A RESPONSABILIDADE HUMANA

Por responsabilidade humana queremos dizer aquela do homem para com Deus por todas as suas ações. O ensino da responsabilidade do homem é tão geral na Bíblia que não se precisam de citações da Escritura. Quem quer que de algum modo esteja familiarizado com a Bíblia poderia sem nenhuma dificuldade achar bastante de provas textuais sobre este assunto.

I. A RESPONSABILIDADE HUMANA E A SOBERANIA DE DEUS

1. O SENTIDO DA SOBERANIA DE DEUS

A soberania absoluta de Deus quer dizer o mesmo que Paulo afirma em Efésios 1:11, onde ele fala de Deus como de um que “faz todas as coisas segundo o conselho de Sua vontade”. Isto ensina o mesmo que a Confissão de Fé de Filadélfia, quando diz: “Deus decretou nEle mesmo, desde toda a eternidade, pelo mais sábio e santo de Sua própria vontade, livre e imutavelmente, todas as coisas quantas venham a passar”. Outras passagens que ensinam a soberania absoluta de Deus são como segue:

“Quem não entende por todas estas coisas que a mão do Senhor faz isto? Em cuja mão está a alma de tudo quanto vive e o fôlego de toda a carne humana” (Jó 12:9,10).

“Jeová estabeleceu o Seu trono nos céus e o Seu reino domina sobre tudo” (Salmos 103:19).

“Tudo quanto o Senhor quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos” (Salmos 135:6).

“Quem é aquele que diz e assim acontece, quando o Senhor o não mande. Porventura da boca do Altíssimo não sai o mal e o bem?” (Lamentações 3:37,38).

“Formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Isaías 45:7).

“Sou Deus e não há outro como Eu, que anuncio as coisas desde o princípio e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:9,10).

“Todos os senhores da terra são tidos como nada e, segundo a Sua vontade, faz com o exercito do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa estorvar a mão e lhe diga: Que fazes?” (Daniel 4:35).

“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos meninos” (Mateus 11:25).

“Respondeu-lhe Jesus: “Não terias tu nenhum poder contra mim, se do céu não te fora dado” (João 19:11).

“Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, de sorte que não é do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece; porque diz a Escritura a faraó: “Para isto mesmo te constituí, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. De sorte que se compadece de quem quer e endurece a quem quer” (Romanos 9:15-18).

Vide também Atos 2:23 e 4:27-28.

2. PORQUE O HOMEM É RESPONSÁVEL?

A pergunta é, então, como pode o homem ser responsável por suas ações quando tudo que ele faz foi ordenado e decretado por Deus? Não é isto uma pergunta nova: é no mínimo tão velha como o Novo Testamento e, provavelmente, mais velha. Paulo antecipou esta pergunta aos seus leitores quando ele escreveu o admirável capítulo nono de Romanos. Disse ele: “Dir-me-ás então: Porque se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste a sua vontade?” E a resposta de Paulo foi: “Mas antes, ó homem, quem es tu que contestas contra Deus? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Porque me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” Paulo, bem se vê, ao mencionar esta pergunta e sua resposta, mostra, conclusivamente, que ensinou a soberania absoluta de Deus. Na verdade, as suas palavras precedentes ensinam, claramente, isso. Paulo deu a resposta que deu porque antecipou a pergunta como vinda de um objetor. Quando ela vem como de um reverente inquiridor, ela merece consideração mais minuciosa. A resposta de Paulo teve de ser mais breve porque o seu tempo e propósito não permitiram uma discussão mais longa. O nosso tempo permite e o nosso fim requer uma discussão mais completa.

O homem é responsável por suas ações, não obstante o fato que Deus decretou tudo quanto venha a passar, ao menos por três razões:

1. O DECRETO DE DEUS CONCERNENTE AO PECADO NÃO É CAUSATIVO SENÃO PERMISSIVO, DIRETIVO, PREVENTIVO E DETERMINATIVO.

Deus decretou que o pecado viesse ao mundo, por motivos que são inteiramente conhecidos somente dEle, mas Ele decretou que o pecado viesse pela própria livre escolha do homem. Deus não compele o homem a pecar, mas permite-o. O homem, e não Deus, é a causa eficiente do pecado e por essa razão o homem é responsável.

