A Lei da Primeira Menção

A Lei da Primeira Menção

ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA

Ou, Leis Básicas de Interpretação da Bíblia

Pr. Davis W. Huckabee

Tudo o que Deus queria que o homem conhecesse e entendesse é revelado em algum ponto nas Escrituras, e geralmente toda doutrina tem pelo menos uma passagem definitiva que expressa claramente essa doutrina, ou pelo menos o aspecto da doutrina que é ali tratada. Bem raramente qualquer coisa de alguma importância maior é mencionada na Palavra que não seja claramente explicada em alguma outra parte. E muitas vezes a passagem definitiva é a primeira referência nas Escrituras que tem a ver com aquela palavra ou doutrina particular. De modo que quando encontramos a primeira menção de qualquer coisa nas Escrituras, devemos lhe dar atenção especial, pois provavelmente será fundamental para o seu correto entendimento e interpretação.

Deus revelou Sua vontade na Palavra, não a escondeu, e Deus é um Deus de ordem, não confusão, 1 Coríntios 14:33 , 40. Portanto, podemos esperar encontrá-Lo explicando todas as coisas que têm a ver conosco em algum lugar em Sua Palavra. Se determinada doutrina não é explicada no texto que estamos estudando, então precisamos recorrer a todas as passagens paralelas, com estudo especial dado à primeira vez em que essa palavra ou doutrina aparece, pois é muitas vezes onde a encontraremos com a definição mais plena. No entanto, não devemos negligenciar as menções subseqüentes de uma palavra ou doutrina, pois essas menções muitas vezes dão informações adicionais sobre ela que também serão importantes.

Citamos como uma ilustração disso as referências numerosas à ressurreição de Jesus, que deveria ocorrer depois de uma estadia de três dias no túmulo. Muitos acadêmicos — alguns deles bem fundamentalistas — disseram que não se podia entender a estadia como significando setenta e duas horas literais. Eles pensam assim porque eles entendem mal em qual “preparação do sábado” Jesus foi crucificado, pois se essa preparação foi a preparação do sábado semanal, então Ele na verdade foi crucificado na sexta. E, de acordo com os métodos judaicos de calcular o tempo, um dia completo de vinte e quatro horas, mais a última parte de outro dia, mais o começo de um terceiro dia poderiam ser computados como três dias. Assim, é possível, de acordo com essa interpretação, que Jesus tivesse apenas estado no túmulo por um total de algumas vinte e seis horas. É na base dessas coisas que o mundo religioso quase unanimemente guarda uma Sexta Feira da Paixão. Eles herdaram essa perspectiva da tradição.

Deve-se dizer que das referências à estadia de Jesus no túmulo, sete das oito referências nos Quatro Evangelhos são de certo modo vagas, e só falam de Sua ressurreição sendo “em três dias”, ou “depois de três dias”. Mas a única referência restante a isso é a primeira referência, e é a que define todas as outras. “Pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do Homem três dias e três noites no seio da terra”. (Mateus 12:40) Não há como aplicar isso a um mero período de vinte e seis horas ou mais. No mínimo, isso exigiria um total de mais que cinco períodos de doze horas de tempo — ou três dias completos e duas noites completas, ou vice versa, que equivaleriam a um mínimo de mais de sessenta horas. Assim, se isso não for verdade, então há um erro bem evidente em Mateus 12:40.

Por outro lado, logo que uma declaração definitiva tenha sido feita sobre algo, não é mais necessário exatamente defini-la cada vez que é subseqüentemente mencionada, mas pode ser mencionada de um modo geral, e assim é nesse assunto. Mateus 12:40 define a duração exata da estadia de Jesus no túmulo do jardim, enquanto todas as outras referências posteriores são declarações gerais que remetem de volta à declaração definitiva. Mas, pode-se perguntar, como se pode reconciliar isso com a declaração de que Jesus foi crucificado na “preparação do sábado”? Bem simples! Todas as festas judaicas eram consideradas dia de “sábado”, e cada uma tinha um dia de preparação. Assim, era comum que houvesse tantos quantos três “sábados” na semana em que a Páscoa e a Festa dos Pães Sem Fermento ocorriam, dependendo de qual dia da semana caía a Páscoa. E que Jesus não foi crucificado na preparação do sábado semanal — sexta — é insinuada pela ênfase dada na frase “pois era grande o dia de sábado” em João 19.31, mostrando que aquele sábado da Páscoa “era grande”, — considerado mais santo do que o sábado semanal. Isso colocará todos os dados em harmonia, mas não imputará erro na Palavra de Deus como faz claramente a teoria de uma Crucificação de Sexta.

É por isso que é tão importante que se dê atenção especial à referência inicial a uma palavra ou doutrina nas Escrituras; provavelmente, será a definitiva, e portanto a mais importante de todas, e pode e provavelmente impedirá a introdução do erro.

