagãos incrédulos. Eles eram meninos no caráter, mas meninos em Cristo. E, à exceção daqueles pontos em que eram culpáveis, havia muitos aspectos saudáveis em sua condição (1.4-9, 11.2).(44)
Eles ainda afirmam: "O estado de nh/pioj ("criança") não é culpável em si mesmo, mas torna-se culpável se prolongado sem justificativa."(45) Esse ponto é reforçado pelo que Paulo diz em 3.3-4, que a situação atual deles era a mesma que no princípio, sem qualquer progresso visível (ver e)/ti ga\r sarkikoi\ e)ste, "porque ainda sois carnais"). Talvez o melhor comentário seja o do autor de Hebreus:
Quanto a isto, temos muito que dizer, coisas difíceis de explicar, porque vocês se tornaram lentos para aprender. De fato, embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês precisam de alguém que lhes ensine novamente os princípios elementares da palavra de Deus. Estão precisando de leite (ga/laktoj), e não de alimento sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança (nh/pioj) e não tem experiência no ensino da justiça. Mas o alimento sólido é para os adultos (tele/iwn), os quais, pelo exercício constante, tornaram-se aptos para discernir não somente o bem mas também o mal (NVI, Hb 5.11-14).
Portanto, a distinção que Paulo faz entre os termos te/leioj, pneumatiko/j, sarkiko/j e nh/pioj refere-se a diferentes níveis de crescimento espiritual e discernimento na vida cristã, como a diferença que existe entre o entendimento de uma criança e o de um adulto. Não há nada no contraste que implique na existência de "crentes carnais" como popularmente aceito, nem nada que apoie a idéia de elitismo espiritual.
R. Bultmann registrou de forma admirável as implicações da cruz para a vanglória humana. Como é do conhecimento geral, para ele "a raiz de todos os males" era o desejo do ser humano de obter reconhecimento pelas suas realizações.(46) Os judeus se vangloriam em seus privilégios, como, por exemplo, em ter recebido a Torá;(47) os gentios, em sua sabedoria. Mas ambos esquecem que nada possuem que não tenham recebido. A cruz é o julgamento de Deus sobre a vanglória humana, e requer que o homem se submeta a esse julgamento: "Toda a vanglória e as conquistas humanas chegam ao fim; são julgadas como nada pela cruz."(48)
Apesar de termos muitas reservas quanto à antropologia de Bultmann e sua compreensão da Lei,(49) cremos que ele observou corretamente que uma compreensão genuína da cruz é incompatível com o gloriar-se nos homens. Esse era o problema fundamental dos coríntios. Eles não haviam ainda entendido as implicações da cruz. O próprio fato de que estavam gloriando-se em Paulo, Apolo e Cefas era evidência clara disso, como também o alto valor que davam à sabedoria grega, à filosofia da época, e aos discursos eloqüentes e cheios de recursos retóricos artificiais. E, desde que o conhecimento das implicações da cruz vem somente através de revelação do Espírito (ver Ef 1.17-18; 3.18-19; Cl 1.9-12), Paulo não podia considerá-los como espirituais (como eles pensavam ser), mas sim carnais, como meninos em Cristo.
Creio que as considerações acima confirmam nosso argumento de que Paulo não está se referindo aos cristãos em geral quando emprega o termo "espirituais" em 1 Coríntios 1-3.
C. Os Espirituais: Crentes Maduros
A terceira e última interpretação que desejamos considerar é a de que Paulo, ao usar o termo, refere-se a crentes maduros. Creio que essa é a melhor interpretação da passagem não somente pelos motivos que temos exposto até agora como ainda pelos que se seguem.
O ponto inicial que precisamos observar aqui (e que tem sido negligenciado por Ellis e outros) é que Paulo faz uma distinção entre "nós" e os "maduros/espirituais" em 1 Co 2.6:
Entretanto, [nós] expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada.