Antes de passar adiante, é preciso ser observado que nenhumas objeções podem ser trazidas contra a afirmação que Deus decretou o pecado viesse ao mundo que não possa ser trazida contra a permissão atual do pecado por Deus, a menos que o objetor assuma a posição que Deus foi impotente para impedir a entrada do pecado. Isto seria uma negação da onipotência e soberania de Deus e renderia o objetor indigno de consideração aqui. A onipotência e soberania de Deus nos ensinam que o que quer que Deus o permita Ele o permite porque Ele quer fazer assim. E desde que Deus é imutável, sua vontade tem sido sempre a mesma: o que Ele quer em qualquer tempo Ele tem querido desde toda a eternidade. Portanto, Sua vontade iguala ao Seu propósito e o Seu propósito iguala ao Seu decreto.

2. A LEI DE DEUS E NÃO O SEU DECRETO FIXA O DEVER E A RESPONSABILIDADE DO HOMEM.

A Lei de Deus é o guia e o padrão do homem. Isto é à vontade revelada de Deus. O decreto de Deus é a Sua vontade secreta. O homem nada tem a fazer com isto, exceto saber e reconhecer os fatos concernentes. “As coisas secretas pertencem as Jeová, nosso Deus, mas as reveladas a nós pertencem e aos nossos filhos para sempre, para que façamos todas as palavras desta Lei” (Deuteronômio 29:29).

3. O MOTIVO ANTES DE O HOMEM PECAR FÁ-LO RESPONSÁVEL.

Porque o homem peca? É porque ele quer, porventura, fazer a vontade de Deus? Não, nunca assim. Porque os homens crucificaram a Cristo? Porque creram que Deus O mandará para morrer como uma porta-pecado? Não. Foi porque eles O odiaram. Crucificaram-O através de motivos ímpios. É assim sempre que o homem peca. O pecado procede do amor do homem as trevas (João 3:19).

II. A RESPONSABILIDADE HUMANA E A INABILIDADE ESPIRITUAL DO HOMEM

Uma outra pergunta concernente a responsabilidade do homem é: Como pode o homem ser responsável por não obedecer inteiramente à Lei de Deus e por não receber o Evangelho, quando o ouve, se ele por natureza não pode fazer ambas as coisas? Para prova da inabilidade espiritual do homem vide os capítulos sobre Pecado e Conversão.

A resposta a esta pergunta é que o homem pode ser responsável pelo que ele não pode fazer somente na suposição de ele ser culpado por sua inabilidade. E é um fato que o homem é culpado por sua inabilidade espiritual. Não é que ele, individualmente, por seu próprio ato pessoal, deu origem à inabilidade, porque ele nasceu com ela; mas todo homem pecou em Adão e assim deu origem à sua inabilidade espiritual. Que todo homem pecou em Adão é o verdadeiro ensino de Romanos 5:12: “Portanto, assim como por um homem entrou o pecado no mundo, pelo pecado a morte, assim a morte passou a todos os homens porque TODOS PECARAM”. “Pecaram” no grego está no aoristo, o qual expressa ação passada distinta. A passagem fá-lo referir-se à participação de todos os homens no pecado de Adão.