Encontramos essa Lei da Primeira Menção sobressaindo em muitos lugares, pois é a ordem mais natural ao lidar com qualquer assunto. Pois não é geralmente a prática uma pessoa falar por muito tempo sobre um assunto antes de definir e descrever o assunto do qual ela está falando. Do ponto de vista da boa e lógica ordem, nós naturalmente esperamos que qualquer coisa seja explicada em sua primeira menção.

Deus deve falar ao homem em termos humanos, e usar uma ordem lógica de revelar Sua vontade se Ele quer que o homem entenda Sua vontade, e esse é exatamente o caso nessa Lei. E embora não encontremos muita razão para confiarmos na razão humana, exceto onde está em submissão ao, e dirigida pelo, Espírito de Deus, mas cremos realmente que Deus revelou Sua vontade ao homem de modo que seja tanto razoável (para a fé) quanto lógico (para a mente espiritual). Esse é um dos motivos por que cremos que uma das leis básicas de interpretação bíblica envolve dar atenção especial à primeira menção de qualquer coisa nas Escrituras.

Que o leitor pegue sua concordância e use as referências em muitos assuntos e ele descobrirá que é geralmente o caso, embora haja exceções à regra. Por exemplo, o Livro de Gênesis, cujo sentido é “começos”, se inicia com a colocação de numerosos fatos fundamentais sobre Deus, o homem, o pecado, Satanás, a redenção e numerosos outros fatos bem importantes. Sem o Livro de Gênesis, boa parte do restante da Bíblia seria quase totalmente ininteligível. Aliás, nenhum homem poderia entender a si e a estranha predileção ao pecado que é universal ao homem sem a primeira referência ao pecado na Bíblia. Todos vimos as tentativas confusas dos psiquiatras para explicar o pecado e o mal com a exclusão das Escrituras, o que só nos prova a a necessidade absoluta de considerar a revelação que Deus deu sobre a primeira introdução do pecado, se quisermos conhecer a verdade. Assim de novo vemos a importância da primeira menção das palavras e frases nas Escrituras.

Esse mesmo fato é verdadeiro no Novo Testamento também, pois os Quatro Evangelhos estabelecem alguns fatos importantes dos quais a verdade é progressivamente revelada nas partes restantes do Novo Testamento. Por esse motivo, o Dr. Henry G. Weston escreveu um livro sobre Mateus que ele designava “O Gênesis do Novo Testamento”. Desse primeiro livro do Novo Testamento nos aventuramos a citar duas ilustrações dessa Lei da Primeira Menção. Primeira, começa com o relato do nascimento dAquele que foi predestinado para ser o Redentor, 1 Pedro 1:18-21 e a primeira menção de Sua obra é definitiva, não só dela, mas também da divindade dAquele que a realizaria. “E dará à luz um filho, e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”. (Mateus 1:21) “Jesus” é a forma grega de Jeoshua, um nome hebraico composto de Jah, Jeová, o nome pessoal do Deus que guarda a aliança, e hoshua, salva. Seu sentido é, Jeová é salvador. Que esse nome era importante é revelado pela conjunção “porque” = por causa de — “Ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Os dois versículos subseqüentes mostram que foi profetizado que isso ocorreria, não de um modo comum, mas miraculoso — por um ato criativo de Deus, como em Jeremias 31:22. Daí, temos (1) Profecia declarada. (2) A Pessoa descrita. E, (3) A Propiciação definida, que seria limitada aos escolhidos do Senhor — só aqueles que cressem, como em tantos textos subseqüentes.

E segunda, mas de menor importância, embora ainda ilustrando o ponto relevante. Os liberais há muito negam o fato da possessão demoníaca, e atribuíam sua manifestação à doença mental que, presumiam eles arrogantemente, o povo daquela época era burro demais para entender, de modo que eles a atribuíam à atividade demoníaca. Mas a primeira menção de possessão demoníaca no Novo Testamento a distingue claramente da loucura, ou doença mental. “E a sua fama correu por toda a Síria, e traziam-lhe todos os que padeciam, acometidos de várias enfermidades e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos, e os paralíticos, e ele os curava.” (Mateus 4:24) Aqui estavam realmente quatro classes distintas umas das outras: (1) Aqueles que estavam doentes fisicamente. (2) Os endemoninhados. (3) Os lunáticos, ou os com doenças mentais. E, (4) Os com paralisia, os paralíticos. Nenhum método de interpretação poderia em momento algum confundir essas classificações uma com a outra. Assim, com a simples aplicação dessa Lei da Primeira Menção, ninguém poderia tentar fazer parecer que a possessão demoníaca era simplesmente a opinião supersticiosa das massas ignorantes acerca da doença mental.

Foi provado vezes sem conta que quando se aplicam métodos errados de interpretação das Escrituras, o resultado será uma conclusão errônea. Se o intérprete ainda não crê, ou se ele tem preconceito contra a verdade, o mal será mais intenso. Os primeiros princípios precisam ser sãos, ou então nada mais poderá ser são.

Autor: Davis W. Huckabee
Tradução: Júlio Severo
Revisão e Edição: Joy E Gardner e Calvin G Gardner

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