A frase poderia ser traduzida como "falamos sabedoria aos maduros,"(50) como 3.1 sugere:
Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais e sim como a carnais, como a crianças em Cristo.
Esta distinção entre "nós" e os "maduros/espirituais" pode ser mantida em toda a seção (1 Co 1–4), possivelmente com a única exceção de 2.7b, 15-16. Aqueles identificados como "nós" falam a sabedoria de Deus oculta em mistério, e os "maduros/espirituais" ouvem e compreendem, pelo Espírito (2.6,13,14-15).
A primeira pessoa do plural, "nós," na passagem, está refletindo o ministério de Paulo entre os maduros da igreja. Quem são as pessoas às quais ele se associa, usando o pronome? Cremos que Paulo refere-se a si mesmo e aos demais apóstolos.(51)
O passo seguinte na pesquisa é examinar mais de perto o sentido de te/leioj (2.6, "maduro, perfeito"), tendo em vista sua relação óbvia com pneumatiko/j ("espiritual") na passagem. A grande maioria dos críticos concorda que o "espiritual" de 2.13,15 corresponde ao "maduro" de 2.6.(52) Mas, nem todos estão de acordo se Paulo refere-se aos cristãos em geral, ou a um grupo dentre eles.(53)
Na nossa opinião, a idéia de crescimento e de maturidade está presente quando Paulo usa o termo te/leioi ("perfeitos") em 2.6. Ele está se referindo, não a todos os crentes, mas àqueles que têm crescido na fé, que têm amadurecido em seu conhecimento e sua conduta, ao ponto de poder captar as implicações da pregação apostólica da sabedoria oculta de Deus, Cristo crucificado. Paulo está fazendo uma distinção, não entre crentes e descrentes, mas uma distinção interna na comunidade, entre crentes maduros e aqueles crentes que não são maduros.
É certo que Paulo às vezes emprega te/leioj ("maduro", "perfeito") no sentido escatológico, referindo-se a todos os crentes como já desfrutando das bênçãos escatológicas e futuras de Deus (ver Fp 3.12).(54) Neste sentido, os crentes são "perfeitos", ou tem sido "aperfeiçoados" por Cristo. Mas aqui em 1 Co 2.6 está claro que o sentido não é escatológico. Paulo está fazendo uma distinção intramuros.(55)
Essa distinção, entretanto, não deve ser exagerada. Ela não é fixa e determinada, como se Paulo reconhecesse duas classes de crentes. Essa distinção é apenas em termos de conhecimento e compreensão. O contraste entre pneumatikoj/te/leioj e sarkiko/j/nh/pioi em 3.1-2, e entre ga/ la ("leite") e brw=ma ("comida sólida," ver Hb 5.11-14), claramente sugere um progresso no entendimento e no comportamento dos cristãos.(56)
Além disso, o contraste entre um entendimento infantil e um entendimento adulto ocorre mais duas vezes na carta (13:10-11, 14:20), e, em ambos os casos, a idéia de níveis de entendimento espiritual, refletindo diferentes estágios no processo de crescimento, está presente.
