A Lei da Praticabilidade
ESTUDOS Ou, Leis Básicas de Interpretação da Bíblia Pr. Davis W. Huckabee
Com isso nossa intenção é considerar: Quais são os efeitos práticos de nossa interpretação? Pois se nosso método de interpretação é só especulativo, e não resulta numa vida cristã prática, é evidente que algo está errado em nosso sistema de interpretação. Um dos grandes erros do sistema farisaico de interpretação da Bíblia era que não tinha bons efeitos práticos. A acusação de Jesus contra os escribas e fariseus era que: “Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los”. (Mateus 23:2-4) Em outras palavras, esses hipócritas religiosos não tinham um sistema prático de interpretação, ou eles não o aplicavam a si pessoalmente, pois suas convicções não influenciavam sua conduta. Deve haver correspondência entre convicção e conduta, para que nossa confissão cristã não seja apenas hipocrisia oca.
Depois que chegamos a uma interpretação aparentemente certa de uma passagem das Escrituras, seria bom que sempre parássemos por um momento antes de a endossar, e considerássemos quais os efeitos práticos dessa interpretação que estarão nas nossas próprias vidas e nas vidas de nossos filhos e nossos netos. Principalmente nossos filhos e netos, pois podemos adotar uma interpretação errônea de uma Escritura, mas não sermos muito desencaminhados em prática porque mantemos verdades que contrabalançam o erro, de modo que somos impedidos de um grande afastamento da verdade. Mas nossos filhos ou outros sob nossa influência podem não ter essas verdades que serviriam como um antídoto para o nosso erro, e eles podem rapidamente ir para as profundezas do erro sob a orientação dessa interpretação errônea. Muitas vezes leva duas ou três gerações para manifestar plenamente a tendência de algumas interpretações errôneas. É por isso que seitas, que podem ter sido iniciadas por homens genuinamente devotos, mas homens com um sistema errôneo de interpretação, podem não se desencaminhar tão longe em doutrina como eles se desencaminham quando o homem ou homens da primeira geração da seita desaparecem do cenário. Seus sucessores, sem os controles de doutrinas certas que os fundadores podem ter tido, rapidamente se degeneram, tornando-se uma heresia completamente madura sem nenhuma característica que compense.
A Lei da Praticabilidade perguntará acerca de determinada interpretação: “A quem esse ponto de vista glorificará — Deus ou o homem?” O principal propósito da existência do homem na terra é o louvor e a glória de Deus, e se o método dele de interpretação não o leva a fazer isso, algo está errado com seu método. Um propósito secundário da existência do homem na terra como cristão é que ele possa levar outros a conhecer a salvação do Senhor Jesus Cristo, e então edificá-los nessa fé santíssima, de modo que eles O sirvam com obediência. Assim, outra pergunta a se fazer é: “Essa interpretação edifica os outros na fé, ou os seduz a se afastar da fé?” Paulo se sentiu movido a avisar solenemente que no final desta época haveria pessoas que enganariam outros mediante doutrinas falsas e perniciosas. “Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios;”. (1 Timóteo 4:1) “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas”. (2 Timóteo 4:3-4)
É interessante notar que essa edificação, como as Escrituras a designam, existe sempre no contexto da igreja local. Usando uma concordância, veremos que esse é sempre o caso. Daí, devemos sempre ser cautelosos com qualquer grupo particular de “estudo da Bíblia” que não seja patrocinado por ou esteja sob a autoridade da igreja. Muitas vezes Satanás usa pessoas sinceras, mas mal informadas, para semear discórdia e divisão nas igrejas insinuando secretamente erro mediante suas interpretações incorretas. Deus nunca é o autor de tal confusão e desordem, I Coríntios 14:33, 40. A vontade de Deus é que Ele seja glorificado através de Suas igrejas, Efésios 3:21, não em alguma obra paralela ou até mesmo contra a congregação.
A Lei da Praticabilidade também considerará se determinada interpretação eleva o orgulho carnal do homem, ou se o humilha, e o torna mais confiante no Senhor. “Abominação é ao SENHOR todo altivo de coração...”. (Provérbios 16:5) Portanto, um sistema de interpretação que conduz ao orgulho carnal, embora possa fazer o homem sentir-se bem acerca de si mesmo, é um sistema claramente contrário à vontade do Senhor. Esse sempre será o alvo de todo Humanismo e Arminianismo, o que dá evidência de que nenhum dos dois é de Deus. O homem não tem direito algum de tentar se elevar de modo que ele possa se gloriar em si mesmo. Só Deus tem o direito de elevar o homem, e Ele sempre faz isso primeiro humilhando o homem. “... e precedendo a honra vai a humildade”. (Provérbios 15:33) “Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte;”. (1 Pedro 5:6) Estamos presentemente no tempo da humildade. O povo do Senhor não experimentará glória até a volta do Senhor.
De novo, deve-se considerar se a tendência de determinada interpretação tem como alvo o ganho pessoal, pois algumas pessoas sempre interpretam as Escrituras com um interesse no modo como elas lucrarão pessoalmente com isso. A mente delas está mais nas cifras monetárias do que na Cruz. Paulo falou de alguns homens que são “homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade seja causa de ganho; Aparta-te dos tais”. (1 Timóteo 6:5) Seria muito melhor para o cristão no dia da recompensa se ele sempre estivesse disposto a sofrer perda pessoal a fim de se assegurar de que ele está fazendo a vontade de Deus, em vez de ele se dar ao benefício da dúvida e interpretar as Escrituras só de um jeito que lhe dê proveito pessoal. Fazendo-se a vontade de Deus, Deus sempre garantirá que nenhuma pessoa venha realmente a perder “negando-se a si mesma”, pois esse é o requisito do discipulado, Mateus 16:24. Mas aqueles que sempre interpretam as Escrituras com o objetivo de obter lucro pessoal descobrirão suas perdas diante do tribunal de Cristo quando forem manifestos sua mundanidade e egocentrismo.
O Cristianismo é uma religião prática, e a Revelação de Deus ao homem é uma Revelação prática. Não há nada especulativo ou teórico sobre isso. “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo”. (Tito 2:11-13) Se nossa interpretação de qualquer passagem determinada não se alinhar com esse requisito, então nossa interpretação não está evidentemente edificada sobre a graça de Deus.
A própria comissão que foi entregue à Igreja do Novo Testamento envolve a responsabilidade de garantir que nossas interpretações sejam práticas, pois a quarta parte dessa comissão é “ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado”. (Mateus 28:20) Daí, a palavra traduzida “observar” (grego tereo) é mais comumente traduzida “guardar”, e assim lida com o aspecto prático da doutrina da Bíblia — colocar em prática o que aprendemos com as Escrituras. No entanto, é óbvio que bem poucos cristãos, falando em termos comparativos, estão colocando em prática as coisas que eles professam.
Sem dúvida, poder-se-ia eliminar muitas interpretações falsas, errôneas e nocivas logo no começo, se todo estudante da Bíblia, no exato momento em que se senta diante de sua Bíblia aberta, considerasse quais seriam os efeitos práticos de sua interpretação antes que ele as proclame ao mundo. Uma das grandes tragédias do Cristianismo é que um número grande demais de pessoas que professam ser cristãs é cristão somente em teoria e profissão, e não em prática. É de pouco estranhar que tão poucas pessoas tenham algum respeito pelo Cristianismo hoje. A hipocrisia — divorciar a prática da profissão — sempre faz com que o Cristianismo seja desrespeitado.
Autor: Davis W. Huckabee
Tradução: Júlio Severo
Revisão e Edição: Joy E Gardner e Calvin G Gardner
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