Mas, como participamos no pecado de Adão quando não estávamos nascidos quando ele pecou? Pensamos que não podemos fazer melhor do que dar em resposta as seguintes palavras de A. H. Strong: “Deus imputa o pecado de Adão imediatamente a toda a sua posteridade em virtude daquela unidade orgânica da espécie humana pela qual a raça toda existiu ao tempo da transgressão de Adão, não individualmente senão seminalmente, nele como seu cabeça. A vida total da humanidade estava então em Adão; a raça por enquanto tinha o seu ser somente nele. Sua essência ainda não estava individualizada; suas forças ainda não estavam distribuídas; as faculdades que agora existem em homens separados estiveram então unificadas e localizadas em Adão; a vontade de Adão foi entrementes a vontade da espécie. No ato livre de Adão a vontade da raça revoltou-se contra Deus e a natureza da raça corrompeu-se. A natureza que possuímos agora é a mesma natureza que se corrompeu em Adão; não a mesma meramente em qualidade senão a mesma fluindo para nós continuamente dele. O pecado de Adão nos é imputado imediatamente; logo, não como algo a nós estranho, mas porque é de nós, nós e todos outros homens tendo existido como uma pessoa moral, ou um todo moral, nele, e como o resultado daquela transgressão, possuindo uma natureza destituída de amor a Deus e inclinada ao mal” (Systematic Theology, pág. 328).

III. A RESPONSABILIDADE HUMANA DEPENDENDO DO CONHECIMENTO

Preciso é ficar acentuado que o homem é responsável somente enquanto ele conhece ou tem dentro do seu alcance o conhecimento do que é justo. O pagão é responsável de reconhecer a Deus porque, e somente porque, “o que de Deus se pode conhecer nele esta manifesto; porque Deus lho manifestou. Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder, como a Sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que fiquem inescusáveis” (Romanos 1:19,20). Quanto a atos de conduta externa, o pagão é responsável somente pela violação de tais princípios de justiça como sua própria consciência reconhece. “Todos quantos sem Lei pecaram, sem Lei também perecerão”, isto é, aqueles a quem a Lei escrita de Deus não se fez conhecida perecerão, mas não perecerão pela condenação da Lei escrita. Como então serão julgados? Os versos que seguem a citação supra mostram que serão julgados pelo seu propósito paradigma de justiça; não serão acusados de transgressões, exceto aquelas contra sua própria consciência. Vide Romanos 2:12-15.

Do acima é evidente que os pagãos não serão acusados do pecado de incredulidade ou rejeição do Evangelho; todavia perecerão. Mostra isto que é o pecado em geral que condena primariamente. A rejeição do Evangelho não traz condenação ao homem: ela somente a manifesta e aumenta a penalidade que será infringida por causa dela.

O fato de a responsabilidade humana depender do conhecimento explica porque serão salvos as criancinhas agonizantes e os imbecis natos: estão uns e outros mentalmente cegos aos princípios da justiça e, portanto, não são responsáveis. Esta é a espécie de cegueira que os fariseus pensaram ter Jesus dado a entender em João 9:39. E Jesus, percebendo os pensamentos dos seus corações, disse-lhes: “Se fosseis cegos (no sentido que tendes em mentes), não teríeis pecado” (João 9:41). Só há três espécies de cegueiras: física, mental e espiritual. Os fariseus não suposeram, certamente, que Jesus quis dizer que estavam fisicamente cegos e, certamente, Cristo não quis dizer na sua resposta que eles não estavam espiritualmente cegos. Vide João 12:37-40; 2 Cor. 4:3,4. Jesus podia ter querido dizer apenas uma coisa e essa é que, se estivesse mentalmente cegos, não teriam pecado. As crianças e os imbecis são mentalmente cegos, como já se disse, e não são, portanto, responsáveis por sua conduta. É por esta razão que cremos que serão salvos pelo sangue de Cristo sem o exercício da fé no corpo. Contudo, desde que têm uma natureza pecaminosa, devemos crer que lhes será necessário ser regenerados e trazidos assim à fé em Cristo. A Bíblia fá-lo claro que isto é necessário antes que alguém se ajuste à presença de Deus, mas ela não nos diz quando terá lugar com referência as crianças e aos imbecis. Somos da opinião que terá lugar na hora de separação entre espírito e corpo na morte.

Autor: Thomas Paul Simmons, D.Th.
Digitalização: Daniela Cristina Caetano Pereira dos Santos, 2004
Revisão: Charity D. Gardner e Calvin G Gardner, 05/04

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