Em 1 Co 13.10, apesar de te/leion ("perfeitos") ter provavelmente uma conotação escatológica, o contraste nh/pioj/a)nh/r ("menino/homem") no verso seguinte (13.11) retém a idéia de dois níveis distintos de compreensão espiritual. Em 14.20, onde Paulo contrasta paidi/a ("meninos") e te/leioi ("maduros"), a idéia é ainda mais evidente. Du Plessis conclui: "A distinção é entre uma percepção de criança e aquela de um homem adulto."(57) Sugerimos que a distinção é a mesma em 1 Co 3.1.(58)
O fato de que Paulo faz uma distinção entre os cristãos ("espirituais" e "carnais") não significa que ele tinha, necessariamente, uma mensagem de sabedoria reservada para aqueles poucos "iluminados," distinta do seu kerygma habitual, como sugere Scroggs.(59) O conteúdo do kerygma de Paulo, e mesmo da sophia que ele tem para compartilhar com os mais experimentados, é Cristo crucificado (1.17, 23-24, 30; 2.1-2; 2.8).(60)
Concluindo, quando Paulo usa o adjetivo pneumatiko/j em 1 Coríntios 1–3, a expressão significa simplesmente os cristãos como os que têm um entendimento iluminado pelo Espírito Santo, já que Paulo não está fazendo na passagem uma distinção soteriológica entre aqueles que têm o Espírito (crentes) e os que não o têm (perdidos). A forte concentração em 1 Co 2.6-16 de palavras do domínio semântico de "saber, conhecer" confirma isso (sofi/a, ginw/skw, oi)/da, a)pokalu/ptw, sugkri/nw, a)nakri/nw).
Podemos dizer que em todas as ocorrências do masculino em 1 Coríntios (2.13[?],15; 3.1 e 14.37)(61) não há qualquer razão irrefutável para que não interpretemos pneumatiko/j no seu sentido mais amplo e geral, ou seja, "pessoas com entendimento dado pelo Espírito Santo."
Talvez a única exceção seja 14.37, onde Paulo associa pneumatiko/j com profhth/j. Alguns estudiosos entendem que os dois termos aqui ("espiritual" e "profeta") designam a mesma pessoa.(62) Esse é o pensamento de Ellis, embora aqui e acolá ele tente estabelecer uma distinção, como já vimos acima. Outros fazem uma distinção entre o "espiritual" e o "profeta", mas consideram o "espiritual" como sendo o que fala em línguas, como Gillespie(63) e Painter.(64) Mesmo assim, ainda seria possível, como Meyer sugere, entender o termo como se referindo ao Geistbegabter ("o que tem o Espírito"), do qual o profeta seria uma subespécie.(65)
Também é possível que Paulo esteja usando o termo ironicamente, no sentido em que os coríntios o compreendiam. Ainda assim, o pneumatiko/j pode ainda ser entendido como alguém espiritualmente maduro.(66) Em nossa opinião, esse é o sentido em 14.37, e também em 2.6-16. Paulo está se referindo ao que é espiritualmente maduro, e nada mais.
Nossa conclusão é que pneumatiko/j em 1 Co 2.6-16 significa ser maduro no entendimento e na conduta, uma condição aberta a todos os crentes.
Conclusões
O termo pneumatiko/j foi usado por Paulo em 1 Co 2.13,15 e 3.1 em sua crítica pastoral de que os coríntios eram sarkikoi/ ("carnais", 3.1,3). O contexto das passagens e a associação de pneumatiko/j com te/leioj mostram que Paulo não está se referindo a uma classe de cooperadores seus (profetas cristãos), mas a cristãos comuns, que haviam atingido, no processo normal de santificação e crescimento, um nível de maturidade espiritual no qual podiam entender claramente a mensagem do apóstolo, que era Cristo crucificado, a sabedoria de Deus.
Quais são as implicações da nossa pesquisa para o debate atual acerca da espiritualidade? Creio que duas podem ser enfatizadas.
1. Espiritualidade tem a ver Primariamente com Maturidade Espiritual
Os coríntios pensavam de si mesmos como crentes espirituais, em virtude das manifestações carismáticas — especialmente a glossolália — que ocorriam durante o culto. Esse conceito levou-os até mesmo a se gloriarem contra Paulo e a se julgarem superiores ao apóstolo, apesar de estarem divididos em várias facções internas, e de permitirem na igreja pessoas de comportamento imoral e até mesmo quem negasse uma doutrina tão básica quanto a ressurreição dos mortos. Paulo os considera não como espirituais, mas como carnais. Em vez de serem crentes amadurecidos, eram meninos em Cristo, apesar do tempo decorrido desde sua conversão. A falha dos coríntios em perceber as implicações éticas, morais e práticas da cruz de Cristo demonstrava que não eram espirituais, mas carnais. Ser espiritual, diz Paulo, é ter a mente de Cristo. Portanto, a busca da espiritualidade "carismática" como se fosse aquela ensinada pela Bíblia é equivocada. É repetir os erros dos coríntios.
2. Espiritualidade é o Resultado do Crescimento Progressivo na Graça de Deus
Os que desejam ser realmente espirituais devem procurar o crescimento espiritual equilibrado pela santificação, crescendo na graça e no conhecimento de Cristo, amadurecendo no conhecimento e na fé. Muito mais do que crentes "carismáticos," hoje a igreja evangélica no Brasil precisa de crentes maduros, adultos, sóbrios, equilibrados, firmes na fé. E isso não acontece da noite para o dia — é o resultado de um processo, por vezes longo, de treinamento espiritual, de disciplina espiritual, de constância e do uso regular dos meios de graça. Não há atalho para a maturidade.
ENGLISH ABSTRACT
What is the meaning of "spiritual" in Paul’s First Letter to the Corinthians? More than in any other of his writings, it is in 1 Corinthians that the apostle deals with the theme in the fullest way. Lopes examines the three main interpretations by scholars as to the meaning of the word: Christian prophets, Christians in general and mature Christians. He offers a criticism of the first two solutions while attempting to support the view that Paul uses the word in two senses: the one intended by the Corinthians, which was related to the manifestation of spiritual gifts, especially tongues, and in his own sense, that of mature believers, those who can really grasp the implications of the cross for daily life. More specifically, because the Corinthians were not spiritual (in Paul’s sense, although they thought of themselves as such), they had not correctly understood that the cross humbles man and, therefore, there is no place in the church for divisions centered in one’s favorite preacher or teacher. Lopes applies his conclusions to the Brazilian situation: a true spiritual church is not necessarily and primarily one where charismatic gifts are in evidence, but one in which spiritual maturity can be clearly seen.
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1 É possível entender algumas dessas ocorrências não como uma referência adjetiva ao Espírito Santo, mas simplesmente para estabelecer um contraste entre aquilo que é físico, material e deste mundo, com o que é incorpóreo e celestial, como no caso do "corpo espiritual" e do "manjar espiritual" em 1 Co 10.3-4. Mesmo que esse seja o ponto focal da expressão, ainda assim não podemos descartar de todo a relação com o Espírito Santo, visto que o contraste material/imaterial em Paulo normalmente tem uma conotação teológica.
2 As citações bíblicas são da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), 2a. edição, a não ser quando indicado de outro modo.
3 Adotam ainda o neutro: Édouard Cothenet, "Les Prophètes Chrétiens Comme Exégètes Charismatiques de l’Écriture", em Prophetic Vocation in the New Testament and Today. NovTSup 45, ed. J. Panagopoulos (Leiden: Brill, 1977), 95; Hans Conzelmann, Der erste Brief an die Korinther, MeyerK, 11th. ed. (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1969), 86; Leon Morris, The First Epistle of Paul to the Corinthians: An Introduction and Commentary, The Tyndale New Testament Commentaries, ed. R. V. G. Tasker (Londres: Tyndale Press, 1958; reimpressão 1969), 59-60; Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, NICNT, ed. F. F. Bruce (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), 114-15.
4 Essa correspondência é observada por Jean Héring, La Première Épitre de Saint Paul aux Corinthiens. CNT, 7; eds. P. Bonnard, et al. (Paris; Neuchatel: Delachaux & Nestlé S.A., 1949), 28; Johannes Weiss, Der erste Korintherbrief. MeyerK, 9th ed. (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1910), 64-65; cf. A. Robertson. e A. Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, ICC, eds. S. R. Driver, et al. (Edimburgo: T. & T. Clark, 1914), 47-48.
5 Robertson e Plummer, Corinthians, 47.
6 Earle E. Ellis, "Paul and His Co-Workers," New Testament Studies 17 (1970), 437-52.
7 E. Earle Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity: New Testament Essays (Tübingen: Mohr/Siebeck, 1978), 27.
8 Ibid., 29.
9 Ver sua anuência à tese de A. Schweitzer de que "pneumatiko/j é o conceito mais amplo, do qual o profhth(j é um subtipo especial" (ibid., 25, 69).
10 Ver Wayne Grudem, The Gift of Prophecy in the New Testament and Today (Eastbourne, Inglaterra: Kingsway Publications, 1988), 142,161,320; David Hill, New Testament Prophecy, Marshall’s Theological Library, eds. P. Toon and R. Martin (Atlanta: John Knox Press, 1979), 103; David Aune, Prophecy in Early Christianity and the Ancient Mediterranean World (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), 345; Karl Olav Sandnes, Paul - One of the Prophets? A Contribution to the Apostle’s Self-Understanding, WUNT, 2:43 (Tübingen: Mohr/Siebeck, 1991), 10. Em seu ensaio "Christian Prophets as Teachers and Instructors in the Church" (in Prophetic Vocation in the New Testament and Today, NovTSup 45, ed. J. Panagopoulos [Leiden: Brill, 1977]), Hill observa que as idéias de Ellis dependem de uma virtual identificação dos pneumáticos com os profetas cristãos, algo que, na opinião de Hill, não pode ser assumido sem mais nem menos (p. 118, n. 32).
11 Ellis, Prophecy, 27-28.
12 Ibid., 23. Ver também o artigo de Ellis, "Prophecy in the New Testament Church—and Today," em Prophetic Vocation in the New Testament and Today. NovTSup, 45, ed. J. Panagopoulos (Leiden: Brill, 1977), 49.
13 Ellis, Prophecy, 24, 68-69; ver também Ellis, Pauline Theology: Ministry and Society (Grand Rapids: Eerdmans; Exeter: Paternoster Press, 1989), 113.
14 Ellis, Prophecy, 24-25; "Prophecy in the New Testament Church—and Today," 49; Pauline Theology, 39,51; ver também outra obra de Ellis intitulada The Old Testament in Early Christianity. WUNT, 54. (Tübingen: Mohr/Siebeck, 1991), 119.
15 Ver Ellis, Prophecy, 24-25, 68-69.
16 Ibid., 66.
17 Ibid., 50.
18 Ver o apelo de Ellis a 1 Co 2.6-16 para provar seu argumento (Old Testament, 119).
19 Ellis, Pauline Theology, 54.
20 Ulrich Wilckens, "Zu 1 Kor 2,1-16," em Theologia Crucis-Signum Crucis: Festschrift für Erich Dinkler zum 70. Geburtstag, eds. C. Andresen and G. Klein (Tübingen: Mohr [Siebeck], 1979), 520.
21 Ver a lista de termos semelhantes organizada por Karl Olav Sandnes, Paul - One of the Prophets? A Contribution to the Apostle’s Self-Understanding. WUNT, 2/43 (Tübingen: Mohr [Siebeck], 1991), 103. Cf. também a lista de John Painter, "Paul and the pneumatikoi\ at Corinth," em Paul and Paulinism: Essays in Honour of C. K. Barrett, eds. M. D. Hooker and S. G. Wilson (Londres: SPCK, 1982), 240.
22 Ver J. Gillespie, "Interpreting the Kerygma: Early Christian Prophecy According to 1 Corinthians 2:6-16," em Gospel Origins & Christian Beginnings, eds. J. E. Goehring, et al. (Sonoma, CA: Polebridge Press, 1990) 161. Gillespie apela para a sugestão de D. Hill de que a ausência da terminologia profética não significa necessariamente que profecia não está em pauta (Hill, Prophecy, 3).
23 Os argumentos usados por Gillespie são baseados em 1 Co 12-14, ver "Interpreting the Kerygma," 161-66.
24 Apesar das traduções em português preferirem "experimentados" para te/leioi, emprego aqui e no restante do artigo o termo "maduros," visto que o mesmo, além de ser uma tradução correta do termo, expressa melhor o que entendo ser o sentido de Paulo no contexto.
25 Sandnes, Paul, 105.
26 Para outros paralelos interessantes entre 1 Co 2.6-16 e seu contexto imediato, ver Wolfgang Schrage, Der erste Brief an die Korinther (1Kor 1,1-6,11), EKKNT, 7:1, eds. N. Brox et al. (Neukirchen: Beuziger Verlag e Neukirchener Verlag, 1991), 241.
27 Esse é também o pensamento de Gillespie ("Interpreting the Kerygma," 151), que considera a profecia como sendo o assunto não rotulado de 1 Co 2.6-16. Também Aune (Prophecy, 199), embora ele pareça contradizer-se mais adiante (cf. ibid., 342).
28 Ver página 94.
29 É o que defende D. G. Dunn, Romans 1-8, WBC, vol. 38a, eds. D. Hubbard et al. (Dallas: Word Books, 1988), 30-31.
30 Consulte ainda N. Baumert, "Charisma und Amt bei Paulus," em L’Apôtre Paul: Personnalité, Style et Conception du Ministère, BETL 73, ed. A. Vanhoye (Leuven: University Press e Uitgeverij Peeters, 1986), 213.
31 Como pensam também Ulrich Brockhaus, Charisma und Amt: Die paulinische Charismenlehre auf dem Hintergrund der frühchristlichen Gemeindenfunktionen (Wuppertal: Theologischer Verlag Rolf Brockhaus, 1972), 139, e Morris, 1 Corinthians, 168.
32 Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, NICNT, ed. F.F. Bruce (Grand Rapids: Eardmans), 576. Ver o uso que Paulo faz de pneumatika/ em 2.13; 9.11 (Rm 15.27), e seu uso de pneumatiko/n/pneumatika\ em 1 Co 10.3,4; 15.44-46; Rm 7.14.
33 Ver Meyer, An die Korinther, 331; ver também o comentário de Simon Kistemaker, Exposition of the First Epistle to the Corinthians, New Testament Commentary (Grand Rapids: Baker, 1993), 412-13.
34 Ver Hans Conzelmann, "xa/risma em TDNT, 9:403-5; H.-H. Esser, "Grace," em The New International Dictionary of New Testament Theology, ed. C. Brown (Exeter, Inglaterra: Paternoster Press, 1976), 2:121.
35 Ellis, Prophecy, 24, nota 9.
36 Por exemplo, Paul J. Du Plessis, TELEIOS: The Idea of Perfection in the New Testament (Kampen: Uitgave J. H. Kok N. V., s/d.), 184; Wilckens, "Zu 1 Kor 2,1-16," 507,513; Wendell Willis, "The Mind of Christ in 1 Corinthians 2,16," Bib 70 (1989), 110-22.
37 W. Schmithals, Die Gnosis in Korinth: Eine Untersuchung zu den Korintherbriefen (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1956), 159; Ulrich Wilckens, Weisheit und Torheit: Eine exegetisch-religionsgeschichtliche Untersuchung zu 1 Kor 1-2. BHT 26 (Tübingen: Mohr/Siebeck, 1959), 53, nota 3; Birger A. Pearson, The Pneumatikos-Psychikos Terminology in 1 Corinthians: A Study in the Theology of the Corinthian Opponents of Paul and Its Relation to Gnosticism, SBLDS, 12 (Missoula: Scholars Press, 1973), 111 nota 100; Robert W. Funk, Language, Hermeneutic, and Word of God: The Problem of Language in the New Testament and Contemporary Theology (New York; Evanston; Londres: Harper & Row, 1966), 297-98.
38 E. Schweizer, "yuxh/, yuxiko/j," em TDNT, 9:663.
39 Du Plessis, TELEIOS, 178.
40 Wilckens, Weisheit, 55-60. Ver também seu artigo sobre "sofi/a", TDNT, 7:519. Outros eruditos, apesar de não favorecerem um background gnóstico, consideram os te/leioi quase que como um grupo esotérico dentro da igreja. Ver Meyer, An die Korinther, 57.
41 Basta consultar o trabalho de Pearson (Pneumatikos-Psychikos, 3-9, 27-38), Gerhard Delling ("te/leioj," em TDNT, 8:77) e Du Plessis (TELEIOS, 20-32). Esses estudiosos examinam as evidências provenientes da literatura gnóstica disponível e chegam a conclusões totalmente diferentes das de Wilckens.
42 Fee, Corinthians, 120.
43 Como afirma Funk: "Paulo faz uma distinção entre os crentes da igreja? Certamente que sim! A questão é que tipo de distinção, e com que fundamento" (Language, 299).
44 Robertson e Plummer, Corinthians, 52 (ênfase deles). Ver também a observação de Barrett: "Maduros os coríntios certamente não são... porque estão em Cristo, eles foram colocados numa relação com a era vindoura e no reino do Espírito, mas eles ainda não são ainda determinados pelo Espírito" (C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, Black’s New Testament Commentaries (Londres: Adam & Charles Black, 1968), 80 (ênfase dele).
45 Robertson e Plummer, Corinthians, 52 (ênfase deles).
46 Rudolph Bultmann, Primitive Christianity in its Contemporary Setting (Nova York: New American Library, 1974), 183.
47 Rudolph Bultmann, Essays, Philosophical and Theological (Londres: SCM, 1955), 43-46; Ver Theology of the New Testament, vol. 1 (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1951), 240.
48 R. Bultmann, Existence and Faith. Shorter Writings of Rudolph Bultmann (Cleveland: Word, 1960), 197.
49 Ver a avaliação crítica de Stephen Westerholm, Israel’s Law and the Church’s Faith - Paul and His Recent Interpreters (Grand Rapids: Eerdmans, 1988), 70-75.
50 Nigel Turner diz que a preposição e)n com o dativo deve ser traduzida aqui como o dativo normal, "falar aos maduros," como também em 2 Co 4.3, Gl 1.16, e possivelmente 1 Co 7.12; 2 Co 8.1; 2 Ts 14 (James H. Moulton, A Grammar of the New Testament Greek, vol 3 Syntax, por Nigel Turner [Edimburgo: T. & T. Clark, 1963], 264). Barrett rejeita essa tradução (Corinthians, 68-69), mas sua própria solução, ou seja, que 2.6 implica que todos os cristãos falam sabedoria, é corretamente criticada por Fee (Corinthians, 102, nota 17).
51 Para um estudo mais detalhado, ver Augustus N. Lopes, Paul as a Charismatic Interpreter of Scripture, obra ainda não publicada (Filadélfia, 1995), 123-147.
52 As referências são muito numerosas para serem todas citadas. Ver Funk, Language, 298.
53 A discussão é extensa. Ver a resenha do debate oferecida por Willis, "The Mind of Christ in 1 Corinthians 2,16," 110-22.
54 Ver Moisés Silva, Philippians, The Wycliffe Exegetical Commentary, ed. K. Barker (Chicago: Moody Press, 1988; reimpresso (Grand Rapids: Baker, 1993), 201; Gerald F. Hawthorne, Philippians, WBC, eds. D. A. Hubbard et al. (Waco, Texas: Word Books, 1983), 151.
55 R. Scroggs conclui de um estudo comparativo na literatura apocalíptica-sapiencial dos judeus e dos cristãos que te/leioj, para Paulo, "é o cristão disciplinado eticamente e intelectualmente, obediente ao kerygma, e capaz de receber a sofia que Paulo pode compartilhar" ("Paul, SOPHOS and PNEUMATIKOS," NTS 14 (1967), 38-40). Richard A. Horsley, baseado num outro estudo comparativo dos escritos de Filo, sustenta que o contraste pneumatiko/j e yuxiko/j implica numa distinção de status espiritual ("Pneumatikos Vs. Psychikos: Distinction of Spiritual Status Among the Corinthians," Harvard Theological Review, 69 [1976], 288).
56 Existe um elemento ético no contraste, que pode ser deduzido da comparação entre os que "andam na carne" e os que "andam no Espírito" em Gl 5.16-26 (ver Rm 8.3-9). Os pneumatikoi/ mentionados em Gl 6.1, segundo nosso ponto de vista, não são simplesmente "todos que estão em Cristo", como sugere Pearson (Pneumatikos-Psychikos, 5), mas sim aqueles que andam no Espírito. Para uma resenha do debate sobre os "espirituais" de Gl 6.1 veja James D. G. Dunn, The Epistle to the Galatians, Black’s New Testament Commentary (Peabody, Massachusetts: Hendrickson, 1993), 319-21. Dunn rejeita a posição de que "espirituais" se refere a todos os cristãos, e opta, cautelosamente, pela opinião de que se refere a algum tipo de distinção entre eles (p. 320).
57 Du Plessis, TELEIOS, 188. Ele não aceita que te/leioi em 2.6 inclui a noção de crescimento e maturidade dos crentes (p. 184), e portanto, é forçado a concluir que Paulo usa o termo com sentidos diferentes em 1 Coríntios, ver p. 185,186. Em nossa opinião, porém, Paulo usa-o consistentemente, e essa abordagem levanta menos problemas na interpretação de 2.6; 13.10 e 14.20 do que a posição de Du Plessis.
58 Ver Sandnes, Paul, 81.
59 Scroggs, "Paul," 36-38, 54.
60 Ver Sandnes, Paul, 82-84; Judith L. Kovacs, "The Archons, the Spirit, and the Death of Christ: Do We Need the Hypothesis of Gnostic Opponents to Explain 1 Corinthians 2:6-16?" em Apocalyptic and the New Testament: Essays in Honor of J. Louis Martyn, eds. J. Marcus and M. L. Soards (Sheffield: JSOT Press, 1989), 218-19; Willis, "The Mind of Christ," 114-15.
61 A maioria dos críticos e das traduções considera pneumatikw=n em 1 Co 12.1 como sendo neutro ("coisas" ou "dons espirituais;" ver Meyer, An die Korinther, 331; Sandnes, Paul, 103, nota 94; Barrett, Corinthians, 268; Ellis, Prophecy, 24,76). Outros o consideram masculino ("pessoas espirituais", ver Weiss, Korintherbrief, 294; Bruce, 1 and 2 Corinthians, 116; ver a nota da NVI em 1 Co 12.1).
62 Para Schmithals (Die Gnosis, 285) os dois termos são sinônimos.
63 Gillespie, "Interpreting the Kerygma," 165-66.
64 Painter, Pneumatiko/j, 242-44.
65 Meyer, An die Korinther, 405.
66 Como Grudem faz em The Gift of Prophecy, 210. Ele detalha a distinção entre o "espiritual" e o profeta em The Gift of Prophecy in 1 Corinthians (Washington: University Press of America, 1982) 160-61.
Todas as citações bíblicas são da ACF (Almeida Corrigida Fiel, da SBTB). As ACF e ARC (ARC idealmente até 1894, no máximo até a edição IBB-1948, não a SBB-1995) são as únicas Bíblias impressas que o crente deve usar, pois são boas herdeiras da Bíblia da Reforma (Almeida 1681/1753), fielmente traduzida somente da Palavra de Deus infalivelmente preservada (e finalmente impressa, na Reforma, como o Textus Receptus).
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